Torrando tumores com nanotecnologia magnética — Gama Revista
COLUNA

Marcelo Knobel

Torrando tumores com nanotecnologia magnética

Tentamos entender como diferentes aspectos da estrutura, composição e forma em nível nanoscópico afetam as propriedades magnéticas desses sistemas

14 de Agosto de 2024

Talvez uma das grandes decepções de meu pai foi eu não ter me tornado médico. Quando eu era criança e me perguntavam o que iria estudar eu sempre respondia prontamente: “Medicina, como meu pai”. Mas, talvez movido por um rompante de rebeldia adolescente, na última hora eu decidi prestar o vestibular para física, carreira a que me dedico até hoje. Na física, acabei seguindo a área de pesquisa em magnetismo, em materiais magnéticos nanoestruturados¹, para ser mais específico. De várias maneiras venho estudando, de modo experimental e junto com diversos colegas e estudantes, as propriedades físicas de nanomateriais criados artificialmente. Tentamos entender como diferentes aspectos da estrutura, composição e forma em nível nanoscópico afetam as propriedades magnéticas desses sistemas.

Esses materiais podem ter muitas aplicações práticas, que vão desde a otimização de motores e transformadores, até a gravação magnética. No entanto, uma das áreas de aplicação mais promissoras parece ser em aplicações biomédicas. Podemos aproveitar o fato dessas nanopartículas serem sensíveis a campos magnéticos e guiá-las dentro do corpo a áreas de interesse para tratamento. Por exemplo, se conectarmos uma determinada medicação a uma nanopartícula magnética, essa nanopartícula se torna um carreador magnético. Assim, se colocarmos um ímã perto da região a ser tratada, a nanopartícula carregadora circulará pelo corpo e, ao passar pela região próxima ao ímã, ela ficará retida para que a medicação seja prioritariamente absorvida naquela região específica. Isso permite uma liberação controlada da droga, em lugar de uma liberação sistêmica. Essa estratégia também permite o uso de doses menores do medicamento e menos efeitos colaterais sistêmicos.

Dentro do corpo, guiamos nanopartículas a áreas de interesse para tratamento médico

Outra aplicação que tem avançado significativamente nos últimos anos é conhecida como hipertermia magnética, uma promessa que tem chamado muita atenção para o tratamento de câncer. A ideia aqui é prover a nanopartícula magnética com uma “chave molecular” específica que se conecte a um dado tipo de tumor. Essas nanopartículas são injetadas no corpo do paciente, e após alguns minutos elas se conectam ao tumor. Então o paciente é colocado sob a ação de um campo magnético alternado (como os campos gerados por máquinas de ressonância magnética, por exemplo), e as nanopartículas magnéticas vão tentar seguir esse campo. Essa rápida variação de campo faz com que as nanopartículas liberem calor, e dependendo das condições a temperatura no local do tumor, pode aumentar alguns graus celsius. Como as células (sadias ou tumorais) não sobrevivem em temperaturas de mais de 45 graus celsius, esse tratamento consegue “torrar” o tumor, literalmente. Como as partículas são nanométricas, elas atuam de maneira mais efetiva em tumores muito pequenos. Já em tumores maiores, o tratamento precisa ser repetido diversas vezes.

Grupos de pesquisa ao redor do mundo têm trabalhado para otimizar os mecanismos que levam a um aumento de temperatura mais efetivo e replicável, testando diversas composições químicas e formatos das partículas, além de outras condições experimentais. Os avanços na química e medicina permitem especificar e sintetizar os ligantes para diversos tumores, e a técnica tem sido testada para diferentes tipos de câncer. Por enquanto, as nanopartículas de magnetita (óxido de ferro comum), que são baratas, fáceis de produzir e que não causam nenhum efeito tóxico ao corpo humano, têm sido as mais promissoras.

A principal empresa especializada nessa tecnologia, também responsável por diversos estudos clínicos, é a alemã MagForce². Ela denominou essas partículas de NanoTherm®, um produto que já está comercialmente disponível (e aprovado) para tratamento de glioblastoma, que é um tumor muito agressivo no cérebro. Nos estudos de Fase II, os tratamentos com hipertermia magnética ampliaram a vida dos pacientes acometidos com esse câncer em 7,2 meses (para pacientes com tumor recorrente) ou 8,6 meses (após o diagnóstico do tumor primário).

É importante destacar que o processo para aprovar um tratamento é complexo, lento e muito delicado, e os avanços ocorrem muito mais devagar do que os pacientes e seus familiares gostariam, mas esperamos que essa técnica venha a se somar a tratamentos quimioterápicos e radioterápicos em breve. São necessárias ainda muitas pesquisas de centenas de pessoas em diferentes cantos do planeta para seguirmos avançando.

Nosso grupo faz diversas pesquisas básicas neste tema, tentando entender o fenômeno e otimizar as nanopartículas. Do ponto de vista pessoal, é curioso notar que de uma maneira bem tortuosa e indireta acabei me inserindo no universo da medicina, como queria meu pai. Como ele era também psicanalista, acho que diria: “Freud explica!”.

  1. Materiais que tem dimensões na escala nanométrica, ou seja, um milhão de vezes menor que o milímetro.
  2. Ver http://www.magforce.de

Marcelo Knobel Marcelo Knobel é físico e professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp. Escreve sobre ciência, tecnologia, inovação e educação superior, e como impactam nosso cotidiano atual e o futuro

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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