Marcelo Knobel
Torrando tumores com nanotecnologia magnética
Tentamos entender como diferentes aspectos da estrutura, composição e forma em nível nanoscópico afetam as propriedades magnéticas desses sistemas
Talvez uma das grandes decepções de meu pai foi eu não ter me tornado médico. Quando eu era criança e me perguntavam o que iria estudar eu sempre respondia prontamente: “Medicina, como meu pai”. Mas, talvez movido por um rompante de rebeldia adolescente, na última hora eu decidi prestar o vestibular para física, carreira a que me dedico até hoje. Na física, acabei seguindo a área de pesquisa em magnetismo, em materiais magnéticos nanoestruturados¹, para ser mais específico. De várias maneiras venho estudando, de modo experimental e junto com diversos colegas e estudantes, as propriedades físicas de nanomateriais criados artificialmente. Tentamos entender como diferentes aspectos da estrutura, composição e forma em nível nanoscópico afetam as propriedades magnéticas desses sistemas.
Esses materiais podem ter muitas aplicações práticas, que vão desde a otimização de motores e transformadores, até a gravação magnética. No entanto, uma das áreas de aplicação mais promissoras parece ser em aplicações biomédicas. Podemos aproveitar o fato dessas nanopartículas serem sensíveis a campos magnéticos e guiá-las dentro do corpo a áreas de interesse para tratamento. Por exemplo, se conectarmos uma determinada medicação a uma nanopartícula magnética, essa nanopartícula se torna um carreador magnético. Assim, se colocarmos um ímã perto da região a ser tratada, a nanopartícula carregadora circulará pelo corpo e, ao passar pela região próxima ao ímã, ela ficará retida para que a medicação seja prioritariamente absorvida naquela região específica. Isso permite uma liberação controlada da droga, em lugar de uma liberação sistêmica. Essa estratégia também permite o uso de doses menores do medicamento e menos efeitos colaterais sistêmicos.
Dentro do corpo, guiamos nanopartículas a áreas de interesse para tratamento médico
Outra aplicação que tem avançado significativamente nos últimos anos é conhecida como hipertermia magnética, uma promessa que tem chamado muita atenção para o tratamento de câncer. A ideia aqui é prover a nanopartícula magnética com uma “chave molecular” específica que se conecte a um dado tipo de tumor. Essas nanopartículas são injetadas no corpo do paciente, e após alguns minutos elas se conectam ao tumor. Então o paciente é colocado sob a ação de um campo magnético alternado (como os campos gerados por máquinas de ressonância magnética, por exemplo), e as nanopartículas magnéticas vão tentar seguir esse campo. Essa rápida variação de campo faz com que as nanopartículas liberem calor, e dependendo das condições a temperatura no local do tumor, pode aumentar alguns graus celsius. Como as células (sadias ou tumorais) não sobrevivem em temperaturas de mais de 45 graus celsius, esse tratamento consegue “torrar” o tumor, literalmente. Como as partículas são nanométricas, elas atuam de maneira mais efetiva em tumores muito pequenos. Já em tumores maiores, o tratamento precisa ser repetido diversas vezes.
Grupos de pesquisa ao redor do mundo têm trabalhado para otimizar os mecanismos que levam a um aumento de temperatura mais efetivo e replicável, testando diversas composições químicas e formatos das partículas, além de outras condições experimentais. Os avanços na química e medicina permitem especificar e sintetizar os ligantes para diversos tumores, e a técnica tem sido testada para diferentes tipos de câncer. Por enquanto, as nanopartículas de magnetita (óxido de ferro comum), que são baratas, fáceis de produzir e que não causam nenhum efeito tóxico ao corpo humano, têm sido as mais promissoras.
A principal empresa especializada nessa tecnologia, também responsável por diversos estudos clínicos, é a alemã MagForce². Ela denominou essas partículas de NanoTherm®, um produto que já está comercialmente disponível (e aprovado) para tratamento de glioblastoma, que é um tumor muito agressivo no cérebro. Nos estudos de Fase II, os tratamentos com hipertermia magnética ampliaram a vida dos pacientes acometidos com esse câncer em 7,2 meses (para pacientes com tumor recorrente) ou 8,6 meses (após o diagnóstico do tumor primário).
É importante destacar que o processo para aprovar um tratamento é complexo, lento e muito delicado, e os avanços ocorrem muito mais devagar do que os pacientes e seus familiares gostariam, mas esperamos que essa técnica venha a se somar a tratamentos quimioterápicos e radioterápicos em breve. São necessárias ainda muitas pesquisas de centenas de pessoas em diferentes cantos do planeta para seguirmos avançando.
Nosso grupo faz diversas pesquisas básicas neste tema, tentando entender o fenômeno e otimizar as nanopartículas. Do ponto de vista pessoal, é curioso notar que de uma maneira bem tortuosa e indireta acabei me inserindo no universo da medicina, como queria meu pai. Como ele era também psicanalista, acho que diria: “Freud explica!”.
- Materiais que tem dimensões na escala nanométrica, ou seja, um milhão de vezes menor que o milímetro.
- Ver http://www.magforce.de
Marcelo Knobel Marcelo Knobel é físico e professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp. Escreve sobre ciência, tecnologia, inovação e educação superior, e como impactam nosso cotidiano atual e o futuro
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