Marcelo Knobel
Habilidades e competências necessárias para o futuro
Não sabemos o que o futuro nos reserva, mas temos a obrigação de formar pessoas que possam se adaptar e ter boas chances de sucesso em qualquer cenário que se imponha
Quando iniciei minha carreira, escrever um artigo científico era uma tarefa ingrata. Após o esforço para obter bons resultados experimentais (geralmente coletados manualmente) e realizar análises e discussões adequadas, era necessária a ajuda de muitas pessoas para escrever e enviar o trabalho. A revisão da literatura, por exemplo, já envolvia precisar do auxílio de algumas/ns bibliotecárias/os. As instituições no Brasil não tinham assinatura de muitas revistas, e geralmente, quando ficávamos sabendo de algum artigo potencialmente interessante, escrevíamos uma carta solicitando uma cópia impressa, o que demorava alguns meses para chegar, quando chegava.
No processo de escrita, tudo era manual. Os rascunhos eram feitos à mão, mas para submeter o artigo, claro, era necessário datilografar o texto em máquinas de escrever, pois não havia computadores com editores de texto. As boas máquinas da época permitiam trocar o disco (ou esfera) de caracteres para escrever fórmulas. Se, após a escrita, houvesse algum erro, era necessária uma verdadeira obra de restauração para evitar ter que reescrever tudo. Para isso, contávamos com secretárias excepcionais, que tinham prática e destreza para atender a dezenas de professores e estudantes. Além disso, o processo de confecção de gráficos era totalmente artesanal. Fazíamos um rascunho à mão (usando réguas, compassos, e outros instrumentos para desenhar) e o passávamos para um desenhista, que se ocupava em deixar o gráfico com aspecto profissional. Se, após a submissão, o manuscrito recebesse críticas que poderiam ser respondidas, o processo era reiniciado.
Essa situação foi mudando com a chegada dos computadores pessoais e com programas de editoração de texto que permitiam escrever fórmulas, fazer gráficos, tabelas e até alguns desenhos simples. Se algumas habilidades e competências se tornaram obsoletas, como datilografar um parágrafo em modo justificado ou ajustar uma curva “na mão”, outras surgiram, as que envolvem o uso de novos programas e aplicativos. Isso continua até hoje e deve mudar radicalmente com a melhoria dos aplicativos que utilizam inteligência artificial generativa. Qual será o futuro de tradutores, revisores e de tantos outros profissionais?
Esse exemplo ilustra um assunto específico, mas vale para muitas outras áreas. Há poucos anos, não existiam influenciadores digitais, administradores de redes sociais, motoristas de Uber, entregadores do iFood, condutores de drones, diretores de sustentabilidade e diversidade, engenheiros de carros autônomos, entre tantos outros. Certamente, existirão outras profissões que sequer podemos imaginar. Como educar pessoas para um mercado de trabalho que está em constante evolução?
Precisamos imaginar uma educação menos conteudista e mais focada no desenvolvimento de habilidades e competências gerais
Minha resposta a esse dilema é relativamente simples. Precisamos imaginar uma educação menos conteudista e mais focada no desenvolvimento de habilidades e competências gerais, fundamentais para o mercado de trabalho atual e futuro. Há inúmeras pesquisas que buscam compreender o que as empresas esperam de um profissional competente e que nos ajudam a entender como a formação superior pode contribuir de maneira mais efetiva para o futuro do trabalho.
De acordo com o Fórum Econômico Mundial (2020), a chamada “Quarta Revolução Industrial” está redefinindo as habilidades necessárias para se ter um bom desempenho no mercado de trabalho, com ênfase crescente em habilidades digitais e socioemocionais. A cada ano, habilidades como análise de informação, resolução de problemas complexos, pensamento crítico, criatividade e inovação tornam-se mais importantes. Além disso, habilidades interpessoais, como comunicação e trabalho em equipe, são essenciais.
A rápida evolução do mercado de trabalho exige que os graduados possuam um conjunto diversificado de competências que podem ser sintetizados assim:
- Competências digitais: a alfabetização digital e a capacidade de trabalhar com tecnologias avançadas são fundamentais, incluindo programação, análise de dados e cibersegurança, por exemplo.
- Competências socioemocionais: empatia, ética, curiosidade, comunicação efetiva e trabalho em equipe são cada vez mais valorizadas, especialmente em ambientes de trabalho colaborativos e multiculturais.
- Competências adaptativas: resiliência, capacidade de se adaptar rapidamente a novas situações e aprender continuamente é essencial em um mundo onde as mudanças são a única constante.
Compreender essas demandas do mercado de trabalho é um passo, mas para realmente ajudarmos a formar cidadãos globais, éticos, com responsabilidade social e ambiental e com as competências e habilidades descritas acima, temos que repensar profunda e seriamente nossos currículos e o modo como ensinamos em nossas instituições de educação superior.
Em vários lugares do mundo, ganha força a formação geral, mais ampla, flexível e adaptativa, com currículos mais abertos, e que contenham disciplinas de áreas do conhecimento que extrapolem a área de concentração do curso escolhido. Finalmente, os professores e orientadores precisam revisar seu método de ensino e, por que não, usarem metodologias ativas, que incluem, por exemplo, o aprendizado baseado em problemas, as aulas invertidas e os projetos livres, incorporando novas metodologias de ensino que têm sido amplamente testadas com sucesso em diversas situações.
Não sabemos o que o futuro nos reserva, mas temos a obrigação de formar pessoas para que, em primeiro lugar, esse futuro exista. E para que, ao chegarem lá, possam se adaptar facilmente e ter boas chances de sucesso em qualquer cenário que se imponha.
Para saber mais:
Relatório “O Futuro dos Trabalhos”, Fórum Econômico Mundial 2020
Marcelo Knobel Marcelo Knobel é físico e professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp. Escreve sobre ciência, tecnologia, inovação e educação superior, e como impactam nosso cotidiano atual e o futuro
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.