Marcelo Knobel
Para manter a relevância da Educação Superior num mundo em ebulição
As universidades precisarão se reinventar para continuar a contribuir de forma significativa para a sociedade e para comunicar seu papel essencial para o mundo
A educação superior está enfrentando desafios intrincados em um mundo que passa por mudanças muito rápidas. A contar desde a criação das primeiras universidades na Europa medieval (Universidade de Bolonha e Universidade de Paris, por exemplo) até as instituições contemporâneas, as universidades têm sido um dos principais eixos de sustentação do desenvolvimento das sociedades e, ao longo do tempo, elas se desenvolveram de modo excepcional em estrutura, objetivos e impactos.
Neste momento, estamos vivendo uma nova era, em que a inovação tecnológica e as mudanças nos cenários econômicos e demográficos da sociedade apontam para a necessidade dessas instituições redefinirem seus papéis. Simultaneamente a essa necessidade, as universidades, e particularmente as públicas, têm sofrido diversos ataques por parte de políticos e governos autocráticos, e ainda sofrem com um desinteresse crescente de estudantes pela formação universitária (tanto de graduação quanto de pós-graduação). Frente a tais desafios, como podem as universidades fortalecer sua relevância e se ajustarem às novas exigências sociais, tecnológicas e econômicas do momento?
Comecemos considerando que, para além de serem instituições de ensino e aprendizagem, as universidades são também importantes motores de pesquisa, inovação e desenvolvimento social. Em seu livro, “The Soul of a University: Why Excellence is not Enough”, Chris Brink oferece uma análise profunda de por que as universidades precisam ter um propósito social para além de desejarem a excelência acadêmica. O livro é baseado em duas perguntas transcendentes que devem informar o pensamento das instituições de ensino superior: “O que somos bons em fazer?” e “Para que somos bons?”. De fato, em um período em que a obsessão por rankings leva a uma competição desmedida entre universidades e em que a ampliação da já massiva desigualdade de renda dificulta a mobilidade social, o livro traz uma visão sobre como as universidades podem e devem enfrentar desafios sociais e se tornarem incubadoras de mudanças sociais positivas, bem como comunicar isso de forma mais eficaz.
As universidades devem abraçar a inovação, adaptar-se às novas realidades e preparar os estudantes para um mercado de trabalho em constante evolução
Seu principal insight é que as universidades precisam pensar em seu propósito, não apenas em termos do que são boas em fazer, mas para que são boas, enfrentando os desafios de seu contexto social juntamente com a busca da excelência em pesquisa e ensino. A academia tem a responsabilidade de contribuir significativamente para o bem-estar social, questionando e respondendo às necessidades emergentes da sociedade, que não são poucas nem simples. As universidades devem servir como bastiões do pensamento crítico, oferecendo um local para reflexão e debate sobre os principais problemas que cercam a humanidade e sua sobrevivência no planeta.
Um exemplo recente foi a pandemia de Covid-19, onde o papel fundamental das universidades ficou evidente na efetividade de sua resposta à crise, com pesquisa, ações solidárias, e comunicação dos diversos aspectos da pandemia. No entanto, assistimos com igual espanto ao crescimento da desinformação e do negacionismo científico, o que destaca ainda mais a importância de que instituições de ensino e pesquisa assumam um protagonismo entre as fontes confiáveis de informação. É preciso considerar também os impactos da pandemia no cenário da educação superior. Apesar de ainda não compreendermos por completo suas consequências nesse ambiente, notamos o quanto a pandemia intensificou o uso intensivo de tecnologias de comunicação e da internet, ampliando as possibilidades do ensino remoto, aliado a novas modalidades e metodologias de ensino e aprendizagem e a um impacto profundo nas possibilidades de internacionalização e mobilidade estudantil.
O ensino remoto e híbrido se consolidaram, oferecendo novas oportunidades e desafios para toda uma geração de estudantes que já nasceu na era digital, e com a qual ainda temos que entender a nos comunicar melhor. Além disso, a transição para o ensino híbrido e online colocou a questão da acessibilidade e da equidade no centro do debate, sublinhando a relevância de políticas inclusivas que garantam a todos os estudantes a oportunidade de participarem plenamente do processo educacional. Se a pandemia fez algo, foi acelerar o uso de tecnologias digitais, obrigando as instituições a repensarem sua estratégia pedagógica e, definitivamente, seus modelos de funcionamento. Ou seja, a adoção de tecnologias digitais foi forçada em todas as instituições, que obrigatoriamente repensaram suas estratégias pedagógicas, de governança, e de sustentabilidade financeira. Isso será ainda mais importante com o desenvolvimento da inteligência artificial, que já impacta a todos os setores, incluindo, claro, a educação superior.
É nesse cenário complexo de mudanças que a inovação se torna imprescindível para uma evolução saudável das universidades, e para sustentar (ou até aumentar) sua relevância. Para isso, devem se preparar para enfrentar diversos desafios e aproveitar as oportunidades que surgem. Isso inclui adaptar-se às mudanças demográficas, integrar novas tecnologias, e desenvolver modelos de negócios e governança sustentáveis que atendam às demandas educacionais e do mercado de trabalho. O processo de digitalização, globalização e a crescente demanda por aprendizado customizado ao longo da vida são algumas das macrotendências que, sem dúvida, afetarão o futuro da educação superior. Algumas das áreas onde inovações precisam ser implementadas, são:
- Acesso e sucesso: expandir o acesso à educação superior e garantir o sucesso dos estudantes é fundamental. Isso envolve a massificação do ensino, diversificação de programas, e o uso de tecnologia para apoiar o aprendizado. É fundamental ampliar de políticas inclusivas que promovam a igualdade de oportunidades para todas e todos as(os) estudantes, independentemente de suas cores, suas regiões, suas origens socioeconômicas, suas deficiências.
- Qualidade e relevância: a Educação Superior precisa focar no desenvolvimento de novas habilidades e competências dos estudantes, adaptando pedagogias e metodologias didáticas, e promovendo a extensão universitária e a ciência aberta. Os aspectos curriculares precisam considerar continuamente a relevância e garantir a configuração adequada das disciplinas às demandas do mercado de trabalho e às necessidades emergentes da sociedade.
- Financiamento: modelos sustentáveis de financiamento são cruciais para a viabilidade das universidades. Isso inclui o uso de recursos educacionais abertos e multimídia, bem como iniciativas de crowdfunding para pesquisa, e fundos patrimoniais (endowments), por exemplo. A diversificação e ampliação das fontes de financiamento pode incluir parcerias público-privadas e mais colaborações com o setor empresarial.
- Governança: transparência, compliance e comunicação são vitais. As universidades devem adotar inteligência de dados para melhorar a gestão e a tomada de decisões. É importante implementar sistemas de governança baseados em dados, que podem aumentar a eficiência operacional e a eficácia na alocação de recursos.
- Comunicação efetiva: a comunicação deve ser considerada uma missão fundamental para as universidades no século XXI. As instituições de educação superior (IES) devem colocar a comunicação (interna e externa) como prioridade, para mostrar melhor para a sociedade a sua grande importância, bem como combater as desordens de informação.
- Novas tecnologias como aliadas do ensino: a integração de tecnologias de inteligência artificial, realidade aumentada, ferramentas de interatividade remota, redes sociais, entre outros, nas salas de aula estão criando possibilidades para o aprendizado imersivo e interativo, bem como uma experiência individualizada para o estudante. As novas pedagogias enfatizam a aprendizagem personalizada, ativa, interativa, colaborativa e experimental. A educação deve se adaptar para fornecer formas variadas de aprendizado, seja por meio de aulas tradicionais, autoaprendizado ou aprendizagem colaborativa entre pares. A pedagogia ativa, que inclui metodologias como sala de aula invertida e aprendizagem baseada em projetos, tem mostrado resultados promissores em termos de engajamento e retenção de conhecimento. A IA, por exemplo, pode ser utilizada para personalizar o aprendizado, oferecendo recomendações de conteúdo baseadas no progresso e nas necessidades individuais dos estudantes. Além disso, ferramentas de IA podem automatizar tarefas administrativas, liberando tempo para que os educadores se concentrem em atividades de ensino e mentoria.
Devemos também ter em mente que estamos em uma era de profundas mudanças demográficas, com o envelhecimento da população e a diversificação dos perfis de estudantes, que exigem que as universidades adaptem seus programas e serviços para atender a uma gama mais ampla de necessidades. E se a globalização crescente e a mobilidade internacional de estudantes e acadêmicos oferecem oportunidades para a colaboração global, também exigem políticas que promovam a inclusão e a interculturalidade. Tudo isso precisa ocorrer num cenário de mudanças muito rápidas e com tecnologias emergentes que, quando bem aproveitadas, podem realmente melhorar a eficiência operacional e a qualidade do ensino, mas que também requerem investimentos significativos em infraestrutura e desenvolvimento de competências tecnológicas entre docentes e estudantes.
Em suma, o futuro da educação superior exige transformações profundas e contínuas. As universidades devem abraçar a inovação, adaptar-se às novas realidades e preparar os estudantes para um mercado de trabalho em constante evolução. A relevância das universidades dependerá de sua capacidade em se reinventar, em continuarem a contribuir de forma significativa para a sociedade, e em comunicarem efetivamente seu papel − absolutamente essencial – no mundo.
Saiba mais:
Marcelo Knobel Marcelo Knobel é físico e professor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp. Escreve sobre ciência, tecnologia, inovação e educação superior, e como impactam nosso cotidiano atual e o futuro
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