Coluna da Winnie Bueno: "Um arco-íris de esperança" — Gama Revista
COLUNA

Winnie Bueno

Um arco-íris de esperança

O início da campanha é um convite para que todos votemos em projetos e em corpos políticos que não sejam mais do mesmo

24 de Agosto de 2022

Eu sou uma pessoa que acompanha a política desde muito pequena. Minhas primeiras lembranças de fazer parte de uma campanha eleitoral são da década de 90, ainda menina, carregando nas costas uma bandeira muito maior do que eu e pedindo votos para minha mãe. Ou seja, eu comecei minha trajetória política a partir do afeto materno. Essa coisa de espaço seguro mobilizado pela relação mãe-filha, que transformava o que era vazio representativo em amor-resistência. Se minha mãe não saísse comigo e minha irmã a tiracolo para as agendas políticas que ela participava, ela não conseguiria dar conta de exercer seu direito à maternidade e seu direito a participar da política, portanto, lá íamos nós: minha mãe, eu e minha irmã, com nossas bandeiras para as ruas numa democracia recém reconstituída.

Colecionava adesivo de campanha como quem coleciona figurinha de álbum da Copa e gostava de assistir o horário eleitoral gratuito para depois procurar os rostos que eu via na televisão nas ruas. Fui uma criança radicalmente de esquerda, que sabia jingles, cores e números de candidaturas. Essa criança esquerdista foi uma adolescente engajada que entusiasmada fez seu primeiro título tão logo completou 16 anos. Encantada com a participação política, fui filiada em partido e por duas vezes candidata, estimulada sempre pela possibilidade de construir projetos coletivos.

Esse é o mais importante momento para ecoar as vozes dos que acreditam em justiça social e que querem ver um país sem fome, sem medo, com esperança

Apesar de tudo isso, essa é a eleição mais importante de que eu participo – uma em que não sou candidata e que não tenho mais laços políticos partidários orgânicos. Minha organicidade está toda mobilizada em algo que extrapola a política partidária: a construção de uma representação política que seja coerente com o que o Brasil efetivamente é; que represente os anseios e as necessidades de um país que tem uma dívida histórica com os povos indígenas, com a população negra e com a comunidade LGBTQIA+. E apesar da dura batalha que iremos enfrentar nos dias que seguem, tenho no coração a sensação de que esse é o mais importante momento para fazer ecoar as vozes dos que acreditam em justiça social e que querem ver um país sem fome, sem medo, com esperança. Um Brasil de esperança.

Esse Brasil de esperança só é possível com a presença da pluralidade que compõe o que o nosso país é. Pluralidade essa que hoje não está contemplada nas casas legislativas e no executivo brasileiro. No Rio Grande do Sul, estado onde eu vivo e que conta com uma população negra de aproximadamente 1,5 milhão de pessoas, dos 55 deputados estaduais da atual legislatura, apenas um se declara negro. Isso fala muito alto sobre racismo institucional, mesmo que este único seja aliado de tudo aquilo que é mortal para a população negra. É o único e ainda por cima um único que representa um projeto que é responsável pela política de morte, ódio e intolerância que destrói vidas negras. Um deputado que se autodeclara negro, para 54 deputados que são brancos, indepentemente dos projetos que representam. Ou seja, no fim das contas, independentemente do projeto, os corpos que representam são brancos e cisgêneros.

Obviamente que importa o programa e as pautas políticas que essas pessoas defendem em seus mandatos. Interessa que essas pessoas estejam comprometidas e alinhadas com os direitos das comunidades que elas representam, nos interessa a defesa da democracia, dos direitos humanos, da livre expressão sexual, de moradia digna, de saúde integral, de um programa mínimo de equidade. Mas o fato é que com ou sem programa progressista há uma hiper-representatividade branca, masculina e cisgênera na política. Essa hiper-representatividade é resultado da constância do que Cida Bento (sempre ela, porque muito bem ela explica) chama de pacto narcísico de branquitude. Um pacto que podemos começar a romper.

Se você ainda não sabe o que é pacto narcísico da branquitude eu recomendo que você procure as muitas entrevistas que a professora Cida Bento já concedeu ou compre o novo livro dela, uma versão condensada e atualizada de sua tese de doutorado. Tá na hora de você saber o que significa isso significa e como ele produz uma política mais opaca, sem pluralidade, cheia de pessoas muita parecidas, com trajetórias quase iguais e sobrenomes que se repetem. Você precisa entender o que o pacto narcísico da branquitude é e como você participa dele para entender também de que forma romper com isso.

O início dessa campanha eleitoral é um convite para que todos nós sejamos capazes de colocar nossa confiança política e nosso voto em projetos e em corpos políticos que não sejam mais do mesmo. Um convite para que a gente ouse fazer coisas diferentes. Quando você olha para a sua futura colinha eleitoral, quem são as pessoas que estão lá? Todas elas são pessoas brancas? Todas elas são homens? Todas elas são pessoas heterossexuais? Tem alguma pessoa negra ou indígena entre seus futuros candidatos? Alguma dessas pessoas é mulher? Por que não são? Você realmente acredita que nenhuma pessoa que não seja branca tenha aptidão para te representar no parlamento? Por que você acredita nisso? O que te levou a pensar dessa forma? A propósito, você já pensou por que durante tanto tempo você sempre votou em pessoas que são tão parecidas? Se você, como eu, foi uma criança que colecionava panfletos e adesivos como quem colecionava figurinhas de álbuns, por que suas figurinhas sempre são tão parecidas?

A mudança do nosso país depende que a gente mude a forma de pensamento e a nossa forma de agir

É porque, mesmo que você não perceba diretamente, você se acostumou a pensar os espaços da política como domínio da população branca. Todos nós nos acostumamos a pensar assim. Mas a gente pode começar a pensar diferente porque a mudança do nosso país depende que a gente mude a forma de pensamento e nossa forma de agir. Exige que a gente entenda que ganha muito a sociedade brasileira se a gente tem um novo paradigma para política, um que não se exclua a base da população; que permita que pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+ sejam vozes protagonistas do Brasil que a gente quer; um Brasil que não elimine pessoas pela sua condição de gênero, raça, classe, etnia e sexualidade. Um Brasil que respeite o que as populações indígenas compreendem enquanto território, que potencialize as lutas e a resistência, onde possamos nos ver e nos ouvir não como o único, mas como pluralidade política potente e transgressora.

Para ter um Brasil colorido de esperança precisamos de novos pactos. Vamos repactuar por um Brasil diferente?

Winnie Bueno Winnie Bueno é iyalorixá, pesquisadora e escritora daquelas que gostam muito de colocar em primeira pessoa sua visão do mundo e da sociedade. É criadora da Winnieteca, um projeto de distribuição de livros para pessoas negras

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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