Se organizar direitinho, todo mundo consegue trabalhar e transar
Ter uma rotina sexual (ainda que agendada), saber dividir a libido entre as diferentes esferas da vida e encontrar espaço para si são algumas das chaves para as portas do equilíbrio entre romance e trabalho
O escritório em casa, a casa no trabalho, o trabalho na cama, a cama vazia. Pois sexo e trabalho, duas esferas aparentemente tão distintas, estão mais conectados do que se pensa – positiva e negativamente, a depender das circunstâncias.
Carga excessiva de trabalho, home office, tripla jornada feminina, falta de comunicação entre parceiros e preconceito sobre incluir o sexo na rotina são alguns dos fatores que influenciam na relação entre vida laboral e sexual.
Falar do ato sexual saudável e como fonte de prazer é bastante recente, entretanto, e remete ao avanço do movimento feminista, em meados dos 1980, quando também atinge seu auge a participação da mulher no mercado de trabalho.
Assim, ainda são raras as pesquisas quantitativas sobre o tema. Não há nenhuma, por exemplo, que comprove que a diferença salarial entre parceiros seja fator determinante para esse equilíbrio. Por outro lado, estudos já mostram que o sexo influencia na produtividade dos trabalhadores, trazendo benefícios para mulheres e homens, e para as próprias organizações.
Segundo um estudo feito em conjunto por pesquisadores da Universidade Estadual de Oregon, Universidade de Washington e Universidade de Oregon, publicado no Journal of Management, os casais avaliados apresentaram melhor desempenho no trabalho em até um dia após o ato sexual, e demonstraram envolvimento e satisfação na execução das tarefas. O estudo também comprovou que problemas no trabalho e na família afetam diretamente o exercício da prática ao final da jornada diária dos mesmos trabalhadores.
Para entender melhor a relação entre sexo e trabalho, três mulheres especialistas da área trazem dicas aos leitores da Gama, mostrando que é possível ver uma luz de prazer no fim do túnel do dia de labuta.
1. Não se constranja em ter encontros marcados na agenda
“O sexo, quando vira obrigação, deixa de ser prazer”, diz Fernanda Robert, psicóloga clínica, sobre a ideia de incluir a prática na agenda. De acordo com ela, reservar dia e horário para estar a dois é fundamental para uma vida sexual saudável, sobretudo daqueles que vivem juntos e têm filhos. “Não precisa necessariamente que nesse dia você faça sexo. Pode ser para assistir um filme juntos, conversar sobre algo importante da relação, sobre uma viagem”, ela exemplifica.
Em resumo, um dia para lembrar que há vida sexual além do cotidiano enfadonho. Mas, para isso, é preciso desmistificar a ideia de que rotina é algo ruim e ligado exclusivamente a tarefas desassociadas de prazer. Ela explica: no começo da relação, tudo é novidade e os encontros são totalmente intencionais – seja para sexo, para jantar ou para conversar. Então por que, com o passar dos anos e a mudança das circunstâncias que envolvem a relação – dividir casa, dia a dia e filhos –, fica tão difícil retomar certos hábitos desse estágio inicial? “Você ‘ensinou’ que era intencional. Essa intenção do ato sexual também precisa continuar existindo“, complementa a psicóloga clínica.
Para Mariana Stock, fundadora da Prazerela, psicanalista e terapeuta orgástica, incluir o sexo em uma agenda que já rege a vida das pessoas nos dias atuais pode não ser de todo mal. O difícil, de acordo com ela, é manter o compromisso em dia. “Que essa agenda não caia na primeira tentativa de uma reunião do trabalho que apareça para esse mesmo horário”, ela fala. Para os casais que também trabalham juntos – como é o caso dela e do companheiro, Claudio Serva – é bom lembrar de deixar as discussões laborais fora dessa ocasião especial, como pontua Robert.
Para engrenar na rotina sexual, a dica é não ir com tanta sede ao pote. Segundo Robert, aumentar o número de situações de contato sexual é importante e melhora a vida conjugal, mas quantidade quase nunca significa qualidade. Vale se perguntar: “Vale a pena repetir esse sexo que você tem hoje?”
A psicóloga clínica sugere que, para aumentar a expectativa, vale enviar mensagens ao longo do dia. “Pode ser até um jogo ou uma brincadeira que você faça no WhatsApp, um ‘te espero em casa…’ Pode ser uma coisa descontraída. Precisa ter em mente que a hora marcada tem que ser olhada como uma coisa gostosa, não como um peso.”
2. Cave (nem que seja na unha) espaço para a sua individualidade
“O principal desafio é ter mais espaços de individualidade. E quando a gente mora e trabalha juntos e tem filhos, esses momentos têm que ser buscados com mais afinco”, afirma Stock. Além de incluir no calendário os momentos do casal, é preciso reservar um tempo para si também “porque o desejo sexual é movido pela falta“, como ela explica. “Criar espaços de novidade, de distanciamento, é algo bem importante na relação”, comenta a fundadora da Prazerela, iniciativa que tem a missão de apoiar mulheres na apropriação dos corpos por meio do prazer.
Melhorar a comunicação, abrindo o jogo sobre as reais necessidades de cada um dos indivíduos, para além das do casal, é a primeira chave para o “país das maravilhas” do prazer sexual e de uma vida conjugal satisfatória. “É comum que casais cheguem em descompasso na clínica. Mas, geralmente, o casal que se comunica bem tem uma vida mais satisfatória, pois fica menos espaço para dissonância”, comenta Robert.
Quando se fala de casal, vale lembrar que são três unidades envolvidas: cada um dos indivíduos e a conjugal
Ela recorda ainda que, quando se fala de casal, vale lembrar que são três unidades envolvidas: cada um dos indivíduos e a conjugal. O primeiro passo, segundo ela, é entender se a demanda é dos dois ou de cada pessoa, separadamente. Ao atender, na sua maioria, pacientes inseridos no mercado de trabalho, ela considera, sim, que a pandemia afetou a vida sexual das pessoas. Sobretudo dos casais com algum tipo de desalinho ou daqueles cuja dinâmica foi muito afetada.
Se alguns tiveram que conviver diariamente no home office, dividindo cama e escritório, outros enfrentaram todo o estresse da linha de frente no combate à covid, por exemplo. “Cada dinâmica laboral trouxe uma dificuldade para os casais”, ela diz e cita os casos de famílias que passaram a dividir a mesma casa por um tempo, com avós, pais e filhos todos reunidos no mesmo ambiente.
3. Não gaste toda a libido no trabalho
“É como se todo dia a gente acordasse e tivesse o tanque cheio de libido. Se a gente precisa usar muito da nossa libido no trabalho, é óbvio que não vai sobrar pra libido estar no corpo, na sexualidade”, esclarece Stock.
Curiosamente, estudos apontam que o sexo matinal pode ajudar no rendimento do dia de trabalho. Isso porque o ato sexual auxilia na liberação de hormônios como endorfinas e oxitocina, que melhoram o estado de ânimo, além de garantir efeitos psicoemocionais, já que a troca de “abraços e carinhos e beijinhos sem ter fim”, como diria Tom Jobim, melhora a autoestima das pessoas. Embora manter uma vida sexual de qualidade afete diretamente a produtividade no trabalho, a recíproca nem sempre é verdadeira.
Mulheres que estão batalhando para serem reconhecidas pagam um alto preço, que é se desconectar da visceralidade
“Quem trabalha muito, em geral, não transa muito”, fala Stock. É que na lógica capitalista atual nem sempre é fácil incluir o sexo no cronograma diário, sobretudo para o público feminino, que sofre mais exigências do mercado, em comparação aos homens, e muitas vezes conta com jornada tripla – trabalho, casa, filhos. “Boa parte das mulheres que buscam a Prazerela são muito mentais. São mulheres que estão batalhando para serem reconhecidas. Só que isso tem um alto preço, que é se desconectar da nossa visceralidade”, ela comenta.
Ter consciência de que o aspecto emocional e sexual precisa ser cultivado é importante. “A relação afetiva também dá trabalho, mas precisa ser, antes de tudo, lugar de aconchego”, coloca Ana Canosa, psicóloga clínica, terapeuta sexual e educadora em sexualidade.
4. Não deixe o esgotamento no trabalho chegar à cama (e vice-versa)
“Assim como o trabalho pode atravessar negativamente as relações, ele também pode ser fonte de prazer para compensar uma relação pouco satisfatória”, lança Canosa. Cuidado para não “mergulhar no trabalho para alimentar a vida”. O excesso de cansaço, insegurança e ansiedade ocasionados nesse cenário de dedicação extrema podem afetar ainda mais o lado afetivo.
Desse modo, não demora para o trabalho virar réu, sem que as pessoas se dêem conta de que o problema está nas relações que se mantêm com essa esfera da vida. Tome nota: quando se atinge um quadro de insatisfação profissional, em que falta propósito, reconhecimento e respaldo financeiro, e sobra alta carga de trabalho e uma interação pouco saudável com os colegas, o âmbito afetivo e sexual tem grandes chances de ficar comprometido.
A sexualidade não é uma dimensão separada de todas as outras da nossa existência
“A sexualidade não é uma dimensão separada de todas as outras da nossa existência”, recorda a profissional. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde ), inclusive, a saúde sexual é fundamental para a saúde e bem-estar geral das pessoas e das famílias, e para o desenvolvimento socioeconômico da sociedade.
Enxergar sexo e trabalho como áreas diferentes, mas cujas dinâmicas se tocam e influenciam mutuamente é imprescindível para manter relações nada abusivas com os dois. Antes de sair culpando o trabalho pelos problemas na cama – ou fugir de resolver as questões afetivas se afundando no escritório –, vale avaliar como anda o manejo das duas esferas.
É garantir que os problemas na cama não levem ao burnout, e que o esgotamento profissional não atinja ainda mais os afetos diários. Não desaparecendo os problemas, procurar uma terapia sexual ou orgástica pode ser a solução.