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Reportagem

Como dar liberdade aos adolescentes

Evitar reforçar estereótipos da adolescência, ouvir os filhos com atenção e conhecer o universo juvenil são algumas das dicas que especialistas dão para criar jovens mais livres

Ana Elisa Faria 18 de Junho de 2023

Como dar liberdade aos adolescentes

Evitar reforçar estereótipos da adolescência, ouvir os filhos com atenção e conhecer o universo juvenil são algumas das dicas que especialistas dão para criar jovens mais livres

Ana Elisa Faria 18 de Junho de 2023

A adolescência, famigerada fase de passagem da infância à vida adulta, de mudanças físicas e hormonais, testes de limites, construção da própria identidade, de tentativas de emancipação da família, de certa rebeldia e das horas trancadas no quarto ouvindo música enquanto conversa ou joga pela internet, causa pavor em muitos pais e cuidadores.

Diante desse cenário desafiador, como lidar com os jovens de maneira saudável, equilibrando a liberdade que a etapa pede com a autoridade necessária? Há um passo a passo que pode ajudar a chegar ao fim desse ciclo sem grandes traumas para ninguém.

“Primeiro, é preciso entender que o adolescente não é um bicho de sete cabeças”, diz Carolina Delboni, educadora e escritora, autora do livro “Desafios da Adolescência na Contemporaneidade” (Summus Editorial, 2023).

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Ela explica que, ao avistar a chegada desse período, os familiares se apavoram e saem repetindo estereótipos famosos da faixa etária que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), vai dos 10 aos 19 anos. “Os pais falam: ‘Ai, adolescente é mal-humorado, vai dar trabalho’. Isso na frente de quem vai passar por esse estágio. Ou seja, é colocada uma barreira. Então, como é que esse indivíduo se relaciona com uma pessoa que está toda hora trazendo pontos negativos sobre onde ele se encontra ou se encontrará em breve?”, questiona.

Delboni afirma que é essencial não iniciar esse ciclo com a relação já fragilizada. A liberdade, eterna busca juvenil, não vem sem a confiança mútua. Portanto, a dica aqui é evitar reforçar imagens reproduzidas pelo senso comum e se livrar de termos depreciativos como “aborrecência”.

Vera Iaconelli, psicanalista e diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, atenta para o fato de que até mesmo um relacionamento saudável com os filhos adolescentes não está isento de estresse e atritos.

Mas a especialista conta que para os pais estabelecerem um convívio menos sofrido com o jovem, é importante entender o que ele está passando, por meio do resgate do que foi a própria adolescência. “Com as devidas proporções, pois são pessoas e experiências diferentes, em épocas distintas e sob outras condições, mas que em comum há a busca por emancipação e autonomia. E essa é uma transição difícil para todos.”

De acordo com Hugo Monteiro Ferreira, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Cuidado Humano e do Grupo de Estudos de Transdisciplinaridade da Infância e da Juventude, é fundamental enxergar o adolescente como a pessoa que ele é hoje. Ferreira esclarece que na adolescência, por ser um momento de transição e estigmas, o jovem, muitas vezes, não é visto como está no presente, mas como quem foi no passado e como será no futuro.

“O adolescente é olhado como uma projeção da criança que foi e do que o adulto será. É como se ele vivesse numa suspensão. E esse olhar é injusto porque você deixa de perceber a subjetividade de uma pessoa naquele instante da vida, que é muito desafiador e complexo”, discorre o docente.

O adolescente é olhado como uma projeção da criança que foi e do que o adulto será

Por falar em infância versus adolescência, é substancial, para Carolina Delboni, que os pais cuidem dos jovens como fazem quando os pequenos se machucam. “A criança cai, se fere e, rapidamente, o adulto acode, faz um curativo, mas não faz isso com o adolescente, que também se machuca. Só que, geralmente, o machucado é interno, uma ferida sentimental. Então, temos de ter esse zelo porque os jovens precisam de cuidado e afeto, e os pais não podem ter medo de ajudá-los. O adolescente não é um bicho.”

Fala que eu te escuto

Estabelecida uma convivência empática com a adolescência dos filhos, os entrevistados ressaltam que a conversa, e a escuta atenta, são primordiais para que a relação familiar não seja rompida nessa fase. “Bato muito na tecla de que a gente deixa de escutar o próprio filho na adolescência”, enfatiza Delboni.

“Esse é um problema gigantesco porque conforme deixamos de escutar o outro, perdemos a capacidade de dialogar e, portanto, quebramos o vínculo com as pessoas. A consequência disso na adolescência é um afastamento entre pais e filhos.”

Iaconelli diz que pais e mães têm de compreender que os adolescentes precisam ter alguma privacidade, que é uma forma de liberdade também. Por isso, é indispensável saber que eles não vão compartilhar tudo com os progenitores.

A psicanalista frisa que existe, por parte dos pais, uma ansiedade em conversar com os adolescentes, em saber o que se passa na vida dos filhos, mas é crucial que, antes desse movimento, pai e mãe façam uma lição de casa. A tarefa é pensar se há, de fato, a disponibilidade de tempo para escutar e a energia obrigatória para entrar em determinados temas que esses papos possam envolver, como sexualidade, drogas e amizades.

“É preciso se perguntar: ‘Estou disposto a escutar meu filho e a ajudá-lo a se escutar?’. Caso não, talvez seja melhor endereçar essa conversa a outra pessoa, como o professor, o irmão, os avós e, no limite, o psicoterapeuta ou o psicanalista”, lista.

Ela reforça que, ao chamar o jovem à conversa, os pais têm de sustentar a decisão e, além disso, ajudar o filho a formular as próprias questões antes de elaborar respostas rápidas. Então, em vez de dar uma bronca ou interromper a fala com um julgamento, a sugestão é fazer comentários ou perguntas, do tipo: “Qual a sua opinião sobre o assunto?” e “Nossa, isso me fez pensar em tal coisa”.

Essa troca, para Iaconelli, vai resultar na construção de uma ponte que, mais tarde, leva à liberdade. “Esses diálogos que, dia a dia, vão acontecendo deixam todos na mesma página porque, às vezes, os pais estão achando que, por exemplo, o adolescente já tem uma sexualidade e ele nem deu um beijo na boca. O filho fica horrorizado com a expectativa e acha que tem que corresponder a ela. Para estar na mesma parte da história, os familiares devem se escutar cotidianamente.”

Carolina Delboni destaca que os jovens não falam apenas verbalmente. Eles contam coisas e se expressam pelo gestual, por meio de silêncios, da música que escutam, do seriado que veem. “Da mesma forma que a gente escuta ou faz uma leitura de escuta da criança pelos gestos, pelas brincadeiras e pela maneira como ela chora ou ri, temos que aprender a fazer o mesmo com o adolescente. Muitas vezes, ele vai dizer pelo corpo, pelo jeito como está deitado na cama, pelo tempo que fica no quarto, pelo tempo do silêncio”, elenca.

Universo teen

Aprender a valorizar o mundo teen é elementar para uma maior aproximação entre pais e filhos, além de aumentar a liberdade do jovem para a criação da própria identidade. Dessa maneira, ao invés de desvalorizar ou repelir o que vem do adolescente, a ideia é oferecer acolhimento e demonstrar interesse.

“O adolescente precisa se descolar dos pais para começar a formar a sua personalidade, a sua individualidade; entender o que pensa, o que gosta. Pai e mãe costumam ter dificuldade com essa ruptura porque, com ela, eles perdem algum controle desse filho e, de certa forma, perdem os sonhos que projetaram em cima do filho”, elucida Carolina Delboni.

Como ela explica, o adolescente precisa descobrir quem ele é, e faz isso a partir do desprendimento dos pais, buscando na sociedade e em outras relações o que o deixa feliz. Nesse contexto, o jovem leva para casa o que descobre fora e, assim, agrega ao próprio universo. “A música é um desses canais usados pelos adolescentes para se comunicar. E essa música – eles ouvem bastante funk, trap e rap –, comumente, não faz o estilo dos pais, que não vão gostar das letras, dos temas.”

Nessa situação, conforme aconselha a educadora, os pais não devem fazer caretas ou proferir discursos ideológicos. “Não diga nada e escute a música, acolha esse canal de comunicação que o adolescente trouxe para a família. Mesmo que você não goste, há outras formas de alimentar o adolescente com o que você julga ser melhor. Aos poucos, você consegue debater, dizer: ‘Putz, já prestou atenção na letra dessa música? A melodia é bacana, a batida é boa, mas a letra tem trechos problemáticos.’”

Em outra oportunidade, é a vez de os pais colocarem para tocar as suas canções favoritas, ação que também vai nutrir o adolescente com novas ideias, sem precisar dizer verbalmente que a música que ele gosta é ruim e aquela é que é boa.

Entra, o quarto é seu!

O quarto é o principal refúgio adolescente, é o cantinho onde o jovem se sente seguro, ouve música, conversa com os amigos pela internet, joga on-line. É o cômodo residencial em que ele passa a maior parte do dia. O livre acesso ao ambiente, com respeito, liberdade e privacidade, é outro meio de aproximação entre filho, filha, pai e mãe.

Caso o entra e sai do local não aconteça mais de forma natural, é necessário compreender quando aquela porta se fechou e o porquê. Depois, os pais vão adentrando o recinto aos poucos, chegando com uma comida gostosa, oferecendo companhia, compartilhando o videogame. Tudo para entrar e fazer parte desse outro universo juvenil.

Os pais, portanto, não podem ter receio de entrar no quarto das crias. “E os filhos têm que entender que o quarto está dentro de uma casa, onde moram outras pessoas. Existe o espaço do adolescente, privado, mas esse espaço também pode ser coletivo. É o lugar de contração dele, de ficar sozinho em alguns momentos, mas desde que seja uma relação saudável com esse ambiente”, diz Delboni.

Vera Iaconelli lembra que os pais são responsáveis pelos adolescentes e respondem por quaisquer atitudes erradas dos filhos. Por isso, pai e mãe têm de impor limites, como no tempo de uso do celular e no que acontece no lar. “A casa é o primeiro espaço comum de convivência, então, você tem que ceder algo para poder conviver. Assim, há limites nas áreas comuns, há limites até no que pode ou não ser feito no quarto. O quarto do adolescente não está em Marte.”

Colocar limites para os filhos, de acordo com Iaconelli, é dar realidade. “É um alarme para o mundo real para além do que os adolescentes desejam”, finaliza.

No entanto, se os filhos se trancam ali, não recebem colegas, não querem sair e nem deixam ninguém entrar, a situação passa a ser preocupante. No livro “A Geração do Quarto: Quando Crianças e Adolescentes nos Ensinam a Amar” (Record, 2022), Hugo Monteiro Ferreira disserta acerca de questões sobre a saúde mental e emocional dos adolescentes brasileiros, apresentando uma pesquisa que aponta para um quadro de intenso sofrimento dos jovens diante da realidade do país e das novas formas de socialização.

Ferreira observa que quando o quarto deixa de ser um local de isolamento salutar, “de esquecer um pouco as obrigações da escola, ouvir música, ficar longe dos familiares, e passa a ser um espaço de proteção das violências que adoeceram a saúde mental do adolescente, como o bullying e o cyberbullying, então essa geração do quarto está doente.”

Conforme indica Ferreira e já apontado pelas outras especialistas, ao invés de “querer arrancar o adolescente do quarto”, os pais devem entrar no cômodo e escutar os filhos. “É um passo necessário para começar a entender qual é a cultura do quarto, do isolamento, do sofrimento. Entendendo essa dinâmica, os pais precisam pedir ajuda de um profissional da saúde mental”, alerta.

Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós

Fortificada a relação com o adolescente, aberto os canais de fala e escuta entre pais e filhos, depois de conhecer e entender o universo teen e visitado o quarto do jovem, vamos falar mais especificamente dela, a tal liberdade, conquistada após esse ciclo.

“A primeira liberdade que os pais podem dar aos filhos é permitir que eles se expressem como são, é deixá-los confortáveis para serem o que escolheram. O princípio da liberdade entre pai e filho tem a ver com confiança, e a confiança é construída na medida em que o outro se sente à vontade para ser quem ele é diante da gente, porque sabe que não será condenado, julgado”, diz Hugo Monteiro Ferreira.

A liberdade, entretanto, deve ser dada desde que os pais tenham autoridade e exerçam os respectivos papéis, avisa Ferreira. “A autoridade estará atravessada pela atenção, pelo cuidado. Assim, o filho percebe a autoridade dos pais e vai entendendo os ‘nãos’. O ‘não’ pode ser um alerta, porém, os pais não podem dizer ‘não’ sem que a confiança, a amorosidade e a verdade estejam presentes.”

A psicanalista Vera Iaconelli comenta também que cada grupo familiar sabe o quanto de liberdade aguenta disponibilizar. “Tem pais que toleram certas coisas que outros não aguentam. Tem pais que deixam a filha levar o namorado para dormir em casa e pais que não. Cada família tem suas próprias regras. E é importante marcar quem são os responsáveis. Todo mundo vive ali, divide aquele espaço, faz parte daquela família, mas quem se responsabiliza por tudo são os pais. Isso tem que estar muito colocado.”