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ReportagemA onda do turismo em busca de silêncio
Após um longo período de confinamento e home office, viagens para regiões silenciosas e em contato com a natureza viram sonho de consumo para turistas
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A onda do turismo em busca de silêncio
Após um longo período de confinamento e home office, viagens para regiões silenciosas e em contato com a natureza viram sonho de consumo para turistas
Quando está viajando, o paulistano Diego Macedo, 37, busca a paz e a tranquilidade que é quase impossível encontrar no cotidiano estressante da maior cidade da América Latina. “No escritório, no meio da tarde, vejo o pôr do sol pela janela e bate aquela bad de estar ali no ar-condicionado, e não numa praia, floresta, no campo ou na montanha.” Nessas viagens, ele traduz o silêncio como a possibilidade de escutar sons da natureza hoje distantes de nós ou que a balbúrdia diária acaba abafando: pássaros cantando, o zumbir dos insetos, o vento que sopra os grãos de areia na praia ou o murmúrio das águas que rodam incessantemente por um calmo curso d’água.
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Mas lugares e ocasiões como esses, ele aponta, estão cada vez mais raros. “Brinco que, depois que inventaram essas caixinhas de som portáteis, ficou cada vez mais difícil. Se você está fazendo uma trilha, sempre tem alguém ouvindo uma música. É complicado se livrar da interferência”, afirma. Para contornar o problema, a solução para ele é buscar locais remotos, geralmente fora das rotas da maioria dos viajantes. No começo do ano, por exemplo, passou alguns dias embrenhado na selva amazônica, num hotel flutuante a horas de viagem de Manaus. “Só num lugar desses para você de fato estar isolado.” A jornada também trouxe uma experiência que nem sempre é possível em viagens com grandes companhias ou pacotes que acabam confinando o turista em resorts ou praias exclusivas: o contato próximo com os moradores da região e a comunidade local.
“Na Amazônia, conheci pessoas que nunca tinham saído da comunidade ribeirinha. O universo delas é aquela praia de rio, aquelas 15 casas e as 50 pessoas conhecem. São trocas muito instigantes, entender como elas vivem e como encaram o mundo de forma totalmente diferente da nossa.”
Mas Macedo também sabe que viagens assim podem cobrar um preço que poucos viajantes estão dispostos a pagar no aguardado período de férias, que muitos encaram como de descanso total. “Dificuldade de locomoção, estrada esburacada, falta de banheiro, alimentação restrita, insetos, vários dias sem tomar banho, excesso de areia e poeira… Esse tipo de viagem eu geralmente faço sozinho, porque precisa estar psicologicamente preparado.”
No hotel amazônico onde se hospedou, funcionários disseram que, antes da pandemia, a frequência de brasileiros por ali era bastante baixa: de 10% a 15% do total de hóspedes. O restante eram viajantes estrangeiros em busca de aventura, em sua maioria vindos da Europa. Só que essa realidade, diz o paulistano, já não é mais a mesma, seja pelo aumento das restrições de viagens ou por uma mudança mais profunda de comportamento. “Agora, nesse momento mais tranquilo da pandemia, com aeroportos abertos, os brasileiros passaram a ser 60% dos hóspedes.”
Ainda que esteja longe de ser uma regra para a maioria dos viajantes, a busca por destinos tranquilos, em contato com a natureza e, o mais importante, distantes de barulhos incômodos tem impulsionado o turismo para regiões de difícil acesso que costumam ficar fora dos guias de viagem tradicionais. Se a pandemia nos obrigou a fazer viagens para lugares mais isolados, o ecoturismo, com passeios para localidades como a própria Amazônia ou o Pantanal – hoje com o adicional do sucesso da novela – já vinha em tendência de alta.
Nesses lugares, há opções para todos os tipos de viajantes: desde resorts hiperluxuosos com infraestruturas enormes incrustadas no meio da natureza selvagem até alojamentos mais pé no chão ou mesmo ao relento, em que a principal atração é o contato com as belezas e a comunidade da região. No turismo de base comunitária, por exemplo, os moradores é que ajudam a organizar a estadia e prestam serviço aos visitantes, com benefícios à economia e cultura locais.
Silêncio terapêutico
A demanda por experiências mais calmas e silenciosas também tem feito aumentar a busca por retiros como o Nazaré Uniluz, que existe há 40 anos no município de Nazaré Paulista, no interior de São Paulo. Quem viaja para ali não está atrás necessariamente só de turismo, ao menos em seu sentido convencional, mas sim de uma jornada mais espiritual pelo crescimento da autoconsciência, guiada principalmente por um silêncio que é preservado diariamente no espaço.
“A missão da instituição é promover o autoconhecimento e a autotransformação na vida das pessoas. São cursos, programas e workshops nessa área, inclusive vários retiros de silêncio durante o ano”, explica o gestor administrativo da Uniluz David Silveira, 63. Em contato direto com a natureza da Mata Atlântica e às margens do rio Atibainha, o espaço se oferece como uma opção tanto para quem quer fugir do estresse e da correria urbanos e relaxar quanto para quem busca exercer alguma atividade solitária com mais tranquilidade, como escrever uma tese de doutorado ou um livro.
O silêncio é cheio de respostas. Quando você silencia a mente, percebe uma série de coisas que geralmente não nota
Mesmo durante a pandemia, quando o retiro ficou fechado para visitas por mais de um ano, a procura explodiu na Uniluz, conta Silveira. Por outro lado, também foi um desafio lidar com turistas que aproveitaram o isolamento para passar temporadas em fazendas nas proximidades. “Vejo que a pandemia foi um despertar para muita gente, mas o grosso da humanidade ainda vai na contramão. Muitos vieram para o campo, mas com todos os vícios da cidade, alto-falantes, trazendo muito barulho para a região.”
Um dos grandes princípios de funcionamento da Uniluz, o silêncio é visto como ferramenta essencial para o autoconhecimento e a prática da meditação. Dentro da propriedade, conta o gestor, ele começa às 15h, quando os voluntários e hóspedes silenciam todos os trabalhos para só tornar a falar após o desjejum do dia seguinte. Ao longo do dia, há também três meditações em completo silêncio, com duração de 20 minutos cada uma. “Não temos nenhum guia externo ou mantra, é o silêncio de acordo com as crenças individuais. Ele é a linguagem que une todo mundo”, afirma Silveira. “O silêncio é cheio de respostas. Quando você silencia a mente, percebe uma série de coisas que geralmente não nota.”
Já para quem procura uma experiência mais hardcore, há uma verdadeira injeção de silêncio e tranquilidade com um total de nove meses de duração. O programa é dividido em três módulos de três meses de imersão cada, com 15 dias entre um e outro. O período serve para os que querem trabalhar como voluntário na Uniluz ou simplesmente quem pretende fazer uma longa pausa para se desintoxicar de todo o barulho e agitação.
Ainda de acordo com Silveira, as pessoas não costumam encontrar grandes dificuldades para lidar com o ambiente profundamente silencioso que reina no retiro. “Eventualmente alguém estranha não ouvir barulho de carro na hora de dormir, mas depois passa a gostar bastante”, afirma. Ele conta inclusive sobre uma jovem advogada — “a agitação em pessoa”, diz o gestor — que chegou recentemente ao espaço para um retiro de três meses, mas que não quis nem desfazer as malas pois tinha certeza de que não aguentaria.
“Hoje encontrei ela no jardim, olhando a natureza em silêncio. Falou que não estava se reconhecendo, achou que nunca ia ser capaz de parar e ficar consigo mesma. Eu mesmo achei que não ia dar certo, mas já existia dentro dela algo dormente, aguardando.”
Longe do escritório
Segundo o psicólogo Fernando Brasil, especializado em questões ligadas ao turismo, hoje, após um longo período de isolamento, viajar vem funcionando de forma compensatória para a maioria das pessoas. “Dentro disso, existe um grupo que busca essa tranquilidade, paz e a coisa da energia verde para fugir do excesso de pressão profissional que veio com o home office.” Ou seja, como forma de deixar de lado as cobranças excessivas, as mensagens constantes até fora do expediente e os links para reuniões em cima da hora, que Brasil considera um dos grandes inimigos do profissional contemporâneo. “Já que vivo nesse barulho cibernético, busco um lugar onde o som seja de água, de pássaros e folhas caindo. Algo para confortar, repor a pilha.”
A prática já vinha se tornando normal até mesmo dentro do mercado de trabalho, com empresas promovendo dinâmicas e treinamentos comportamentais em meio à natureza. “Mas também tem um pouco de teatro aí. Se eu sou um péssimo chefe, vou continuar péssimo no meio das árvores. Ninguém volta mudado de um treinamento no meio da selva”, aponta o psicólogo.
Já que vivo nesse barulho cibernético, busco um lugar onde o som seja de água, de pássaros e folhas caindo
A experiência do silêncio e de um contato mais intenso com a natureza, porém, pode se tornar frustrante para quem não está preparado. “A pessoa vai para repor as energias, mas, quando chega, sente saudade da correria e não vê a hora de voltar. Ela não se sente envolvida por essa experiência verde, energética. Não é para ela, é uma pessoa de shopping, urbana”, diz Brasil. Muitas vezes, segundo o profissional, a culpa é a principal responsável. A culpa por estar relaxando em vez de fazendo algo que considera mais útil, como trabalhar, escrever ou fazer contatos. “Você não percebe que esse descanso é que vai te dar forças para continuar fazendo essas coisas quando voltar.”
O psicólogo também alerta para o risco de buscar viagens numa toada compensatória e acabar gastando mais do que planeja, especialmente num momento em que o mercado tenta recuperar as perdas de dois anos de pandemia atirando os preços lá no alto. “É como na hora do enterro, quando te vendem o caixão mais caro da loja, porque é a última coisa que você pode fazer por aquela pessoa. Pegam o pior momento para furar seu olho, porque você não quer se sentir culpado depois.”
Quanto vale a jornada
Aproveitando a demanda renovada durante a pandemia, Marcelo Cabral, guia e dono da Mamut Agency, agência turística especializada em viagens para a Chapada Diamantina, na Bahia, hoje tenta tirar o foco dos destinos mais conhecidos e requisitados da região, como o Morro do Pai Inácio e a Fazenda Pratinha, locais buscados por quem quer tirar aquela bela foto para o Instagram, e desmistificar pontos menos procurados, mas igualmente belos.
“Os atrativos não são só esses lugares Instagramáveis, sempre lotados e bem diferentes das fotos. Também temos várias experiências, a cultura local, culinária, arquitetura”, revela. Esses lugares, aliás, se tornaram bastante famosos ao longo do tempo e hoje são muito mais barulhentos e tumultuados do que destinos locais mais anônimos, como a Cachoeira do Sossego e o Parque da Muritiba.
Segundo o guia, quem costuma procurar passeios pela Chapada está em busca de férias calmas, mais intimistas e privativas. Só que, para poder desfrutar da região, a jornada não é tão pacífica e tranquila quanto se costuma imaginar. “É controverso, porque quem vem querendo conhecer tudo não descansa. Na verdade, cansa demais, é muita trilha e lugar para ver. As pessoas muitas vezes não têm noção disso.”
A pandemia, diz Cabral, fez crescer por ali um tipo de turismo mais aventureiro, de longas caminhadas, e com o respeito à comunidade local como diretriz — excluindo, portanto, turmas mais barulhentas que deixam um rastro de sujeira por onde passam. A demanda vem de turistas estrangeiros e brasileiros na faixa dos 35 aos 45 anos. Mas, conforme os efeitos pandêmicos vão ficando para trás, hábitos antigos também começam a voltar. “Vejo que as pessoas estão buscando o mesmo de antes, lugares bonito para tirar foto”, declara Cabral. “Queremos mostrar que a beleza, como tudo na vida, está no caminho. Não é na foto.”
Por sua vez, o viajante Diego Macedo conta que tenta fazer ao menos uma viagem grande por ano, daquelas de no mínimo 15 dias. Entre as experiências mais impactantes que teve, além da passagem pela Amazônia, estiveram uma viagem ao sul da Namíbia, região que tem uma das menores densidades demográficas do mundo, uma travessia introspectiva pelos Lençóis Maranhenses e a visão das Cataratas do Iguaçu, “onde você entende o clichê de ser só um grãozinho de areia no meio disso tudo”. “Acaba sendo uma terapia que me traz de volta ao eixo. Sempre que estou com um nível de estresse elevado, a vida corrida, a cabeça falhando de tanta coisa para pensar e fazer, dar uma respirada e estar em contato com a natureza de novo me faz muito bem.”
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