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Reportagem

Por que temos tanto medo de mudar?

Sentir uma certa ansiedade na hora de mudar os hábitos é normal; saiba o que fazer para não deixar esse medo te paralisar

Leonardo Neiva 13 de Abril de 2025

Por que temos tanto medo de mudar?

Leonardo Neiva 13 de Abril de 2025

Sentir uma certa ansiedade na hora de mudar os hábitos é normal; saiba o que fazer para não deixar esse medo te paralisar

A professora Eliane Greco, 36, finalmente tomou uma decisão: passaria a adotar um novo estilo de vida, frequentando a academia pelo menos três vezes por semana e se alimentando de forma mais saudável. Apesar de já saber há um tempo que vivia de forma mais sedentária, principalmente desde a pandemia, foi necessário um aviso médico para que optasse por modificar seus hábitos.

“Comecei a sentir dores nas pernas, e o ortopedista me alertou que era por causa da falta de exercícios”, lembra. Outro profissional já tinha avisado que, se continuasse daquela forma, poderia começar a desenvolver problemas de saúde. “Aquilo me deixou super preocupada, não imaginei que poderia me afetar desse jeito.”

Isso faz cerca de seis meses. Desde então, a rotina da professora do ensino básico mudou menos do que ela gostaria. “Eu tento andar de vez em quando e reduzi bastante aquela pizza de final de semana.” Mas a inscrição na academia segue sendo uma meta futura, as caminhadas acontecem de forma bastante irregular — “É quando dá, tem semana que não tenho tempo para nada” — e a alimentação ainda não chegou a um ponto ideal.

Greco conta que, no primeiro mês, quando mudou a rotina alimentar de maneira mais radical, percebeu uma mudança considerável. “Me sentia mais leve, mais disposta.” Hoje, porém, sente que as coisas já não avançam mais da mesma forma. “Ainda peço aquele delivery durante a semana, às vezes como alguma porcaria quando chego em casa, super cansada do trabalho.”

Assim como a professora, para muita gente é difícil empreender grandes mudanças na rotina, seja por questões de saúde ou mesmo com outros objetivos em vista: ser mais sociável, abandonar algum hábito negativo, como o uso excessivo das redes sociais, e até alavancar uma carreira profissional estagnada. As piadas constantes com as tais promessas de final de ano, quase sempre deixadas pelo caminho, provam que o assunto segue sempre em voga.

Será que o ser humano tem medo de mudar? Na verdade, o psicólogo Yuri Busin, doutor em neurociência cognitiva, descreve esse sentimento mais como uma ansiedade, mas que pode ser paralisante. “O medo vai fazer com que as nossas grandes mudanças de vida, como mudar de casa, fazer novas amizades e coisas do gênero, sejam muito difíceis, porque a gente não quer sair de uma zona que parece confortável”, explica. Além disso, boa parte das mudanças representa um gasto extra de energia sempre que você precisa aprender coisas novas, lidar com situações desconhecidas, e por aí vai. Uma energia que nosso cérebro está decidido a preservar a todo custo.

Por isso, muitas vezes ele acaba nos privando de coisas novas, agindo como um mecanismo de segurança. Mas então, é como dizia o músico britânico e ex-Velvet Underground John Cale, em uma de suas canções: “o medo é o melhor amigo do homem”? Nem sempre. “O medo é importante para a autopreservação. O problema é quando ele nos sabota, não nos deixa seguir em frente”, afirma Busin.

Prazer e perda

Greco diz que não sentiu exatamente medo de seguir em frente. Ela tem uma certa dificuldade de definir por que ainda não conseguiu mudar seus hábitos, mesmo sabendo da importância dessa transformação para sua vida. Conta que, nas primeiras semanas, estava empolgada e chegou a se exercitar todos os dias durante algum tempo. No entanto, começou a vacilar a partir de um período particularmente difícil no trabalho.

“Eu não tinha ânimo para sair e decidi que ia dar uma pausa por alguns dias”, lembra a professora. Depois disso, não conseguiu mais voltar a uma prática regular.

O fato de descendermos de animais, mas adicionarmos também à conta nossa capacidade racional, permite que, como seres humanos, tenhamos impulsos diferentes e até opostos: um em busca da estabilidade e outro mais flexível, que nos faz procurar mudanças. É o que aponta a psicóloga Flávia Feitosa Santana, doutora em psicologia social. “A racionalidade permite que a gente faça escolhas e não aja simplesmente de acordo com a nossa determinação genética”, afirma.

A psicóloga reforça que os hábitos são construídos ao longo do tempo, num processo que envolve tentativas, erros e acertos. E aí, “à medida que a gente age e vê que dá certo, desenvolve a manutenção desses comportamentos”, explica. É através da rotina e dos hábitos também que vamos criando habilidades e conhecimentos específicos.

Com o tempo, nosso cérebro passa a se fixar e manter comportamentos que consideramos positivos para nós — em muitos casos, porque geram prazer. Por isso, mesmo que alguns deixem de fazer sentido ou se mostrem até nocivos, fica um certo medo e desconforto quando tentamos rompê-los. “Se eu for pensar só no meu prazer imediato, posso comer um monte de coisas”, exemplifica Santana. “Mas também tenho que lidar com as consequências dos meus hábitos a longo prazo. Então em algum momento se torna necessário se conter em relação à alimentação.”

A psicóloga clínica Liane Dahás, doutora em teoria e pesquisa do comportamento, também adiciona a esse caldeirão, representado pelo receio da mudança, um medo enraizado em relação à perda. “Mais do que a vontade de ganhar, o medo de perder é maior. E toda mudança de hábito, de estilo de vida vai gerar outras mudanças”, diz a especialista. Quando uma pessoa decide parar de beber, por exemplo, talvez ela comece a sair menos com grupos de amigos com que antes costumava frequentar bares e festas. “Como fica a vida social dessa pessoa quando ela reduz o álcool? Muda muito.”

A solidão do corredor de longa distância

Uma das cenas mais citadas até hoje da série de animação “Bojack Horseman” (2014-2020) tem a ver com a dificuldade do personagem-título — um ator equino em decadência — de manter sua rotina diária de exercícios. “Todo dia fica um pouco mais fácil. Mas você precisa fazer todo dia, essa é a parte difícil”, é o conselho que ele recebe de um símio corredor.

Ainda que inspiradora, a frase é uma simplificação considerável, ao menos segundo Santana. Até pouco tempo atrás, o pensamento corrente era de que um período de 21 dias seria suficiente para criar um novo hábito. Hoje, acredita-se que esse prazo pode ser de até um ano. Para a psicóloga, a persistência é um passo importante, mas que necessita de outros fatores para funcionar. Muitas vezes, é crucial logo de início avaliar por que aquele hábito é tão importante para você.

“Nem sempre é só sobre o prazer imediato. Também pode estar associado a um trauma, porque na sua infância você não teve acesso àquilo ou seus pais eram extremamente controladores”, aponta a especialista. Nesses casos, é preciso entender as raízes do problema, definir o que pretende colocar em sua vida no lugar daquilo e encontrar formas de manter essa mudança ao longo do tempo. “Consciência, planejamento e determinação” são os três pilares essenciais aos quais a psicóloga resume esse processo.

Também vale lembrar que grandes transformações de vida costumam incluir cálculos bastante complexos e sofisticados, diz Santana. Se você faz algo por conta da sua saúde, isso significa antecipar as consequências de uma jornada que pode levar meses, anos ou até décadas para render frutos visíveis. Enquanto isso, o prazer imediato você é capaz de encontrar simplesmente virando a próxima esquina. “É preciso um esforço muito grande para conseguir antecipar consequências, sabendo que o impacto lá na frente vai ser mais importante do que a satisfação imediata”, diz a psicóloga.

Os especialistas consultados por Gama também apontam que esse delicado equilíbrio entre a busca pela estabilidade e pela mudança varia bastante de indivíduo para indivíduo. Além da individualidade, da criação e dos valores pessoais, também pesam na balança questões familiares e culturais — há culturas, por exemplo, mais conservadoras e que valorizam mais a estabilidade social e financeira do que outras.

Outro fator relevante não é exatamente uma surpresa: a idade. Pesquisas relacionadas ao envelhecimento mostram que, em média, costumamos nos tornar menos abertos e extrovertidos com a passagem do tempo. Outros estudos também apontam que idosos, de forma geral, tendem a ser mais conservadores, menos receptivos a novos conceitos e experiências — incluindo ouvir música — do que grupos mais jovens.

“Conforme a gente fica mais velho, vai ficando mais inflexível, mais rígido”, afirma Dahás. Ela lembra que, embora nem sempre nos demos conta disso, vamos fazendo escolhas que vão tendo consequências importantes ao longo da vida, que desembocam também na forma como vivemos a velhice. “Mas você sempre pode resolver fazer diferente seja aos 13, aos 40 ou aos 60 anos”, reforça.

Outra questão relevante é que “na juventude, o cérebro ainda está em formação, criando o nosso conjunto de hábitos”, como aponta a psicóloga Flávia Santana. Na verdade, o desenvolvimento neurológico e comportamental humano costuma se estender até os 24 anos de idade. “Então a gente tem mais flexibilidade na juventude, porque depois o condicionamento é muito maior, e aí é preciso mais esforço para alterar, porque o cérebro já não está mais em formação”, ela explica.

Na encruzilhada

O psicólogo e neurocientista Yuri Busin destaca a distância que existe entre entender racionalmente e emocionalmente a importância de mudar um hábito. Por isso, toda a parte educacional acaba sendo mais difícil e prolongada do que simplesmente tomar conhecimento dos efeitos positivos daquela adaptação. Se, no início, o comportamento não condiz com o seu pensamento — por exemplo, quero me alimentar de forma mais saudável, mas ainda assim me entupo diariamente de doces —, é preciso forçar essa forma de se comportar para adequá-la aos poucos, diz o psicólogo.

“Largar um vício, por exemplo, envolve aprender a falar não. Já se você quer começar a fazer exercício físico, é preciso entender quais são os seus motivadores. Eles podem ser de saúde ou estéticos mesmo”, aponta Busin. E acrescenta que, para que o processo avance, também é crucial desenvolver formas de encontrar prazer durante a jornada, não apenas ao seu final.

O ideal para vencer o medo e a paralisia que nos impedem de mudar é transformar esses objetivos em valores de vida, considera Dahás. É o que a psicóloga vem fazendo desde que criou um grupo com amigos em um app voltado para exercícios físicos. “Isso está atrelado com os nossos valores, ter uma comunidade dentro daquele aplicativo em que um valida e reforça o comportamento do outro.”

Uma das principais dificuldades de Eliane Greco para adotar uma nova rotina de exercícios foi conseguir aliar a prática ao seu cotidiano, dividido entre as duas escolas onde dá aula e o contato com o marido e a filha. “Parece que não cabia mais nada e nunca sinto que tenho tempo suficiente”, conta a professora. Mas ela promete que vai tentar com mais afinco. “A gente sempre sabe que precisa se planejar melhor, o difícil é fazer”, brinca.

Outros pontos essenciais para manter novos hábitos a longo prazo, na visão da especialista, são começar de forma gradual, inclusive no caso de mudanças mais profundas, e, principalmente, se monitorar com frequência. “Se eu não estiver monitorando o que eu estou fazendo, não vai rolar. Só que tem que ser um monitoramento gentil comigo mesma, não adianta se cobrar em excesso”, ela ressalta.

Outra dica é tentar manter práticas anteriores e conhecidas dentro dessas mudanças. Ou seja, se você gosta de dançar, correr ou comer um certo tipo de comida, vale inserir esses elementos ao longo da mudança para um estilo de vida mais saudável, em vez de saltar sem paraquedas rumo ao desconhecido.

A psicóloga também lembra que é natural e até inevitável se sentir assustado com grandes transformações de vida, como se mudar para outra cidade ou país. “Já tem uma mudança de escola, de trabalho, uma mudança social… Aumenta muito o risco de sentir ansiedade ou ter algum transtorno de adaptação”, reflete.

Se for uma mudança difícil para você, Dahás sugere tentar compreender e ir aceitando aos poucos a nova situação, o que deve gerar menos sofrimento pelo caminho. Ao contrário da tentativa bastante comum, especialmente nas redes sociais, de varrer esses sentimentos para debaixo do tapete. “Muita gente finge que a vida está ótima, que não pode reclamar de nada. E aí a pessoa vai se auto-invalidando de todas as tristezas ou perdas que ela teve.”

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