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ReportagemComo ter uma escuta ativa
No trabalho, na educação, na medicina: escutar atentamente e com interesse, e não simplesmente ouvir o que o outro diz, traz benefícios em diversas áreas da vida
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Como ter uma escuta ativa
No trabalho, na educação, na medicina: escutar atentamente e com interesse, e não simplesmente ouvir o que o outro diz, traz benefícios em diversas áreas da vida
Ouvir com atenção e interesse, com foco no interlocutor e dedicação ao que é falado, sem distrações com mensagens que pipocam a todo instante do WhatsApp, por exemplo, são os princípios básicos da escuta ativa.
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O psicólogo e professor de psicologia do trabalho da USP Sigmar Malvezzi resume: escutar ativamente é se colocar como um pesquisador. “É você pensar e se aprofundar sobre aquilo que o outro está falando, é tentar descobrir o que aquela pessoa precisa, de onde ela fala, é se manter ativo enquanto escuta”, esclarece.
Para entender como a escuta ativa é utilizada em diversas áreas e quais os benefícios de fazer uso dessa habilidade no dia a dia, Gama consultou especialistas em medicina, psicologia, educação e trabalho.
Escuta ativa = comunicação eficaz e sucesso na carreira
Escutar ativamente o que um chefe diz é essencial para bons resultados no trabalho, pode impedir mal-entendidos e até uma possível demissão. “A partir da escuta ativa, o colaborador obtém uma compreensão mais clara das informações que estão sendo transmitidas do que ele tem que fazer. Assim, a chance de retrabalho é bem menor, além de evitar interpretações errôneas”, explica Ingrid Gielow, fonoaudióloga, doutora em ciências dos distúrbios da comunicação humana, professora da FGV e CEO da ProBrain, startup que produz soluções tecnológicas para a escuta, a compreensão e a aprendizagem.
De acordo com Gielow, a escuta ativa está diretamente relacionada a uma comunicação eficaz. Como o cérebro trabalha por meio da reciprocidade, ao mostrar que você realmente está ali escutando, o outro devolve a atenção dispensada, demonstrando que ele valoriza você, e vice-versa, num ciclo de reconhecimento e atenção. “Esse exercício cria um ambiente de trabalho mais positivo, facilita a troca de ideias, o compartilhamento de informações e até mesmo o estabelecimento de relações mais saudáveis”, frisa.
A escuta ativa, para ela, é uma habilidade valiosa também para a resolução de problemas no ambiente profissional. A fonoaudióloga exemplifica que, ao escutar todos os pontos de vista e todas as perspectivas envolvidas em uma situação, o profissional pode obter insights adicionais, o que não acontece quando a pessoa só ouve o que é dito e, internamente, já começa a elaborar uma resposta antes mesmo que o colega conclua o pensamento.
A escuta ativa cria um ambiente de trabalho mais positivo, facilita a troca de ideias e até o estabelecimento de relações mais saudáveis
“Por isso, essa escuta ativa permite que o empregado faça conexões para soluções mais criativas e tomadas de decisões com um maior número de informações. Cada vez mais, recebemos a queixa de que as pessoas não nos escutam. Ou seja, antes de eu terminar de falar, a pessoa está pensando no que ela vai responder, no que ela vai dizer. E aí vem um ponto importantíssimo para uma liderança eficaz: os bons líderes são excelentes ouvintes”, assegura.
“Quando o líder realmente escuta, a comunicação no ambiente corporativo é eficaz, e os relacionamentos são saudáveis e respeitosos. Quando desenvolvemos essa habilidade, melhoramos a capacidade de trabalhar em equipe e promovemos uma colaboração ativa. Tudo isso acaba se refletindo no sucesso da carreira.”
Gielow ainda dá dicas de como escutar de maneira ativa no trabalho. A primeira coisa, conforme cita, é manter o foco apenas na pessoa que está falando. “Vivemos na era da divisão de atenção, de todo mundo querer ser multitarefa. Só que o cérebro continua prestando atenção em uma coisa de cada vez. Quando achamos que estamos atentos a duas coisas, na verdade, estamos alternando a nossa atenção entre essas duas coisas e, portanto, vamos perder partes de cada coisa. Entendendo que o cérebro só consegue acompanhar conscientemente uma informação por vez, mantenha o foco apenas na pessoa que está falando.”
Outro conselho é o olhar atento para o interlocutor. “A conexão entre as pessoas começa pelo olho no olho. Então, a minha escuta vai se iniciar pelo olhar com atenção para o outro”, destaca. E completa dizendo que por isso é importante, em reuniões virtuais, a câmera estar sempre ligada.
Confiança e empatia na sala de aula
A educação é outra área em que a escuta ativa é imprescindível, tanto para fortalecer a relação aluno-professor quanto para auxiliar o desenvolvimento do relacionamento entre os estudantes. “Mais do que uma técnica, é uma habilidade fundamental”, diz Cristina Nogueira Barelli, coordenadora do curso de pedagogia do Instituto Singularidades.
Desde a educação infantil até o ensino superior, segundo Barelli, o docente consegue implementar essa maneira de escutar ativamente a criança, o adolescente e o adulto, seja em momentos formalizados, como numa roda de conversa com a classe, ou em um simples bate-papo de poucos minutos em que o estudante ficou com uma dúvida e foi saná-la.
Rodas de conversa valorizam o diálogo e ajudam os alunos a se posicionar e também a escutar o outro
“As rodas de conversa valorizam o diálogo e ajudam os alunos a aprenderem a se posicionar e também a escutar o outro. É uma atividade com aspectos muito importantes para a aprendizagem, para a interação e para que o professor conheça melhor o estudante, identificando possíveis dificuldades e desafios”, explana.
Além disso, vivências que proporcionam uma escuta genuína aumentam o clima de confiança e empatia na sala de aula, favorecendo tanto a aprendizagem individual quanto a do grupo como um todo.
Barelli sinaliza que a escuta ativa deve fazer parte do planejamento docente, com perguntas sobre a opinião a respeito de determinado tema, questões sobre quais assuntos gostariam de discutir e compartilhamento de ideias. “Essas ações têm de estar no cotidiano educacional”, conclui.
O acolhimento e a escuta ativa na medicina
A cena descrita a seguir, infelizmente, é corriqueira: você marca horário com um médico, chega na hora, mas só é chamado para a consulta meia hora depois. Ao entrar na sala, o doutor mal olha para o seu rosto e parece nem escutar a queixa que o levou ali — na verdade, ele não escuta mesmo, apenas ouve, mecanicamente. Em seguida, um fármaco é prescrito ou exames são pedidos e tchau. Quando há a reciprocidade do tchau. Não existe humanidade no trato, mas não deveria acontecer.
Ricardo Monezi, especialista em fisiologia do comportamento pela Unifesp e professor, explica que, por séculos, a prioridade na área foi ouvir mais sobre a enfermidade da vez. “Era o que a gente chamava de medicina centrada na doença. Por centenas de anos o que imperou foi esse modelo cartesiano, reducionista, materialista e organicista. Antigamente, se ouvia simplesmente o eco do ser humano por trás de uma doença, priorizando a dor e os sintomas à escuta atenta e empática, principalmente a respeito de quem é a pessoa que está no consultório naquele momento”, diz.
Foi apenas a partir do meio para o final do século 20 que esse conceito começou a ser reformatado, e a saúde, vista como o equilíbrio das diversas partes que constituem o ser humano. “Ou seja, um ser dotado de questões e dimensões biológicas, com órgãos e sistemas, mas também com uma psiquê, com sensações, percepções, emoções e sentimentos que geram comportamentos que, muitas vezes, se refletem na biologia”, fala Monezi.
Ouvir é um ato mecânico, já escutar envolve uma ação empática, acolhedora e de cuidado
De acordo com o profissional, com a adoção desse modelo ampliado, a doença fica num segundo plano, e a medicina curativa dá espaço à medicina humanizada, que considera o meio social em que o indivíduo está inserido, que se preocupa com a prevenção de doenças e com a promoção da saúde. “Afinal, somos seres humanos, não seres doentes”, afirma. “Assim, iniciamos um movimento que começa no primeiro dia de aula nos cursos de medicina e que está, inclusive, nas Diretrizes Curriculares Nacionais.”
E a escuta ativa é uma das ações que levam à conduta médica mais compassiva. Para adotá-la, conforme fala Monezi, primeiramente é preciso entender que ouvir é um simples ato mecânico, já escutar envolve uma ação empática, acolhedora e de cuidado. “O acolhimento é o primeiro passo para a escuta ativa. Então, temos que saudar, fazer um contato visual com o paciente, empregar um toque afetivo, quando necessário, mas o fundamental é a demonstração da empatia por meio de gestos, palavras, perguntas feitas com interesse para entender qual é o momento de vida daquela pessoa, qual é a dor que ela está sentindo”, conta.
Além disso, após essa anamnese, é importante transmitir segurança ao paciente “para que ele saiba que não houve um mero processo mecânico de captação de sintomas anotados em um papel ou no computador, mas que o médico recebeu a mensagem de que há alguém passando por um momento de dor, de sofrimento, de angústia e que, sim, essa pessoa está sendo amparada por um humano que se profissionalizou dentro do cuidado”, reflete Monezi.
O acolhimento é o primeiro passo para a escuta ativa
É nesse processo que o médico constrói um laço com o paciente que, por sua vez, fica confiante para aderir ao tratamento prescrito e se sinta psicologicamente mais seguro, o que acarreta até na redução do estresse, estado emocional comum em períodos de tratamentos com idas frequentes a clínicas médicas e hospitais.
O professor comenta que essa escuta atenta ajuda a ampliar a capacidade de elaboração de diagnósticos mais acertados e assertivos. “A escuta ativa modifica a consulta e também transforma o médico. Ela faz com que o exercício da medicina se torne mais eficaz, eficiente, resolutivo e, principalmente, colabora para que a gente tenha profissionais cada vez mais humanos e menos robóticos.”
Por falar em robôs, Monezi relata que alguns alunos acreditam que com a explosão da inteligência artificial bastante gente vai perder trabalhos e funções, como os próprios médicos. Para ele, no entanto, ferramentas como o ChatGPT, por exemplo, dificilmente vão conseguir desenvolver uma escuta ativa com tanta empatia a ponto de substituir o ser humano e, sobretudo, a sua humanidade. “Mas eu digo aos estudantes que é uma escolha deles, continuar ouvindo e, ao ouvir, serem trocados por robôs ou optar por escutarem e, dessa forma, jamais serem substituídos porque máquinas não escutam”, finaliza.
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