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Reportagem

Como ter uma escuta ativa

No trabalho, na educação, na medicina: escutar atentamente e com interesse, e não simplesmente ouvir o que o outro diz, traz benefícios em diversas áreas da vida

Ana Elisa Faria 30 de Julho de 2023

Como ter uma escuta ativa

Ana Elisa Faria 30 de Julho de 2023
CC0 / Isabela Durão

No trabalho, na educação, na medicina: escutar atentamente e com interesse, e não simplesmente ouvir o que o outro diz, traz benefícios em diversas áreas da vida

Ouvir com atenção e interesse, com foco no interlocutor e dedicação ao que é falado, sem distrações com mensagens que pipocam a todo instante do WhatsApp, por exemplo, são os princípios básicos da escuta ativa.

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O psicólogo e professor de psicologia do trabalho da USP Sigmar Malvezzi resume: escutar ativamente é se colocar como um pesquisador. “É você pensar e se aprofundar sobre aquilo que o outro está falando, é tentar descobrir o que aquela pessoa precisa, de onde ela fala, é se manter ativo enquanto escuta”, esclarece.

Para entender como a escuta ativa é utilizada em diversas áreas e quais os benefícios de fazer uso dessa habilidade no dia a dia, Gama consultou especialistas em medicina, psicologia, educação e trabalho.

Escuta ativa = comunicação eficaz e sucesso na carreira

Escutar ativamente o que um chefe diz é essencial para bons resultados no trabalho, pode impedir mal-entendidos e até uma possível demissão. “A partir da escuta ativa, o colaborador obtém uma compreensão mais clara das informações que estão sendo transmitidas do que ele tem que fazer. Assim, a chance de retrabalho é bem menor, além de evitar interpretações errôneas”, explica Ingrid Gielow, fonoaudióloga, doutora em ciências dos distúrbios da comunicação humana, professora da FGV e CEO da ProBrain, startup que produz soluções tecnológicas para a escuta, a compreensão e a aprendizagem.

De acordo com Gielow, a escuta ativa está diretamente relacionada a uma comunicação eficaz. Como o cérebro trabalha por meio da reciprocidade, ao mostrar que você realmente está ali escutando, o outro devolve a atenção dispensada, demonstrando que ele valoriza você, e vice-versa, num ciclo de reconhecimento e atenção. “Esse exercício cria um ambiente de trabalho mais positivo, facilita a troca de ideias, o compartilhamento de informações e até mesmo o estabelecimento de relações mais saudáveis”, frisa.

A escuta ativa, para ela, é uma habilidade valiosa também para a resolução de problemas no ambiente profissional. A fonoaudióloga exemplifica que, ao escutar todos os pontos de vista e todas as perspectivas envolvidas em uma situação, o profissional pode obter insights adicionais, o que não acontece quando a pessoa só ouve o que é dito e, internamente, já começa a elaborar uma resposta antes mesmo que o colega conclua o pensamento.

A escuta ativa cria um ambiente de trabalho mais positivo, facilita a troca de ideias e até o estabelecimento de relações mais saudáveis

“Por isso, essa escuta ativa permite que o empregado faça conexões para soluções mais criativas e tomadas de decisões com um maior número de informações. Cada vez mais, recebemos a queixa de que as pessoas não nos escutam. Ou seja, antes de eu terminar de falar, a pessoa está pensando no que ela vai responder, no que ela vai dizer. E aí vem um ponto importantíssimo para uma liderança eficaz: os bons líderes são excelentes ouvintes”, assegura.

“Quando o líder realmente escuta, a comunicação no ambiente corporativo é eficaz, e os relacionamentos são saudáveis e respeitosos. Quando desenvolvemos essa habilidade, melhoramos a capacidade de trabalhar em equipe e promovemos uma colaboração ativa. Tudo isso acaba se refletindo no sucesso da carreira.”

Gielow ainda dá dicas de como escutar de maneira ativa no trabalho. A primeira coisa, conforme cita, é manter o foco apenas na pessoa que está falando. “Vivemos na era da divisão de atenção, de todo mundo querer ser multitarefa. Só que o cérebro continua prestando atenção em uma coisa de cada vez. Quando achamos que estamos atentos a duas coisas, na verdade, estamos alternando a nossa atenção entre essas duas coisas e, portanto, vamos perder partes de cada coisa. Entendendo que o cérebro só consegue acompanhar conscientemente uma informação por vez, mantenha o foco apenas na pessoa que está falando.”

Outro conselho é o olhar atento para o interlocutor. “A conexão entre as pessoas começa pelo olho no olho. Então, a minha escuta vai se iniciar pelo olhar com atenção para o outro”, destaca. E completa dizendo que por isso é importante, em reuniões virtuais, a câmera estar sempre ligada.

Confiança e empatia na sala de aula

A educação é outra área em que a escuta ativa é imprescindível, tanto para fortalecer a relação aluno-professor quanto para auxiliar o desenvolvimento do relacionamento entre os estudantes. “Mais do que uma técnica, é uma habilidade fundamental”, diz Cristina Nogueira Barelli, coordenadora do curso de pedagogia do Instituto Singularidades.

Desde a educação infantil até o ensino superior, segundo Barelli, o docente consegue implementar essa maneira de escutar ativamente a criança, o adolescente e o adulto, seja em momentos formalizados, como numa roda de conversa com a classe, ou em um simples bate-papo de poucos minutos em que o estudante ficou com uma dúvida e foi saná-la.

Rodas de conversa valorizam o diálogo e ajudam os alunos a se posicionar e também a escutar o outro

“As rodas de conversa valorizam o diálogo e ajudam os alunos a aprenderem a se posicionar e também a escutar o outro. É uma atividade com aspectos muito importantes para a aprendizagem, para a interação e para que o professor conheça melhor o estudante, identificando possíveis dificuldades e desafios”, explana.

Além disso, vivências que proporcionam uma escuta genuína aumentam o clima de confiança e empatia na sala de aula, favorecendo tanto a aprendizagem individual quanto a do grupo como um todo.

Barelli sinaliza que a escuta ativa deve fazer parte do planejamento docente, com perguntas sobre a opinião a respeito de determinado tema, questões sobre quais assuntos gostariam de discutir e compartilhamento de ideias. “Essas ações têm de estar no cotidiano educacional”, conclui.

O acolhimento e a escuta ativa na medicina

A cena descrita a seguir, infelizmente, é corriqueira: você marca horário com um médico, chega na hora, mas só é chamado para a consulta meia hora depois. Ao entrar na sala, o doutor mal olha para o seu rosto e parece nem escutar a queixa que o levou ali — na verdade, ele não escuta mesmo, apenas ouve, mecanicamente. Em seguida, um fármaco é prescrito ou exames são pedidos e tchau. Quando há a reciprocidade do tchau. Não existe humanidade no trato, mas não deveria acontecer.

Ricardo Monezi, especialista em fisiologia do comportamento pela Unifesp e professor, explica que, por séculos, a prioridade na área foi ouvir mais sobre a enfermidade da vez. “Era o que a gente chamava de medicina centrada na doença. Por centenas de anos o que imperou foi esse modelo cartesiano, reducionista, materialista e organicista. Antigamente, se ouvia simplesmente o eco do ser humano por trás de uma doença, priorizando a dor e os sintomas à escuta atenta e empática, principalmente a respeito de quem é a pessoa que está no consultório naquele momento”, diz.

Foi apenas a partir do meio para o final do século 20 que esse conceito começou a ser reformatado, e a saúde, vista como o equilíbrio das diversas partes que constituem o ser humano. “Ou seja, um ser dotado de questões e dimensões biológicas, com órgãos e sistemas, mas também com uma psiquê, com sensações, percepções, emoções e sentimentos que geram comportamentos que, muitas vezes, se refletem na biologia”, fala Monezi.

Ouvir é um ato mecânico, já escutar envolve uma ação empática, acolhedora e de cuidado

De acordo com o profissional, com a adoção desse modelo ampliado, a doença fica num segundo plano, e a medicina curativa dá espaço à medicina humanizada, que considera o meio social em que o indivíduo está inserido, que se preocupa com a prevenção de doenças e com a promoção da saúde. “Afinal, somos seres humanos, não seres doentes”, afirma. “Assim, iniciamos um movimento que começa no primeiro dia de aula nos cursos de medicina e que está, inclusive, nas Diretrizes Curriculares Nacionais.”

E a escuta ativa é uma das ações que levam à conduta médica mais compassiva. Para adotá-la, conforme fala Monezi, primeiramente é preciso entender que ouvir é um simples ato mecânico, já escutar envolve uma ação empática, acolhedora e de cuidado. “O acolhimento é o primeiro passo para a escuta ativa. Então, temos que saudar, fazer um contato visual com o paciente, empregar um toque afetivo, quando necessário, mas o fundamental é a demonstração da empatia por meio de gestos, palavras, perguntas feitas com interesse para entender qual é o momento de vida daquela pessoa, qual é a dor que ela está sentindo”, conta.

Além disso, após essa anamnese, é importante transmitir segurança ao paciente “para que ele saiba que não houve um mero processo mecânico de captação de sintomas anotados em um papel ou no computador, mas que o médico recebeu a mensagem de que há alguém passando por um momento de dor, de sofrimento, de angústia e que, sim, essa pessoa está sendo amparada por um humano que se profissionalizou dentro do cuidado”, reflete Monezi.

O acolhimento é o primeiro passo para a escuta ativa

É nesse processo que o médico constrói um laço com o paciente que, por sua vez, fica confiante para aderir ao tratamento prescrito e se sinta psicologicamente mais seguro, o que acarreta até na redução do estresse, estado emocional comum em períodos de tratamentos com idas frequentes a clínicas médicas e hospitais.

O professor comenta que essa escuta atenta ajuda a ampliar a capacidade de elaboração de diagnósticos mais acertados e assertivos. “A escuta ativa modifica a consulta e também transforma o médico. Ela faz com que o exercício da medicina se torne mais eficaz, eficiente, resolutivo e, principalmente, colabora para que a gente tenha profissionais cada vez mais humanos e menos robóticos.”

Por falar em robôs, Monezi relata que alguns alunos acreditam que com a explosão da inteligência artificial bastante gente vai perder trabalhos e funções, como os próprios médicos. Para ele, no entanto, ferramentas como o ChatGPT, por exemplo, dificilmente vão conseguir desenvolver uma escuta ativa com tanta empatia a ponto de substituir o ser humano e, sobretudo, a sua humanidade. “Mas eu digo aos estudantes que é uma escolha deles, continuar ouvindo e, ao ouvir, serem trocados por robôs ou optar por escutarem e, dessa forma, jamais serem substituídos porque máquinas não escutam”, finaliza.