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Mariana Simonetti

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Reportagem

Suor excessivo: como lidar

Incômodo mas essencial para o corpo humano, suor vai de sinônimo de esforço e sensualidade ao constrangimento quando em excesso

Leonardo Neiva 08 de Janeiro de 2023
Mariana Simonetti

Suor excessivo: como lidar

Incômodo mas essencial para o corpo humano, suor vai de sinônimo de esforço e sensualidade ao constrangimento quando em excesso

Leonardo Neiva 08 de Janeiro de 2023

Numa cena da comédia “Quero Ficar com Polly” (2004), o protagonista interpretado por Ben Stiller se horroriza ao ver um adversário numa partida de basquete tirar a camisa. Obcecado por germes e bactérias, ele evita a todo custo o corpo peludo e suado do companheiro. Quando pega a bola para si, procura secá-la discretamente no tecido da calça. Ainda assim, não consegue impedir que, durante uma jogada de contato físico, o peitoral úmido do adversário se esfregue por todo seu rosto.

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Usada aqui para efeito cômico, a aversão que muita gente tem ao suor alheio — e até ao próprio — muitas vezes esbarra no fato de que ele é parte inevitável e necessária do nosso cotidiano. Especialmente no auge do verão, com temperaturas batendo acima dos 30º C todos os dias, o suor é um mecanismo essencial para regular a temperatura do corpo. Quando suamos, o líquido reduz o calor da pele e faz o sangue resfriar. E um processo semelhante acontece quando as temperaturas aumentam em nosso interior.

O suor é parte inevitável e necessária do nosso cotidiano

“O suor existe para sinalizar questões internas e externas”, explica a dermatologista Marcia Senra. “Quando você tem um estado febril ou infeccioso, em que o calor do corpo sobe, o suor vem para equilibrar essa temperatura. É também um sinal de que algo está ocorrendo, uma maneira de prestar atenção no corpo.”

Apesar de ser um mecanismo essencial, o suor em excesso também causa embaraço social. Senra, que coordena o departamento de psicodermatologia da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia), aponta que a preocupação constante com a tradicional “pizza” debaixo dos braços ou aquele suor que marca a roupa pode influenciar até mesmo as escolhas estéticas de um indivíduo.

“Em vez de usar uma camiseta colorida, a pessoa escolhe um tom em que o suor não vai aparecer tanto. O sujeito cria uma série de mecanismos para se adaptar àquela situação, o que impede que ele relaxe”, afirma. O problema é que esse nervosismo e ansiedade constantes são condições psicológicas que podem até agravar o conflito, fazendo com que a pessoa sue mais. Mais ou menos como na exagerada cena do clássico “Apertem os Cintos… o Piloto Sumiu!” (1980) em que o protagonista precisa fazer um pouso de emergência — imagem já imortalizada pela internet numa série de memes.

(Des)gosto adquirido

“A gente se embala, se embora, se embola/ Só para na porta da igreja/ A gente se olha, se beija, se molha/ De chuva suor e cerveja.” O refrão da canção “Chuva, Suor e Cerveja”, de Caetano Veloso, fez sucesso no Carnaval de 1972 e lembra outros significados sociais emblemáticos e mais positivos do suor: diversão, espontaneidade e sensualidade.

Quem evoca a música é o médico neurologista Luciano Melo para ilustrar as muitas contradições embutidas nesse assunto. “Ter nojo ou não do suor depende do olhar de cada um”, resume.

Verão, praia, prática de exercícios físicos, competições esportivas, trabalho e esforço. Todas essas são situações e atividades muito bem-vindas na sociedade e podem ser muito bem representadas pelo suor que escorre do corpo. “Somos cheios de contradições, tudo depende do contexto”, aponta o neurologista. “Embora o suor simbolize o esforço, ele não é bem aceito numa reunião de trabalho formal, em que está todo mundo com roupa social. Se alguém suar um pouco mais e gerar um odor desagradável, fica fora do contexto.”

Melo esclarece que o nojo não é um sentimento animal, e sim humano. Portanto, costuma ser ensinado na convivência em sociedade. “Crianças às vezes brincam com coisas das quais lá para frente vão ter nojo, porque vão aprendendo o que é nojento e o que não é.” O sentimento, inclusive, pode gerar integração social quando indivíduos enojados de algo, como uma barata, se aproximam a partir dessa emoção compartilhada.

Ter nojo ou não do suor depende do olhar de cada um

O nojo, segundo o médico, chega a ter vantagens evolutivas, como quando um odor ou aparência ruim nos impede de ingerir um alimento estragado ou nos afasta de ambientes sujos, que podem gerar contaminação e doenças. Especificamente em relação à aversão de fluidos corporais, uma possibilidade é que ela tenha surgido naturalmente porque essas secreções poderiam atrair pragas e doenças.

“Provavelmente esse nojo foi construído em algum momento de constituição da sociedade, em que o suor passou a ser considerado sujeira e falta de saúde”, diz o especialista. “A degradação do suor cheira mal, trazendo a ideia de algo que é podre e estragado, o contrário da limpeza.” Mas esse sentimento varia de acordo com a cultura, reforça Melo. Entre os esquimós, por exemplo, a urina que tanto desprezamos era usada para curtir peles e até limpar os cabelos.

O neurologista lembra também de uma corrente antropológica que prega que tudo que nos lembra que somos animais vulneráveis e passageiros desperta nojo, o que inclui nossos fluidos. “Tentamos esconder com perfumes e roupas, essas construções que criamos, tudo que recorda nossa natureza biológica, tudo que uma hora apodrece.”

Tudo acaba em pizza

O auxiliar técnico Maurício Santana, 37, conta que já deixou de ir a eventos sociais e encontros de amigos devido ao suor. “O pessoal não costumava falar nada, mas eu via que ficavam olhando, então não me sentia à vontade.” Diagnosticado com hiperidrose — distúrbio que gera suor em excesso até em situações de repouso –, o paulistano tinha tendência a ficar com as axilas úmidas muito facilmente. “E, depois que começava, não parava mais.”

Em dias de calor ou nos meses de verão, ele penava para escolher as roupas mais adequadas. Embora tivessem a vantagem de esconder as “pizzas” com mais eficiência, camisetas pretas também deixavam seu corpo mais quente e faziam com que transpirasse ainda mais. “Mas acabava ficando com as mais escuras mesmo, porque já ia suar muito de qualquer maneira.”

Tentamos esconder com perfumes e roupas tudo que recorda nossa natureza biológica”

De acordo com a dermatologista Marcia Senra, a hiperidrose pode surgir por uma questão genética, mas também é afetada por fatores psicológicos e emocionais. “Pode piorar quando a pessoa vai a uma festa, caso tenha alguma fobia social, ou se for fazer uma tarefa que gere medo e ansiedade.” A especialista indica que outras emoções, como a raiva, também estão ligadas ao suor excessivo.

O que acontece em algumas dessas situações, diz Senra, é que o córtex, região do cérebro que coordena funções motoras e sensoriais, reconhece um perigo e entra em estado de alerta. Como as glândulas responsáveis pelo suor estão ligadas ao sistema nervoso, isso pode disparar uma reação que libera a substância, mesmo quando nosso corpo não está sob altas temperaturas.

As pessoas costumam suar com mais frequência nas axilas, no peitoral e nos genitais, diz a dermatologista. Mas expelimos suor em quantidades e regiões diferentes, o que varia de acordo com cada organismo. Como exemplo, a especialista evoca um colega do colégio cujas mãos ficavam úmidas assim que começava a fazer uma prova. “Ele passava a mão na calça o tempo inteiro. Mas, quanto mais enxugava, mais suava”, lembra. “A pessoa sente que está passando vexame e pode até acabar sendo motivo de bullying.”

Prateleira de soluções

“Sempre nos dizem que o perfume tem um efeito erótico naqueles ao nosso redor. Mas por que não usar nosso perfume que é muito mais poderoso?”, questiona a protagonista de “Zonas Úmidas” (Objetiva, 2009), best-seller de Charlotte Roche. “A maioria das pessoas está simplesmente alienada de seu corpo e treinada para pensar que qualquer coisa natural fede e tudo que é artificial cheira bem.” Ao narrar a história de uma jovem que aprecia ao máximo seus próprios odores corporais, causou desconforto com uma crítica à busca incessante por limpeza e por esconder nossos aspectos naturais.

É essa procura que gera uma variedade tão grande de produtos de higiene para o corpo, entre eles uma infinidade de desodorantes e antitranspirantes à disposição no mercado. Em meio à onda natural e ecologicamente correta, porém, a questão do suor também acabou entrando na roda. Para preservar uma função tão necessária ao corpo, consumidores e empresas têm investido em produtos que não inibem a transpiração e protegem apenas contra os maus odores.

No dia a dia, desaconselho o uso de antitranspirantes, pois suar é uma função básica exercida pela pele

“No dia a dia, desaconselho o uso de antitranspirantes, pois suar é uma função básica exercida pela pele”, diz a dermatologista Patrícia Silveira, hoje à frente do perfil DermaGreen, onde defende e promove o uso de cosméticos naturais. “O odor do suor depende de vários fatores, como o tecido da roupa, a nutrição, o grau de hidratação do corpo e o equilíbrio da microbiota da pele. É um marcador de saúde e equilíbrio do corpo.” Por isso, Silveira costuma indicar desodorante que contenham probióticos, que ajudariam a manter esse equilíbrio.

Em vez de simplesmente mascarar os odores da transpiração, a especialista também sugere rever hábitos diários, como a alimentação, a rotina de sono e os níveis de hidratação do corpo. “A busca pela saúde é sempre uma opção melhor do que usar artifícios que camuflem um sintoma.”

Secando tudo

Uma pesquisa de 2021 da empresa Procter & Gamble aponta que a limpeza corporal é uma questão ainda mais importante para os brasileiros do que no resto do mundo. Além de nossa média de banhos estar muito acima dos níveis globais — tomamos nada menos que 8,5 duchas por semana –, o brasileiro também costuma recorrer ao desodorante duas vezes por dia. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse índice é de 1,2 usos diários.

Segundo o neurologista Luciano Melo, pesquisas já indicam que a covid-19 e o longo período de isolamento também podem ter intensificado a preocupação com a higiene corporal — tanto a nossa quanto a dos outros. “Um aperto de mão, um abraço, uma aproximação viraram ocasiões de contaminação. Isso fez crescer nossos gatilhos de nojo e as consequências que isso provoca.”

A pandemia fez crescer nossos gatilhos de nojo

Em relação aos que sofrem com o excesso de transpiração, para a dermatologista Marcia Senra, o melhor é ser o mais honesto possível com os outros em situações constrangedoras. “Quanto mais você esconde um problema, mais ele aumenta.” Para lidar com a questão, ela recomenda desde uma psicoterapia para entender o que dispara essa reação até o uso de inibidores de suor — que podem ter efeitos colaterais, como secar até mesmo nosso estoque de lágrimas.

Além disso, hoje também existe uma alternativa mais duradoura: a aplicação de Botox. O procedimento, que pode ser realizado nas mãos ou axilas, usa a toxina botulínica para bloquear os neurotransmissores que geram a secreção naquela região. Em geral, o efeito pode durar até um ano. “Mas tenho pacientes que fizeram duas ou três vezes e perceberam uma diminuição permanente do suor”, diz Senra.

Foi por meio desse procedimento que Maurício Santana finalmente controlou a transpiração nas axilas. “Doeu muito, mas valeu a pena”, afirma o auxiliar técnico, que diz estar há três meses sem suar em excesso. A dermatologista também acabou realizando o mesmo procedimento em seu ex-colega de escola, que hoje consegue manter as mãos livres do suor. “É algo que traz alívio. Para quem sofre com o problema, se ver com a mão seca pela primeira vez é um verdadeiro espetáculo.”