O biquíni brasileiro aumentou?
Peça mais icônica da moda praia nacional, o biquíni vem passando por mudanças de tamanho e de proposta nos últimos verões
Pode ser que o famoso biquíni de bolinha amarelinha tão pequenininho, que mal cabia na Ana Maria, não esteja mais tão pequeno. Eternizada na voz de Celly Campello e pela banda Blitz, a música é a cara dos trajes que costumavam brilhar nas areias brasileiras em outros verões. Modelos ínfimos, com grande parte da pele à mostra – principalmente o bumbum – e com uma diferença gritante quando olhamos para o beachwear europeu e norte-americano. Mas nos últimos verões parece que as marcas, e as clientes brasileiras, estejam optando por peças maiores.
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O biquíni como conhecemos hoje, acredite se quiser, não é uma invenção brasileira. Nos anos de 1930 e 40, mostrar o umbigo era uma atitude indecorosa, como explica o professor e membro da Academia Brasileira da Moda, João Braga. Mas o costureiro francês Jacques Heim não quis saber: recortou o maiô em duas partes e deu o nome de átomo, na sua língua. Ou seja, um traje indivisível — como se o biquíni, agora composto de busto e calcinha, não pudesse ser mais dividido.
A ideia que parecia (e realmente era) genial não alcançou seu maior sucesso nas mãos de Heim. Foi com o também francês Louis Réard, um designer, responsável por diminuir o tamanho das peças, que o biquíni ganhou fama internacional e chegou a terras tropicais. De tão bombástica que foi a notícia de seu lançamento, em 1946, Réard o batizou de biquíni por conta dos bombardeios que aconteciam em Atol de Bikini na época. E a estratégia de marketing funcionou.
Chegou o momento de dar boas-vindas a uma nova era do biquíni brasileiro
Desde então, o biquíni passou por altos e baixos. Chegou a ser proibido na Espanha e na Itália por um período, e Réard, seu inventor, precisou contratar uma stripper para desfilar com o modelo que desenhou em uma piscina popular em Paris. Daí foi só ladeira acima: Brigitte Bardot, Marilyn Monroe e até a personagem de Ursula Andress, em “007 Contra o Satânico Dr. No” (1962), usaram a invenção bombástica, o que gradativamente popularizou o uso desse traje de banho.
Ursula Andress, em “007 Contra o Satânico Dr. No” (1962) Reprodução
Mas foi em solo brasileiro que o biquíni encontrou seu lugar. De Leila Diniz a Anitta, com sua marquinha de fita no clipe de “Vai Malandra” (2017), passando por Fernando Gabeira, Gisele Bundchen, Gal Costa e Ney Matogrosso, essa peça essencial da moda praia fez do Brasil seu território de mais famoso uso. Sempre com tangas, cortininhas, fio dental e outros modelos tão pequenos quanto o de bolinha amarelinha. Porém, parece que, depois de alguns anos, chegou o momento de dar boas-vindas a uma nova era do biquíni brasileiro.
Nudez indígena, pudor europeu
Antes de qualquer traje de banho, cultivamos uma cultura de praia: D. João VI, orientado por médicos, tinha que ficar do pescoço para baixo submerso na água do mar, dentro de uma caixa de madeira, na tentativa de curar doenças de pele com a mistura de sol e sal. “O sucesso do tratamento gerou todo um fenômeno entre os integrantes da corte, que passaram a seguir o hábito de D. João”, explica a doutora em design e especialista em cultura de praia, Janara Morenna. “Na época, ainda não existia biquíni, e as mulheres tinham que usar diferentes volumes de roupa, uma em cima da outra, pois não podiam expor e marcar suas silhuetas.”
A relação com o corpo muda de acordo com o lugar onde você está
Com o tempo, a praia passou de um lugar de saúde para um espaço de informalidades, “de distração, de relaxamento e até de socialização, e por isso, entre outros motivos, os tecidos para cobrir o corpo foram diminuindo”, aponta Morenna. A partir daí, foi se criando um imaginário ao redor do Brasil, e principalmente do Rio de Janeiro, onde a Corte estava instalada, de ser um povo da praia, do sol, da areia. E foi justamente isso que consolidou o país como o ditador de referências de moda praia.
Ao que parece, o biquíni aqui foi resultado de uma mistura de heranças. Primeiro, do uluri, como conta Carolina Casarin, doutora em artes visuais, professora e figurinista. “Era uma peça mínima, usada por alguns povos indígenas, que ficava na frente do corpo, como uma tanga, que amarra na cintura. A ideia não era cobrir, e sim proteger.” Gal Costa, em seu álbum “Índia” (1973), dava uma ideia do que poderia ser o uluri.
Capa do album “Índia” de Gal Costa Divulgação
A verdade é que as brasileiras criaram uma relação muito única com seus trajes de banho. A valorização do bumbum é uma característica nacional, muito diferente do que vemos em povos nórdicos e anglo-saxões, por exemplo. “Mesmo o maior biquíni brasileiro não vai ter a mesma modelagem, maior na parte de trás, como fazem as europeias e norte-americanas”, afirma Casarin. Parte dessa distinção, deve-se ao clima, claro, e também ao tipo de corpo de cada população. “A estrutura corpórea da brasileira é mais torneada, quadril mais evidente. Uma inglesa e uma dinamarquesa, por outro lado, são mais altas, com menos quadril. Francesas são menores e norte-americanas, com um corpo mais farto”, aponta Braga. “Tudo isso influencia no biquíni.”
Cada vez mais a moda praia se preocupa em fazer com que o biquíni seja uma peça para ser usada na continuação da praia
O clima tropical é outro fator importante para o tamanho do biquíni aqui. João Braga fala do excesso de águas, seja pelo litoral gigante e pela quantidade de rios, além do calor e das chuvas constantes, como um dos motivos para a adoção do modelo pequeno. “A relação com o corpo muda de acordo com o lugar onde você está. Pode não ter sido uma invenção brasileira, mas o biquíni teve uma aceitação muito grande por aqui.”
A herança indígena por um lado – mas o pudor europeu do outro. Braga explica que nossa relação com a nudez foi herdada dos nativos, mas o pudor e a vergonha chegam por meio da religião, especialmente a cultura judaica-cristã, que veio junto com a colonização portuguesa. E relembra uma passagem da Gênesis: “Abriram os olhos e viram que estavam nus. Sentiram vergonha […].”
Moda é mudança
Foi a frase que João Braga usou para explicar como, em parte, funcionam as tendências das passarelas. “Vai mudar com regularidade. Seja moda praia, urbana, o que for. Se hoje é curto, amanhã será longo. Se hoje é estampado, amanhã será liso. Nega-se o que está em vigência para lançar uma nova proposta.” Por isso, depois de uma era de fio dental, biquíni de fita e cortininha, abram alas para a hot pant, meia taça, maiôs recortados e outros.
A jornalista de moda da Elle, Giuliana Mesquita, vê com bons olhos a diversificação dos modelos. Para ela, não haverá uma extinção dos biquínis pequenos e que mostram boa parte da pele, apenas iremos incorporar outros na moda praia. “Antes, era mais simples. Agora, muitas marcas estão explorando novas silhuetas que a brasileira também passou a apreciar”, e cita as marcas Leni e Cosmo, que inovaram em partes de cima do biquíni com mangas e maiôs diversos.
Mesquita acredita que o caráter sensual da praia é inerente ao Brasil, mas ainda assim a produção nacional conseguiu incorporar modelos que cobrem mais o corpo de uma maneira singular. “São biquínis maiores, mas não menos inventivos. Pode não mostrar a barriga, mas o top é recortado. Ou mostra a parte de baixo do peito, por exemplo. Por mais que não seja um cortininha, como era antigamente, eles mostram bastante pele mas de uma maneira diferente. Temos muita coisa nova no beachwear.”
A busca por conforto e a abrangência de corpos diversos na moda praia faz parte desse pacote de novidades. A jornalista entende como uma das consequências do body positive — movimento de valorização dos diferentes corpos –, e que não se trata de uma mudança à toa. “O Brasil é um dos grandes pioneiros em fazer biquíni que todo mundo se sinta bem. Além das clássicas Salinas, Água de Coco e outras que já dominaram o mercado, temos opções para todo mundo porque há marcas pequenas fazendo beachwear também.”
Peças curinga e uma pequena revolução
Se antes as mulheres saíam de casa para ocasiões muito bem marcadas – a um jantar, a igreja, a casa de uma amiga –, a libertação do sexo feminino e sua conquista do lado de fora do lar trouxe mudanças para a alta costura, que pensava em looks para uma ocasião específica. “Isso muda com a mulher moderna, que precisa sair para trabalhar, depois marcou de ir ao bar com uns amigos, e antes quer dar uma passada na praia. A roupa precisa servir para tudo isso”, afirma Carolina Casarin. “Acho que cada vez mais a moda praia se preocupa com isso, e faz com que o biquíni possa ser uma peça de roupa para ser usada na continuação da praia.”
Novamente, a mudança em curso tem muito a ver com conforto: é muito mais confortável ir a um almoço, por exemplo, vestindo a parte de cima de um biquíni que seja no estilo faixa, uma espécie de top, do que no estilo cortininha.Com uma camisa jogada por cima, então, um novo look está montado.
O Brasil é um dos grandes pioneiros em fazer biquíni que todo mundo se sinta bem
Giuliana Mesquita vê, além dos recortes diferentes e modelos inventivos, tendências de outros universos sendo apropriadas pela moda praia neste próximo verão. “Biquínis canelados, estampas que não eram usualmente do beachwear, como preto e branco, quadriculado e outros modelos mais urbanos, agora aparecem na praia.” Ela comenta também do retorno do asa-delta, mais alto e cavado, e a popularidade dos maiôs, menos restritos a ideia de que “só usa quem não quer mostrar a barriga” ou qualquer motivo parecido.
Difícil dizer, no fim das contas, se o biquíni brasileiro realmente aumentou ou não. Há, sem dúvidas, mais opções e uma democratização da escolha pelo que fizer mais sentido para cada corpo e gosto. Se “na moda vale tudo”, como afirma o professor João Braga – e cada um pode ser um “estilista de si mesmo”, em suas palavras –, então escolha seu biquíni, grande ou pequeno, maiô ou duas peças, cortininha ou meia taça. Sem medo de ser feliz.