Alergia em animais — Gama Revista
Tá com alergia?
Icone para abrir

2

Reportagem

O seu pet é alérgico?

Assim como seus donos, cães e gatos são cada vez mais vítimas de alergias e requerem cuidados para a vida toda

Leonardo Neiva 19 de Março de 2023

O seu pet é alérgico?

Assim como seus donos, cães e gatos são cada vez mais vítimas de alergias e requerem cuidados para a vida toda

Leonardo Neiva 19 de Março de 2023

Desde que Thor entrou para a família de Elizângela Luz, 45, em 2019, ele tem sido uma fonte constante de dores de cabeça e idas ao veterinário. Aos três meses de idade, o buldogue francês já sofria com problemas gastrointestinais, raramente queria comer e, quando o fazia, acabava vomitando. A analista de marketing de Guarulhos lembra que ela, o marido e a filha precisavam insistir e brincar constantemente com o pet para que ele topasse colocar alguma coisa para dentro do estômago.

MAIS SOBRE O ASSUNTO
Adote um pet
Com o que sonham os animais?
Quem vai ficar com o pet?

Na tentativa de incrementar sua alimentação, aos poucos, além da ração, a dieta do pequeno deus nórdico também passou a incluir ingredientes naturais como batata doce, beterraba e cenoura. Só que, aos 11 meses de idade, ela foi notando que começaram a pipocar bolinhas vermelhas pelo corpo de Thor. “Minha filha e meu marido às vezes tinham alergia, então eu passava uma pomadinha de família, à base de corticoide. Comecei a passar na pele do Thor e ele melhorou.”

Tentando fazer com que o animal se alimentasse com mais frequência, a família também introduziu carnes e um suplemento alimentar na rotina do animal. E as lesões na pele pioraram novamente. “Surgiu uma lesão bem perto do saquinho escrotal que começou a crescer, um negócio estranho e duro”, conta Luz. Com o uso contínuo do corticoide, a lesão se intensificou, chegando a abrir a pele na região do ventre. “Entramos em desespero, não sabíamos o que fazer. Foi aí que comecei a pesquisar sobre dermatologia”, diz a analista.

De acordo com o professor e chefe do serviço de dermatologia e alergia para animais de companhia da universidade PUCPR, Marconi Farias, os buldogues estão entre as raças de cães em que alergias são mais frequentes, ao lado de yorkshires e animais de origem asiática, como os shih tzus e lhasa apsos. “A alergia é genética e existem muitos cruzamentos entre ninhadas com os mesmos pais, então o gene acaba se disseminando”, afirma. “Os sintomas tendem a iniciar em animais muito jovens, a partir de um ano de idade, e se prolongam pela vida.”

Para além da antiga questão da alergia humana a animais domésticos, que impede muita gente de ter um pet, as alergias nos próprios bichinhos são um problema que hoje tira o sono de muitos tutores. Entre os especialistas, a teoria mais aceita para explicar o aumento de casos como esses é que, a partir do momento em que os bichos passaram a ser tratados como filhos, tomando banhos regulares, vivendo em ambientes mais higienizados e se alimentando de forma regrada, seu sistema imunológico também se tornou mais suscetível. Como essas alergias são crônicas e duram uma vida inteira, isso implica diretamente na qualidade de vida dos animais e também dos tutores, que precisam incluir os cuidados especiais com os pets na rotina.

Farias destaca ainda que há três fontes de alergias entre os pets, que podem gerar sintomas como dermatite e otite — inflamações na pele e no ouvido. As mais comuns surgem com picadas de insetos, em especial a pulga, cuja saliva atinge principalmente animais que circulam fora de casa ou têm contato com outros bichos. Entre pets mais caseiros, ele aponta, o mais comum é desenvolver alergias relacionadas à alimentação ou mesmo ao contato com substâncias presentes no ambiente, como ácaros, poeira e pólen.

Diagnóstico: alérgico

As bolinhas vermelhas que apareceram na pele de Thor constituem uma dermatite, sintoma mais comum de alergia entre os cães. Além do ventre, a “axila estava em carne viva, um monte de bolinhas, vermelho num grau de inflamação muito grande, o dorso, patas… Eu não sabia mais o que fazer”, lembra Luz. Desesperada em busca de uma solução, a tutora do cãozinho acabou entrando em contato com a veterinária Thayse Braun, especializada em alergias animais. Ao ingressar num dos cursos que a veterinária oferece, voltados para tutores de pets alérgicos, Luz acabou descobrindo que a pomada corticoide podia ser a principal responsável por piorar o estado das lesões na pele de Thor.

Braun explica que o corticoide desidrata e danifica o tecido da pele. A aplicação recorrente gera problemas como descamação, atrofia do tecido e até necrose — quando ocorre a morte das células. Como a barreira cutânea, que defende a pele de fatores externos, já estava comprometida pelo uso constante da pomada, no caso de Thor ela acabou se rompendo e chegando à necrose. A partir daí, foi necessário um longo período de tratamento, cortando totalmente o corticoide, à espera da pele se recompor.

Segundo a veterinária, a conduta de Luz é bastante comum entre os tutores, que não sabem ainda que o pet tem uma condição alérgica que os difere dos outros bichos. Ela reforça que nem todos os veterinários hoje estão aptos a lidar com casos de alergias mais graves. “Então o animal fica entrando e saindo da crise porque ninguém identifica a origem do problema”, explica. “Às vezes até levar o pet para tomar um banho no pet shop, dependendo das substâncias presentes nos xampus, pode engatilhar uma crise de dermatite atópica.”

Mas, como não existem testes definitivos — e se comunicar ou saber exatamente o que os bichinhos fazem 100% do tempo é uma tarefa impossível –, determinar a origem das crises ainda é um trabalho demorado e desafiador.

Como cães e gatos

Se os seres humanos são campeões imbatíveis quando o tema é a suscetibilidade a alergias, os animais domésticos hoje não ficam muito atrás. Segundo Marconi Farias, os gatos ocupam um honroso terceiro lugar nesse ranking, e os cachorros, em que alergias ainda surgem com muito mais frequência, ficam com a medalha de prata. “Como no Brasil boa parte dos gatos ainda tem muito acesso à rua ou é criada em ambientes coletivos, em meio a vários outros felinos, a principal fonte de relações alérgica continua sendo a presença de pulgas.”

Braun hoje atende muito mais tutores de cães do que felinos. Ela também esclarece que os sintomas variam bastante entre as espécies. Nos gatos, por exemplo, a otite costuma ser mais seca e com menos odor, explica a veterinária.

Além disso, as inflamações nos felinos aparecem geralmente na região do queixo, em forma de granulomas que, se não forem tratados, podem tomar boa parte do rosto. Nos cães, por outro lado, a tendência é que as primeiras manchas surjam nas patas. “Quando o gato apresenta coceira, ele coça de forma mais agressiva e pode até tirar pedaço usando as unhas. Então o processo de controle tem que ser mais atencioso até do que o do cachorro”, afirma a especialista.

O que não mata…

De acordo com o médico veterinário Rodrigo Bazolli, especializado em nutrição de cães e gatos, alguns desses bichinhos têm uma predisposição maior a uma resposta alérgica a determinados ingredientes. “A alergia de causa alimentar, também conhecida como hipersensibilidade alimentar, causa grande desconforto nos pets por conta da coceira compulsiva e constante”, aponta.

Hoje, num mercado pet cada vez mais rico em opções orgânicas e naturais, já existem rações hipoalergênicas e que tratam até a saúde da pele dos animais. Na alimentação natural, no entanto, também é preciso tomar cuidado, pois alguns ingredientes podem afetar a imunidade do bichinho. Os principais vilões, diz Braun, são as proteínas e carboidratos, que com mais frequência disparam reações alérgicas. Mas, para investigar o responsável, só mesmo na base da tentativa e erro. “O processo é bem lento. Por isso, não dá para fazer só na cola do veterinário. Tem que ter um envolvimento ativo do tutor”, explica a especialista.

Fundador da marca Dr. Stanley, focada em alimentação orgânica para pets, Bazolli afirma que, inicialmente, o ideal é testar as proteínas mais consumidas, já que elas têm maior chance de gerar alergias. “Inclusive muitos tutores e veterinários passaram a indicar nossa linha vegetariana, que não contém proteínas de origem animal, para controlar a hipersensibilidade de seus pets”, conta. Além disso, segundo ele, a alimentação natural também pode reduzir a ingestão de agrotóxicos, que estudos já apontam estar presentes em boa parte das rações disponíveis no mercado.

Vigiar e mimar

Curadas as lesões na pele do cãozinho Thor, era hora de começar um complexo processo para identificar a origem da alergia. Segundo a tutora, os candidatos eram muitos: um sofá recém-comprado, cobertores de poliéster onde o cão tirava suas sonecas, o xampu usado no banho, os produtos de limpeza da casa etc. “Mudei o cobertor para um de algodão, passei para um xampu neutro e dei um jeito de limpar a casa só com álcool, bicarbonato, sabão de coco e detergente líquido. Virei uma chave na minha cabeça e fui mudando meus hábitos.”

Após uma série de testes com a alimentação de Thor, ela também percebeu que a batata-doce, beterraba e cenoura incluídos na dieta do cãozinho lá atrás, todos ricos em betacaroteno, podiam estar contribuindo para a piora do quadro. A partir daí, os ingredientes que continham a substância foram cortados da rotina. “Você tem que pensar em tudo porque, se não tirar os gatilhos, vai ficar naquele cabo de guerra: cuida hoje e amanhã volta”, conta.

Como buldogue francês, Thor integra a lista dos cães braquicefálicos, ao lado de raças como os shih tzus e pugs, que têm crânios mais curtos e dobrinhas na pele. “Existe inclusive um sintoma só deles, chamado intertrigo, a dematite das dobras”, aponta Braun. A modalidade gera inflamações pelo excesso de umidade e fungos no atrito entre a pele das dobras.

Com toda essa mudança de perspectiva, a família de Luz começou a prestar mais atenção até à saúde emocional do cãozinho, passando a brincar com mais frequência e a tentar gerar situações menos estressantes para o pet no dia a dia. Para Luz, embora a atenção continue sendo constante, todo esse processo vem tendo resultados positivos. “O alérgico tem controle, mas não cura. Hoje o Thor é um cachorro saudável e feliz.”