Será que é amor?
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Como não cair no mito do amor perfeito

Ao buscar um relacionamento, é fácil se perder nas idealizações. Confira cinco dicas para enxergar o outro além das expectativas e cultivar vínculos verdadeiros

Sarah Kelly 14 de Setembro de 2025

Como não cair no mito do amor perfeito

Sarah Kelly 14 de Setembro de 2025

Ao buscar um relacionamento, é fácil se perder nas idealizações. Confira cinco dicas para enxergar o outro além das expectativas e cultivar vínculos verdadeiros

As borboletas no estômago, a mudança no apetite e as alterações no sono são alguns dos possíveis sintomas da paixão. Para a escritora francesa Annie Ernaux, em “Paixão Simples” (Fósforo, 2023), o sentimento era tão intenso que a impedia de pensar em qualquer coisa que não fosse seu parceiro. Um estado de enamoramento como esse pode nos cegar temporariamente para as imperfeições de quem desperta o afeto. Boa notícia: isso é normal. Segundo a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, “é um momento em que projetamos tudo de bom na outra pessoa, tornando-a perfeita e detentora de todas as virtudes do mundo”.

Com o tempo, a paixão tende a dar lugar a um sentimento menos intenso. “O amor que pode vir a surgir é uma forma de gostar sem idealizar”, comenta Abdo. Quando essa estabilidade não chega e o apaixonado passa a enxergar os defeitos do outro, resta a decepção e a companhia do verso de Marília Mendonça: “Me apaixonei pelo que inventei de você”.

Para a psiquiatra e também coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ProSex–FMUSP), um dos fatores que explica as frustrações amorosas de hoje é a velocidade com que as relações se desenvolvem.

“Vivemos a era dos relacionamentos descompromissados e provisórios. As pessoas se conectam tão rapidamente quanto se desligam umas das outras. Quem se envolve de forma tão rápida nem sempre avalia bem com quem está se vinculando e só percebe, ao longo do relacionamento, porque não teve tempo de agir com mais calma e refletir se valia a pena iniciar essa relação.”

Vivemos a era dos relacionamentos descompromissados e provisórios. As pessoas se conectam tão rapidamente quanto se desligam umas das outras

Esse aspecto faz parte do chamado “amor líquido”, em que os parceiros são tratados como descartáveis e a relação só se mantém enquanto proporciona satisfação e utilidade imediata. “Estamos em tempos complexos, marcados pelo virtual e pela superficialidade. As pessoas estão mais individualistas e impacientes”, acrescenta Filipe Starling, psicólogo pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em sexualidade e terapia de casal.

Nesse cenário, as fantasias e expectativas irrealistas encontram um terreno perfeito para florescer, aponta Carol Tilkian, psicanalista, pesquisadora das relações amorosas e fundadora do canal Amores Possíveis. “A ilusão de que hoje temos acesso a muito mais pessoas nos leva a acreditar que encontraremos alguém que se encaixe exatamente no que esperamos de um amor.”

É possível então encontrar um amor realista e criar laços profundos? Para te ajudar nesse dilema, Gama reúne a seguir cinco dicas de como não idealizar um relacionamento.

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    Antes de tudo, cuidado para não centralizar demais a área amorosa da sua vida –
    Um relacionamento não vai preencher todos os seus vazios e carências. Ter essa consciência é o primeiro passo para uma visão mais realista do amor, mas pode ser difícil colocá-la em prática quando se vive em uma sociedade que supervaloriza o amor romântico. Essa cultura reforça uma busca por aliviar um sentimento de desamparo inerente à condição humana, explicada pela psicanálise. “A gente tem a ilusão, lá atrás, de que nós somos um com a nossa mãe ou com o nosso cuidador primário. A grande idealização que passamos a vida tentando desconstruir é de que alguém aplacaria as nossas faltas e a nossa angústia”, elucida Carol Tilkian, que também é colunista na Folha de S.Paulo e comentarista da rádio CBN. Tentamos então retornar a um lugar de união que, na verdade, nunca existiu. E a expectativa de que o amor pode nos dar esse apaziguamento é reforçada por Hollywood, com comédias românticas em que protagonistas (principalmente mulheres) só terminam “felizes para sempre” quando estão com um par romântico. Quem tenta viver por essa lógica acaba negligenciando outros âmbitos pessoais. Como Marcela Ceribelli reflete no livro “Sintomas” (HarperCollins, 2025), “o amor não pode ser um destino que nos distrai da própria vida”. O psicólogo Filipe Starling sugere diversificar as fontes de gratificação: “Precisamos tentar se realizar em todas as áreas da vida. No relacionamento, na vida profissional, nas amizades, nos hobbies, nos planos de futuro, na relação com a família, na espiritualidade, e no cuidado com a saúde, física e mental”.

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    Reflita sobre quais características são inegociáveis, mas abra espaço para as diferenças –
    Antes de sair para um date ou mesmo ao considerar se relacionar com alguém, você se baseia em critérios específicos sobre como essa pessoa deve ser, agir ou parecer? Tilkian indica prestar atenção no tamanho dessa lista. “Quais são os aspectos negociáveis e quais são inegociáveis? É uma pergunta importante a se fazer para verificar se está sendo exigente ou intransigente.” Seja porque ele ou ela corre e você não, porque gosta de pagode e você de rap, não responde as mensagens na velocidade que você responde, ou trabalha na área de exatas e você na de humanas: algumas diferenças não representam necessariamente uma ameaça à estabilidade do futuro relacionamento. A doutora Carmita Abdo traz outro exemplo: “Se você só aceita a pessoa se ela tiver 1,80 m, olhos azuis e cabelo loiro, na prática, você já tirou 90% da população da sua chance — deixando de lado muita gente por um aspecto que, será que é mesmo o mais importante?”. Ao revisar a lista de qualidades atribuídas ao parceiro ideal, é possível perceber que muitas delas refletem inseguranças, medos e a busca por um espelho, mais do que o desejo de um encontro verdadeiro, segundo Tilkian. Por outro lado, há características que carregam um peso decisivo. “Talvez a posição política, o respeito à minha religião, a vontade de ter filhos sejam questões inegociáveis”, ilustra a psicanalista. “Tem valores que a gente deve esperar mesmo, né? Como integridade, honestidade, sinceridade, boa comunicação. Ou ainda maturidade emocional: pessoas que estão se trabalhando, que querem crescer, que fazem terapia, que demonstram estar em busca de um desenvolvimento pessoal. Acho que essas expectativas são muito legítimas”, observa Starling.

  • 3

    Trabalhe no seu autoconhecimento e seja verdadeiro –
    Ao ouvir alguém dizer em um encontro que é “fácil de lidar”, o filósofo suíço Alain de Botton só pensa em sair correndo. Em entrevista ao programa “Conversa com Bial”, ele explica que pessoas que não revelam os próprios defeitos são perigosas. Usar uma máscara para agradar o outro não é sustentável a longo prazo e pode fragilizar qualquer vínculo. Daí a importância de se entender e perceber que você também é cheio de limitações: “Quanto mais você se conhece, menos você tende a projetar no outro aquilo que falta em você”, garante Starling. E mais do que entrar em sintonia consigo mesmo, é preciso se permitir ser vulnerável. “Ser verdadeiro desde o início pavimenta um campo que favorece um relacionamento a ter menos idealização.” O fingimento pode vir da falta de autoconfiança e da falsa ideia de que se sabe o que o pretendente deseja, como se existisse um único tipo mais ou menos sedutor. Para Carmita Abdo, estamos imersos em uma cultura do corpo e da performance, e pessoas que poderiam ser altamente admiradas por outros aspectos — como inteligência, simpatia, capacidade de trabalho, entre várias qualidades — acabam passando despercebidas por esses atributos. “Me perguntam ‘Mas se a norma é a cultura do corpo, você quer que eu interesse alguém apenas por ser inteligente ou bem-sucedido no trabalho?’ Nem todo mundo valoriza esses aspectos da mesma forma. Por isso, o importante é encontrar alguém interessado no que você tem para oferecer, e não tentar se moldar.” A mesma lógica vale para a comparação com referências criadas por filmes, músicas e outras ficções: a frustração aparece quando o relacionamento real não é tão intenso ou encantador quanto o imaginado. “Precisamos nos espelhar em casais reais para entender o que de fato é um relacionamento real”, recomenda o psicólogo.

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    Observe a pessoa que te interessa e apresente seus incômodos a ela –
    O caminho para não se iludir passa pelo abandono das conclusões precipitadas. Precisamos deixar de lado a lógica do ‘amor metonímico’: aquela que toma uma parte pelo todo. Ou seja, só porque a pessoa possui algumas características desejadas, não significa que ela deva ser idealizada como perfeita. “Uma pessoa me escreveu nas redes que conheceu um cara vegano em um trabalho voluntário da igreja. Pensou: ‘Ele se preocupa com animais e crianças, deve ser um ótimo partido’. Mas acabou sendo babaca com ela”, conta Tilkian. Para fugir de decepções como essa, vale estar atento aos sinais: “Perceba se a pessoa é realmente interessada em você, e não só interessante. Ela pergunta sobre sua vida? Manda mensagem para saber como foi aquela reunião que você se preocupava?” Demonstrar interesse não quer dizer compartilhar os mesmos gostos. “Você pode ser apaixonado por ioga, e o outro não precisa praticar. Mas pode perguntar: ‘Por que você gosta tanto? Me conta de onde vem essa paixão’”, exemplifica a psicanalista. A quebra de expectativas também pode se tornar uma surpresa positiva, se usada como oportunidade de diálogo. Por exemplo, se alguém que você está conhecendo diz algo que você considera um pouco problemático, evite cancelá-la automaticamente ou já compartilhar prints com amigos ou com a inteligência artificial. Tilkian recomenda colocar o incômodo diretamente para a outra pessoa: “Em vez de julgar e já transformar a ação em certeza de personalidade, fale sobre o que te incomodou, explique como se sentiu e dê espaço para ela se expressar”.

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    Não tenha pressa, um relacionamento deve ser construído –
    “Vivemos em um mundo que mudou muito rapidamente, e isso tornou tudo mais complexo. Estamos tentando entender como navegar nesse novo cenário, onde as relações são superficiais e tudo é tão virtual”, analisa o terapeuta Starling. Quem tenta fugir dessa lógica não pode aplicar o imediatismo generalizado no amor. Se permitir conhecer o outro com calma é um dos principais conselhos dos especialistas. “Dê chance para você, não é nem para outra pessoa. Não vá passando de uma para outra pessoa numa rapidez que você imagina ser mais ágil, porque, às vezes, vão escapar pontos importantes que poderiam aparecer com um pouquinho mais de tempo no vínculo que está se formando”, diz a psiquiatra Carmita Abdo. Isso quer dizer que não dá para desistir no primeiro desentendimento — frustrações vão sempre acontecer quando estamos em contato com seres humanos falhos. O terapeuta de casais lembra que se relacionar com alguém exige concessões, altruísmo e empatia. Em vez de encarar os encontros de forma excessivamente racional e controladora, é importante valorizar a experiência e a interação genuína, indica Carol Tilkian. “Um convite que eu sempre gosto de fazer é que a gente sinta mais e entenda menos.”

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