O que é BookTok? O fenômeno que movimenta o mercado editorial — Gama Revista
Que livro mudou a sua vida?
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Isabela Durão

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Reportagem

Como o BookTok alavanca o mercado editorial e atrai novos leitores

Fenômeno mundial, a comunidade do TikTok voltada à literatura e aos livros vem transformando a relação da juventude com a leitura e é, segundo especialistas, uma ferramenta de marketing boa e barata

Ana Elisa Faria 17 de Março de 2024

Como o BookTok alavanca o mercado editorial e atrai novos leitores

Ana Elisa Faria 17 de Março de 2024
Isabela Durão

Fenômeno mundial, a comunidade do TikTok voltada à literatura e aos livros vem transformando a relação da juventude com a leitura e é, segundo especialistas, uma ferramenta de marketing boa e barata

Cenários de estantes abarrotadas de livros coloridos. Histórias de amor, mistério e fantasia. Mexericos sobre o universo literário. Indicações, sinopses narradas em tom de fofoca, receitas inspiradas em obras famosas. Mãos que folheiam páginas no estilo ASMR. Memes com personagens célebres. Tudo isso está no universo do BookTok. O fenômeno que atrai jovens para a leitura movimenta uma comunidade imensa no TikTok que já produziu 30 milhões de vídeos, com 235 bilhões de visualizações.

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Na hashtag nacional, a #BookTokBrasil, os números são menores, mas não menos expressivos, com 2,3 milhões de vídeos compartilhados e 21,4 bilhões de visualizações.

O fato é que o movimento iniciado em 2020 não se resume às telas de smartphones. As dicas dos booktokers — como são chamados os influenciadores dessa área — têm impacto também no mundo real, fazendo novos leitores, alavancando o mercado editorial brasileiro, influenciando a lista dos mais vendidos e a seleção de títulos que serão publicados por aqui, além de até ressuscitar lançamentos “esquecidos”.

Para conhecer melhor a onda do BookTok no país, Gama conversou com especialistas de editoras e influencers.

Marketing acessível, bom e barato

Vivendo num vaivém de crises e tendo um índice de consumidores cada vez mais baixo, o setor tem no boom do BookTok uma tábua de salvação, mesmo que momentânea — ou até a próxima trend das redes sociais favorável ao ramo.

O BookTok é, sem dúvida, o melhor veículo de marketing e também o mais barato para promover a leitura no Brasil

Roberta Machado, diretora de comunicação do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e vice-presidente do Grupo Editorial Record, vê o momento de forma bastante positiva. “Hoje, o BookTok é, sem dúvida, o melhor veículo de marketing e também o mais barato para promover a leitura no Brasil. Ele tem sido fundamental e tem aumentado demais as vendas. É uma ferramenta excelente”, elogia.

A profissional explica que as táticas tradicionais do marketing usadas para, por exemplo, estreias cinematográficas — como a exibição do cartaz de um filme em estações de metrôs, a veiculação de comerciais de tevê no intervalo da novela das 21h e anúncios em revistas — são extremamente caras para a indústria do livro, que tem verbas reduzidas.

Por isso, as estratégias de contratar booktokers para divulgar uma obra, patrocinar conteúdos e, em muitos casos, ter um vídeo sobre o lançamento da vez viralizado e circulando organicamente no TikTok acaba sendo eficaz, acessível, bom e barato. É o velho boca a boca, mas que ecoa bem mais longe, para muito mais gente. “Essa rede social potencializou as indicações em um nível gigantesco, o que nos favoreceu demais. Por esse motivo, as editoras querem que os seus livros circulem nas mãos dos booktokers e caiam no gosto do povo”, diz.

Jovens adultos

Não é todo título ou qualquer gênero, porém, que se dá bem ali. Por se tratar de um aplicativo usado principalmente pela geração Z (nascidos entre 1995 e 2010), booktokers e usuários da rede, geralmente, consomem ficções juvenis (a literatura voltada para jovens adultos), com foco nos romances, nos mistérios e nas fantasias. “Esses livros se enquadram bem nas trends e hashtags criadas no TikTok, o que faz com que circulem muito”, afirma Roberta.

Mesmo sem uma mensuração oficial e específica do SNEL, ela conta que o segmento jovem “deu uma boa estourada” durante e no pós-pandemia. “Vamos isso no dia a dia das editoras, observando livro a livro, e há alguns bons exemplos como o da Colleen Hoover, cuja hashtag com o nome da autora, que se tornou um fenômeno mundial, acumula 5 bilhões de visualizações.”

@biaglion

cheguei com quadro novo, quem amou? 🤩 #booktok #éassimqueacaba

♬ som original – Bia Glion

Um dos trabalhos mais famosos da escritora norte-americana de romances, “É Assim que Acaba” (Galera Record), foi lançado nos Estados Unidos em 2016 e chegou ao país em 2018. Porém, no ano de 2021 Hoover se tornou hit no BookTok e, a partir daí, já vendeu 4 milhões de exemplares só no Brasil. “Foi uma curva que mudou rapidamente depois da divulgação viral no TikTok. E a gente estava acostumado com variações de curvas mais lentas”, comenta.

A Intrínseca também tem êxitos desde o início da comunidade. Vanessa Oliveira, gerente de marketing da editora, exemplifica a curva inicial do TikTok citando a série “Amor & Gelato”, de Jenna Evans Welch. O primeiro livro foi lançado aqui em julho de 2017 e até 2019 vendeu uma média de 8 mil exemplares por ano.

Obviamente, é um crescimento multifatorial, mas o TikTok tem, sim, uma parcela de responsabilidade nesse sucesso

Em 2020, a trajetória da jovem Lina, que perde a mãe e vai à Itália para conhecer o pai, viralizou nas redes e teve um crescimento de 302%. Em 2021, continuou crescendo e teve um aumento de mais 560% em relação ao ano anterior, com 136 mil exemplares vendidos apenas naquele ano. Hoje, no geral, a autora já vendeu mais de 752 mil exemplares. “Obviamente, é um crescimento multifatorial, mas o TikTok tem, sim, uma parcela de responsabilidade nesse sucesso”, pondera.

Vanessa menciona outros exemplos bem-sucedidos da Intrínseca no BookTok, como as campanhas dos livros “Os Dois Morrem no Final” (2021), de Adam Silvera, “Manual de Assassinato para Boas Garotas” (2022), de Holly Jackson, “Táticas do Amor” (2023), de Sarah Adams, e “Melhor do que nos Filmes” (2023), de Lynn Painter.

A editora executiva dos selos comerciais da Companhia das Letras, Quezia Cleto, ratifica a opinião das colegas de mercado. Para ela, um fator determinante dos feitos vindos do BookTok são “as recomendações autênticas, cheias de paixão”.

As pessoas querem encontrar comunidades, gente que vibra com aqueles livros tanto quanto elas. E isso tem sido ótimo para o mercado de livros e para os livros

“É um formato bem criativo e sincero de falar sobre livros. Enxergamos isso como o ponto que faz uma grande diferença para as pessoas embarcarem. Mas, acima de tudo, parece ser um fenômeno em que as pessoas estão abraçando a leitura e descobrindo a própria identidade leitora, o que as levam a buscar perfis com os quais se identificam. As pessoas querem encontrar comunidades, gente que vibra com aqueles livros tanto quanto elas. E isso tem sido ótimo para o mercado de livros e para os livros”, ressalta.

Tendências, aquisições e formatos

O olhar das editoras para o BookTokBrasil não é só para a divulgação, ele foca também estratégias para compras de novos títulos. Todo o burburinho que surge na rede, e que os leitores usuários comentam, compartilham e engajam de alguma forma, é levado em conta. Tanto que, na hora da venda — seja física ou on-line —, boa parte vem com um selinho na capa do tipo: “Sucesso no TikTok”.

É o que fez recentemente a editora Fontanar, selo de bem-estar do grupo Companhia das Letras, adquirir o recém-lançado “Diário da Sombra” (2024), da terapeuta Keila Shaheen. Antes de chegar às livrarias brasileiras, a hashtag do livro tinha 1 bilhão de visualizações no TikTok, dado que pesou no momento da decisão da compra.

“Foi um grande elemento para a aquisição, que foi até competitiva. Teve um peso na nossa avaliação. Um bilhão, em relação a outros livros, é muita coisa, um número super alto. Era um indício de que o tema tinha potencial, decidimos apostar no livro e o trouxemos para o Brasil”, revela Quezia.

Ela dá mais um exemplo que seguiu a mesma lógica, desta vez, de outra marca do grupo, a Paralela, que comprou uma série de livros que vinham bombando na comunidade tiktokiana gringa. Em 2023, a editora lançou o volume um, “Dois Erros, Um Acerto”, da escritora Chloe Liese, uma comédia romântica inspirada em “Muito Barulho por Nada”, de William Shakespeare.

“O primeiro livro tem ido superbem. Entendemos que essa era uma autora que estava despontando, que tinha potencial, com fãs em língua estrangeira. Aí, avaliamos que era o caso de adquirir para tradução e publicar por aqui. Então, tem esse olhar desde o começo do processo, que é algo diferente. Não é inédito, porque à medida que as redes sociais foram surgindo, já tivemos booms no YouTube e no Instagram, mas acho que agora, por conta do elemento da força da hashtag e da comunidade, é diferente”, analisa.

Na Intrínseca, o mesmo aconteceu com o romance esportivo “Táticas do Amor” (2023), de Sarah Adams, que já era um fenômeno no BookTok lá fora. “Quando lançamos no Brasil, sabíamos que havia uma demanda grande dentro do TikTok para esse livro. E isso costuma acontecer com frequência. Se você for procurar, vai ver um sem-número de livros que já chegam aqui com a tag ‘sucesso do BookTok’, ‘sucesso do TikTok’. E a gente, obviamente, cria uma expectativa em cima disso, mas não necessariamente isso se conclui”, avalia Vanessa Oliveira.

@larifeller_

Táticas do Amor 💚 (+ 14) ✨minha opiniao: Que livro sessão da tarde. Super fofo e romântico, com uma pitada de comédia. A narração acompanha o ponto de vista de Bree e também de Nathan, deixando com que a gente possa descobrir o que se passa do lado dele também… Fiquei encantada com Nathan, que homem incrível e doce, um sonho! A surpresa que ele faz pra ela no final me deixou sem fôlego, que coisa mais linda! #taticasdoamor #thecheatsheet #bookjournal #cadernodeleitura #resenhaliteraria #bookrecs #livros #livrostiktok #livrosderomance #booktok #booktokbrasil #books

♬ som original – livros da lari | booktok

“Às vezes, o que é um sucesso no BookTok nos Estados Unidos, não chega a ser um sucesso no BookTok no Brasil. Mas esse foi um case que conseguimos reproduzir o mesmo sucesso aqui dentro. O livro chegou muito bem recebido. As pessoas já conheciam a edição original, adoraram conhecer a edição traduzida e ele rodou muito organicamente e com ações pagas também.”

Roberta Machado lembra ainda que todo o movimento moderno e digital do TikTok, por incrível que pareça, tem favorecido o livro impresso porque os vídeos atiçam a experiência da leitura física. Segundo ela, as pessoas gostam de ver e de mostrar estantes cheias, adesivos coloridos com anotações marcando as páginas, o objeto sendo folheado. “Por essas questões, a qualidade gráfica está sendo fundamental. As editoras têm investido bastante em edições especiais, com pintura trilateral, capa dura”, observa.

Novos leitores

Além de impulsionar as vendas, o mundo literário do TikTok tem ajudado a promover uma cultura de leitura entre a juventude. De acordo com Roberta, o fenômeno auxilia jovens que não eram leitores a conhecerem os livros. E isso com a ajuda de histórias variadas e cheias de representatividade.

“Tudo isso toca cada vez mais o não frequentador de livrarias. Ele vai ficando com vontade de ler. E isso é muito importante.”

Roberta diz que os jovens da geração Z e até os mais novos não querem ser influenciados pelos pais ou por professores, eles desejam consumir o que vem da bolha e da celebridade do TikTok que acompanham. “Tem uma questão de empoderamento, de escolha, de indicação”, resume.

Quem influencia

São os influenciadores digitais, no caso, os booktokers, que fazem a engrenagem dessa onda de sucesso prosperar. E eles são muitos, de vários tamanhos — no sentido de número de seguidores —, para todos os gostos literários do BookTokBrasil.

Um dos mais populares por ali e bastante requisitado pelas editoras é Tiago Valente, 26, mestre em letras, seguido por 510 mil pessoas. Desde pequeno, ele tem familiaridade com os livros porque os pais eram donos de uma livraria, mas a paixão pelas histórias veio após conhecer, quando ainda estava na escola, “O Gênio do Crime” (Global), de João Carlos Marinho, lançado em 1969 e que já está na 60ª edição.

@otiagovalente

não tenho psicológico pra ser bookstan 🤧🗣 sigam a @Editora Alt para ficar por dentro de todos os lançamentos ✨💙 #livros #booktokbrasil #pov

♬ som original – Tiago Valente

No seu TikTok, bombam mais os romances, principalmente aqueles com representatividade LGBTQIA+, livros que ajudam o público do booktoker, que é bem jovem, a lidar com as questões próprias dessa fase da vida. “Eu adoro esses romances, mas meu gênero favorito é o cozy mystery, um subgênero do suspense, em que mistérios são retratados de um jeito leve, com um suspense e uma expectativa que envolvem o leitor até o final”, entrega.

Valente, que fala sobre livros na internet desde os 21 anos, conta que passar pela experiência do Booktok é muito interessante. “Por ter criado o primeiro perfil 100% literário do TikTok no Brasil, pude acompanhar essa comunidade crescendo aos poucos e, de fato, começando a influenciar o mercado, justamente pela forma mais despretensiosa e leve de falar sobre literatura, assunto que, durante muito tempo, ficou restrito às críticas especializadas, portanto, mais distante do público jovem”, elucida.

O influencer comenta que, atualmente, são várias as editoras que utilizam booktokers no processo de curadoria editorial, quando são decididos os livros a serem publicados. “É incrível ver as questões que levantamos na comunidade, como a exigência por mais representatividade, de todos os tipos, nos livros que lemos, chegando aos livros que encontramos nas livrarias. Acho que é um reconhecimento muito valioso do nosso trabalho no TikTok.”

Maju Alves, 29, publicitária e pós-graduada em book publishing, trabalha na editora Planeta e também é uma booktoker apaixonada. A influenciadora usa o seu conhecimento e alcance — ela é seguida por 31 mil pessoas — para falar para uma audiência majoritariamente feminina que curte fantasia e romance. “Mas eu pego também um público que gosta muito de literatura clássica, como ‘O Morro dos Ventos Uivantes’ [Principis, 2019; o livro de Emily Brontë foi publicado pela primeira vez em 1847], e as Brontë como um todo”, divide.

@debook_

personagem que exemplificam o racism0 em harry potter #AprendaNoTiktok #Booktok #harrypotter

♬ Harry Potter – The Intermezzo Orchestra

No perfil Debook, a pedagoga Débora Silva, 24, dialoga com 30 mil pessoas, principalmente mulheres e mulheres negras, que têm entre 18 e 24 anos. Ela consome literatura brasileira contemporânea negra, como Conceição Evaristo e Eliana Alves Cruz, mas também pega para ler “coisas mais jovens adultas e mais clichês”. Ela Débora explica: “Como a literatura que eu mais leio pode ser pesada e dolorida algumas vezes, não acho saudável só ler esse tipo de coisa. Então, leio um romancezinho água com açúcar também”, compartilha. A booktoker ainda usa o aplicativo para falar sobre literatura negra — e a falta dela — no BookTokBrasil.