Influenciadores digitais dominaram o mercado dos livros — Gama Revista
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Reportagem

Por que autores-influencers são tão requisitados pelas editoras?

Segmentos do mercado editorial apostam em publicações escritas por figuras conhecidas das redes sociais para chegar em um público maior, enquanto criadores de conteúdo buscam no livro mais relevância e autoridade

Ana Elisa Faria 19 de Novembro de 2023

Por que autores-influencers são tão requisitados pelas editoras?

Ana Elisa Faria 19 de Novembro de 2023

Segmentos do mercado editorial apostam em publicações escritas por figuras conhecidas das redes sociais para chegar em um público maior, enquanto criadores de conteúdo buscam no livro mais relevância e autoridade

Camila Coutinho é uma das primeiras blogueira fashion do país, influenciadora digital de sucesso e empresária criadora da marca de cosméticos GE Beauty. Nathália Rodrigues, famosa com o perfil Nath Finanças, é uma jovem educadora financeira. Thais Farage é consultora de moda, dá cursos e tem uma comunidade sobre o tema. Lorrane Silva, a Pequena Lô, é psicóloga e fala sobre a vida com humor na internet. Pedro Pacífico, o Bookster, é advogado e indica leituras nas mídias digitais.

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O que há em comum entre ele e elas, além de serem figuras bem-sucedidas em suas áreas e nas redes sociais, é que todos já lançaram ao menos um livro.

O número de seguidores desse pessoal varia bastante, mas cada um tem um nicho fiel, público que, cada vez mais, tem atraído o interesse do mercado editorial. Não só. Os próprios criadores de conteúdo também sonham com um título para chamar de seu. Escrever um livro, mesmo com o vaivém de crises no setor, ainda é o sonho de muita gente.

Pensando nisso, Gama ouviu especialistas para entender por que autores-influencers são tão requisitados pelas editoras.

O boom dos youtubers literários X os autores-influencers

Em 2016, os livros de youtubers que estavam no auge da fama, como Christian Figueiredo, Kéfera Buchmann e Felipe Neto, ajudaram a aliviar o desempenho anual do mercado editorial com 1 milhão de exemplares vendidos. Hoje, os números não são tão estrondosos, mas o segmento continua relevante — tanto que a Intrínseca, por exemplo, tem alguns lançamentos de influenciadores agendados para todo o ano de 2024.

Outra mudança que ocorreu de lá para cá é o tipo de literatura. Os booktubers tinham como foco os pré-adolescentes e, assim, escreviam autobiografias em que contavam sobre as primeiras vezes — do beijo ao porre —, descreviam episódios de bullying sofridos e narravam como chegaram aonde chegaram, com milhões de fã YouTube afora.

Editoras seguem entendendo que influenciadores são agentes importantes da formação da sociedade

O público e os autores de agora são mais velhos e a temática que interessa é mais sofisticada, conforme explica Bruno Porto, fundador da BPideias, agência de influencers, e ex-editor da Companhia das Letras. Ele conta que, naquela época, as editoras perceberam nos influenciadores, bem jovens, uma oportunidade comercial e uma maneira de se aproximar do público digital que estava distante do mundo da leitura e dos livros. Deu certo, mas por algum tempo.

“Acho que foi uma bolha e, depois, o formato acabou cansando com muitos produtos similares. Houve uma saturação do mercado. Atualmente, estamos passando por um segundo momento, em que as editoras seguem entendendo que influenciadores são agentes importantes da formação da sociedade. Claro que existe gente irresponsável, porém, há outras tantas pessoas com propósitos relevantes e interessantes, como divulgar a leitura, como chamar a atenção para questões de saúde. Enfim, as editoras continuam percebendo a importância desses formadores de opinião, só que agora estão mais criteriosas”, diz Porto.

Segundo o profissional, há uma preocupação maior com o livro que está sendo editado e com o que essas pessoas têm a dizer. “É um filtro mais sofisticado.”

Marina Castro, editora da Paralela, que faz parte do grupo Companhia das Letras, diz que a casa, que no passado publicou “Muito Mais que 5inco Minutos” (Paralela, 2015), de Kéfera Buchmann, hoje busca influencers com base em determinados temas, focando mais na qualidade do conteúdo e menos na mera repetição do que já está disponível nas redes sociais.

Ela cita como exemplo o livro “Mulher, Roupa, Trabalho: Como Se Veste a Desigualdade de Gênero” (Paralela, 2021), de Thais Farage e Mayra Cotta. “A Thais é uma pessoa conhecida no mundo da moda, está nas redes sociais, tem influência, mas fundamentalmente tem autoridade e especialidade para falar sobre o tema dela. Então, por que não juntar tudo isso e fazer um livro?”, elucida.

Castro toca em mais uma questão, que é vantajosa para o outro lado, o dos influencers: muitos leitores interessados no objeto de estudo do influenciador podem nunca ter ouvido falar no autor, mas compram o livro, leem, gostam e, no fim, podem se tornar seguidores.

Rebeca Bolite, editora-executiva da Intrínseca, acrescenta que, nesses casos, o selo procura não apenas um produtor de conteúdo influente, mas autores que possam complementar e enriquecer a experiência do leitor. “Não adianta publicar uma repetição do que a pessoa tem de graça no Instagram”, afirma.

A editora exemplifica com a obra “Trinta Segundos Sem Pensar no Medo” (Intrínseca, 2023), de Pedro Pacífico, o Bookster. O volume não aborda somente a vida pessoal do influencer, mas cria uma narrativa elaborada em que embaralham reflexões e memórias pessoais, a grande maioria delas focadas no impacto dos livros para a construção da própria identidade, demonstrando como o hábito da leitura pode ser uma forma eficaz de lidar com problemas como a ansiedade ou a dependência da internet.

De acordo com Rebeca, nas redes Pacífico não teve espaço para criar um arco narrativo “tão bem feito” como o desenvolvido por ele na publicação.

Os seguidores fiéis

Se anos atrás o número de seguidores era o grande chamariz para a publicação e, consequentemente, para as vendas, o momento agora é dos nichos fiéis, que reúnem pessoas que seguem os influenciadores porque se interessam por determinados assuntos, criam uma comunidade presente e interativa e, de quebra, ajudam na divulgação do trabalho publicado.

“A estratégia da HarperCollins Brasil não é buscar autores pelo número de seguidores, mas sim pelo conteúdo deles, o que eles têm a comunicar. Temos autores de muito sucesso que têm uma base relevante de seguidores e que estão entre os mais vendidos do país, mas eles são conhecidos e reconhecidos por motivos que vão além das redes sociais”, aponta Samuel Coto, publisher do grupo HarperCollins Brasil.

É muito legal juntar forças e comunicar já de início para muita gente o lançamento

Para Coto, é o caso de Rodrigo Bibo, publicado pela Thomas Nelson Brasil, do grupo HarperCollins. “Ele foi o autor mais vendido da editora na Bienal do Livro Rio 2023, com 2.500 exemplares comercializados ao longo de dez dias de evento.”

Os números se referem à obra “O Deus que Destrói Sonhos” (Thomas Nelson Brasil, 2021), que já vendeu 350 mil exemplares no país. Bibo, que tem um grande podcast de teologia, o BTCast, é ainda um dos autores nacionais mais vendidos do ano no Brasil.

A editora-executiva da Intrínseca, Rebeca Bolite, assume que contar com a base de fãs dos influenciadores ajuda a divulgar o material. “É muito legal juntar forças e comunicar já de início para muita gente o lançamento, ainda mais no nosso mundo contemporâneo, com 30 milhões de streamings, 30 milhões de sites de notícias, em que conseguir comunicar qualquer coisa, seja o lançamento de um livro ou de um filme, está cada vez mais difícil.”

Estreia na escrita: motivações e processos

Com muitos pontos positivos para as editoras, a publicação de uma obra também traz benefícios para os influenciadores, que enxergam o livro como uma forma mais concreta e duradoura de expressar o seu conhecimento. Ter o nome na capa de um livro confere autoridade e reconhecimento, contribuindo para uma percepção mais sólida do trabalho de quem coloca o rosto nos stories diariamente.

Bruno Porto comenta que escrever um livro continua sendo um sonho para muita gente. “Ainda que o mercado editorial passe por crise atrás de crise, ainda que o Brasil tenha um número muito pequeno de leitores, o livro ainda é um objeto mágico, um objeto que hipnotiza e fascina, que dá para a pessoa que escreveu uma voz de relevância”, lista.

A motivação de Thais Farage para estrear na escrita de um livro nasceu quando ela entendeu que suas ideias e hipóteses poderiam se perder na internet. “Eu sempre falo sobre roupa e desigualdade de gênero no Instagram, mas senti que precisava de um livro para registrar o meu projeto com seriedade”, expõe.

O livro ainda é um objeto mágico, um objeto que hipnotiza e fascina, que dá para a pessoa que escreveu uma voz de relevância

“Mulher, Roupa, Trabalho: Como Se Veste a Desigualdade de Gênero”, o livro que Thais escreveu em parceria com a advogada Mayra Cotta ficou pronto em um ano. A consultora de moda confidencia que sentiu um frio na barriga porque publicar em papel tem um efeito mais duradouro que no digital. “Não dá para reescrever”, diz.

Em uma participação no programa “Conversa com Bial” na época do lançamento de “Estúpida, Eu?: A Blogueira que Conquistou Seu Lugar no Mundo da Moda” (Intrínseca, 2018), Camila Coutinho falou sobre o que a levou a escrever o livro, que considera uma junção de história de vida com dicas de empreendedorismo. Procurada pela editora, ela resistiu, mas depois de alguns encontros foi convencida. A partir do sim até a publicação, foram dois anos.

A influenciadora e empresária conta que ficou com medo de escrever porque estava há dez anos escrevendo só para a internet, e a ideia do livro, “aquela coisa física, atemporal, que vai ficar na prateleira, assustou no início. “Mas a experiência foi muito gostosa e eu estou amando ouvir as pessoas falando que estão lendo muito rápido, que é um grande post, uma linguagem gostosa e que está atingindo meninas mais novinhas, de 13 anos, a homens de 50 a 60 anos que nunca tinham ouvido falar de mim.”