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Uma turmaAs minas dos quadrinhos
Elas desenham, escrevem, editam, tocam lojas, formam coletivos, organizam coletâneas, discutem questões de gênero e trazem mais diversidade às HQs
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As minas dos quadrinhos
Elas desenham, escrevem, editam, tocam lojas, formam coletivos, organizam coletâneas, discutem questões de gênero e trazem mais diversidade às HQs
“A cena dos quadrinhos ainda é muito clube do bolinha, apesar de ter tanta mulher fazendo HQ”, afirma Gabriela Borges, do projeto Mina de HQ, uma das entrevistadas por Gama para esta reportagem.
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Como acontece em outros campos artísticos, mulheres historicamente são minoria nos quadrinhos, e as artistas que existiam eram pouco vistas e valorizadas. Um exemplo de que essa realidade persiste é que, na lista de indicados ao último prêmio Eisner, considerado o Oscar dos quadrinhos nos EUA, ainda predominam homens.
Na última década, porém, graças à mobilização das mulheres do meio e ao crescimento de trabalhos independentes e da autodivulgação possibilitados pela internet, muito já mudou. A presença feminina passou a ser marcante nas redes sociais e surgiram coletivos feministas como o hoje extinto Lady’s Comics. Editoras passaram a buscar e publicar mais ativamente o trabalho de mulheres e elas se tornaram mais numerosas em grandes convenções como a Comic Con e o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ).
Em 2018, inclusive, pela primeira vez uma mulher ganhou o Eisner na categoria “melhor escritor” – no Brasil, elas têm sido reconhecidas em prêmios como o HQMIX e o Angelo Agostini.
“Antes você chegava em um evento presencial e 10% era mulher. Agora, já está bem perto de 50%. Ver mais mulheres no meio incentiva outras a começarem”, diz a quadrinista Germana Viana. “Não podem mais fingir que a gente não existe.” O movimento veio acompanhado também de pessoas racializadas e LGBTQIA+ trazendo mais diversidade tanto entre os artistas quanto nas temáticas tratadas pelos quadrinhos.
A seguir, conheça alguns nomes de mulheres de diferentes gerações que atuam no meio de formas diversas, entre artistas, editoras, curadoras e donas de lojas.
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Arquivo pessoal Mitie Taketani, da Itiban Comic Shop
Há 30 anos, ela toca um dos espaços mais tradicionais para quadrinhos no país
Foi no finzinho dos anos 1980 que Mitie Taketani, 55, e o marido Francisco Utrabo abriram em Curitiba (PR) a Itiban Comic Shop. Com o tempo, a loja passou a atrair jornalistas, o “pessoal das artes” e do movimento punk da cidade, e se tornou um ponto de encontro para shows de bandas independentes e lançamentos de quadrinistas. O acervo, a princípio, priorizava importados, e depois cresceu com a produção nacional – Lourenço Mutarelli, Bianca Pinheiro, Laerte, Fábio Moon e Panhoca são alguns dos nomes estampados nos vários cartazes de eventos realizados na loja.
“Antes a gente tinha uma cara mais underground e o público era essencialmente masculino. Aí os quadrinhos foram mudando, ampliando os temas e acolhendo mais grupos. A loja já está na vida de quase três gerações”, conta. Taketani colabora com frequência com a Gibiteca de Curitiba e também é curadora da Bienal de Quadrinhos, realizada na cidade desde 2011.
Até a pandemia, a Itiban se mantinha majoritariamente analógica, inclusive com o registro do acervo (“Não tenho ideia de quantos títulos temos”, diz Taketani), mas a necessidade de sobreviver nesse período fez nascer a loja online. Como acontece com grande parte das livrarias independentes do Brasil, é um desafio se manter de portas abertas. “No começo estar aqui era só uma paixão por quadrinhos. Agora virou um ativismo, eu sinto que preciso continuar, é o que eu posso fazer pela sociedade”, diz ela, que aos poucos retorna os eventos presenciais à loja – em 18 de março, recebeu o quadrinista Adão Iturrusgarai.
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Arquivo pessoal Germana Viana, quadrinista, letrista, roteirista e editora
Ela faz quadrinhos eróticos e de terror e é voz ativa em discussões sobre política, feminismo e questões LGBTQIA+
Germana Viana, 49, orbitou pelo mundo dos quadrinhos por anos até tirar os próprios da gaveta. Nascida no Recife, ela estudou artes plásticas na Universidade Estadual Paulista (UNESP) e começou sua carreira fazendo ilustração de livros infantojuvenis. Mais tarde, trabalhou como letrista para editoras como a Panini e com agenciamento de quadrinistas brasileiros para o mercado americano junto a Joe Prado, nome forte do meio.
A coragem de começar a publicar veio em 2013, durante o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ) em Belo Horizonte, quando um amigo mostrou seus desenhos a George Pérez, célebre quadrinista americano, e ele perguntou o que ela estava fazendo fora do mercado.
Pouco depois, publicou “Lizzie Bordello e as Piratas do Espaço” (2014), que já deu o tom dos temas que viriam ser presentes no seu trabalho: humor, aventura, sexo e feminismo, sem medo de provocar e quebrar tabus. Vide a coletânea que organiza com outras autoras, “Gibi de Menininha: Historietas de Terror e Putaria”, pela Zarabatana Books, e a revista trimestral “Ménage”, com publicação independente. Por seu posicionamento, ela se tornou voz ativa em discussões sobre política e questões LGBTQIA+ no mundo dos quadrinhos.
“A cultura pop é capaz de acelerar reflexões e trazer temáticas importantes de maneira natural”, conta ela, que já desenhou um Zorro pobre e gay para uma adaptação do personagem e protagonistas negras para uma versão em HQ de “Razão e Sensibilidade”, de Jane Austin.
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Leticia de Castro, da Editora Veneta
Quadrinhos de alguns dos autores mais relevantes do momento passam por suas mãos
Jornalista de formação, a paulistana de 45 anos se envolveu com quadrinhos por meio do marido, Rogério de Campos, ex-diretor da Editora Conrad. “Quando ele fundou a Veneta em 2012, comecei a trabalhar de maneira informal, e depois minha participação foi crescendo”, conta. Eles publicam no Brasil e ajudam a promover no exterior alguns dos nomes mais importantes dos quadrinhos nacionais, como Marcelo D’Salete, Marcelo Quintanilha e João Pinheiro.
Entre as autoras, ela destaca Angélica Kalil e Mariamma Fonseca, de “Bertha Lutz e a Carta da ONU” (2021), que conta a história da cientista e política feminista Bertha Lutz (1894-1976), e Ana Luiza Koehler, autora de “Beco do Rosário” (2020), romance passado na Porto Alegre dos anos 1920 sobre uma mulher negra que sonha ser jornalista. “A temática da emancipação feminina tem sido trazida de diversas formas.”
Entre os nomes internacionais, a Venena tem desde clássicos como o americano Gilberto Hernandez até emergentes como Simon Hanselmann, do “Zona de Crise”, eleito uma das melhores graphic novels de 2021 pelo New York Times. “A gente tem uma característica de olhar para aquilo que ninguém está olhando e se arriscar.”
Durante a pandemia, a editora investiu na loja virtual e teve crescimento de vendas: 2021 foi seu ano com mais lançamentos. “Apesar de ainda faltar reconhecimento sobre a importância dessa linguagem e desses artistas, já caminhamos bastante. Cada vez mais gente já sabe que quadrinho não é só coisa de criança.” Paradoxalmente, a editora vinha percebendo uma carência de títulos voltados para o público infantil, e lançou no começo deste ano um selo de HQs e livros infantojuvenis.
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Arquivo pessoal Ellie Irineu, quadrinista, ilustradora e editora
A artista se tornou referência na cena independente de quadrinhos LGBTQIA+
Natural de Campo Grande (MS), Ellie Irineu, 28, estudou artes visuais na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e começou a fazer tirinhas e zines na internet em um blog do tumblr. A partir do contato com outras quadrinistas brasileiras, foi convidada para participar do evento do grupo Lady’s Comics em 2016, e lá decidiu que queria focar de vez nos quadrinhos. Em pouco tempo, passou a integrar como artista e organizadora uma série de publicações de temática LGBTQIA+. Entre elas, dois projetos da editora Skript: o “Quadrinhos Queer” (2021), uma coletânea de 50 autores, e “Sob A Luz Do Arco-íris”, esta só com quadrinistas LGBTQIA+. “Qualquer um pode ler, mas eu penso nessas pessoas quando escrevo”, diz.
Seu trabalho mais marcante é “Histórias quentinhas sobre sair do armário” (2019), que foi seguido por “Histórias Quentinhas Sobre Existir” (2021), ambos de publicação independente, que trazem histórias de personagens LGBTQIA+ em que tudo acaba bem. “A ficção protagonizada por essas pessoas é quase sempre trágica. Por isso a ideia desses livros é mostrar que nós também podemos ter finais felizes, que merecemos existir e ver um futuro pela frente.” Para ela, há sim maior diversidade nos quadrinhos hoje, mudança muito impulsionada pelas ferramentas digitais. “Eventos mais diversos como o Poc Con e novas editoras independentes estão contribuindo para abrir espaço.”
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Arquivo pessoal Gabriela Borges, do Mina de HQ
Com um projeto independente e feminista ela agrega e divulga quadrinistas cis, trans e não binárias
Gabriela Borges, 38, nunca foi fã de gibis de super-heróis. “Só depois entendi que essa falta de interesse se dava por eu não me identificar com enredos e personagens baseados em uma visão de mundo masculina e machista, algo que ainda domina a produção”, conta. A jornalista focou na questão durante um mestrado em antropologia em Buenos Aires, na Argentina, no qual estudou a representação da mulher e os discursos de gênero nos quadrinhos no país. De volta ao Brasil, passou a falar da pesquisa em eventos e, pouco depois, começou a plataforma Mina de HQ, na qual realiza uma curadoria de quadrinistas mulheres, trans e não binárias. “Eu quero dar espaço para narrativas e artistas inviabilizadas pelo mainstream. Meu objetivo é que as pessoas se identifique e se inspirem”, conta.
Além de perfis nas redes sociais, o Mina de HQ tem hoje um site com reportagens, entrevistas e tirinhas de convidadas, uma newsletter e um clube de leitura mensal, e já arrematou prêmios nacionais importantes como o HQMIX e o Angelo Agostini. A comemoração dos cinco anos do projeto, em 2020, veio com uma revista impressa, que teve uma segunda edição em 2021. Gabriela, que hoje vive em Florianópolis (SC), também participa de palestras e debates sobre HQs e gênero e cria estratégias de comunicação para empresas com quadrinhos. Para ajudar a manter o projeto de pé, tem apoiadores em campanha de financiamento.
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Arquivo pessoal Helô D’Angelo, ilustradora, quadrinista e chargista
Expoente da nova geração e sucesso nas redes sociais, é especialista em quadrinhos para a internet
Helô D’Angelo, 27, de São Paulo (SP), desenhava quadrinhos desde criança, mas foi com o contato com graphic novels como “Retalhos” (Cia. das Letras, 2009), de Craig Thompson, que começou a vislumbrar mais possibilidades para essa arte. Na faculdade de jornalismo, descobriu reportagens feitas em quadrinhos, e em seu trabalho de conclusão de curso produziu uma série sobre aborto. “Foi legal porque foi o primeiro TCC em quadrinhos da faculdade e abriu caminhos para outros.” Por ainda não ter segurança de que conseguiria trabalhar no meio, passou por algumas revistas e sites até publicar as primeira tiras no Instagram em 2017. “As redes sociais mudaram toda lógica de acesso aos quadrinhos, agora é muito mais democrático.”
A página começou a crescer – hoje tem 154 mil seguidores – e as encomendas, a aparecer. Primeiro de pessoas físicas, depois, de empresas como o Instituo Avon e a HBO. “As empresas estão procurando novas linguagens e parecem mais abertas aos quadrinhos.” Foram dois livros autopublicados com campanha de financiamento coletivo: “Dora e a Gata” (2019) e “Isolamento” (2021) – D’Angelo começou retratando situações do dia a dia e depois passou a incorporar pautas de cultura, política e feminismo. Ela também faz charges para o portal Brasil de Fato, ilustra as capas do podcast Mamilos e dá oficinas de quadrinhos para internet.
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