Qual livro da literatura contemporânea te impactou? — Gama Revista
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Depoimento

Qual livro da literatura contemporânea te impactou?

Escritores, críticos, tradutores e editores indicam obras de autores presentes na Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip

06 de Outubro de 2024

Qual livro da literatura contemporânea te impactou?

06 de Outubro de 2024

Escritores, críticos, tradutores e editores indicam obras de autores presentes na Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip

Do amor político à emergência climática, a edição 2024 da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) discutirá diversas questões contemporâneas a partir da literatura. Para inspirar boas leituras, Gama perguntou a 13 personalidades do mundo editorial, entre escritores, tradutores e críticos, qual obra de autores presentes no festival eles indicam.

As recomendações incluem romances históricos e atuais, brasileiros e estrangeiros, com reflexões sobre o fazer literário e sobre temas como racismo e não monogamia. Confira a lista:


Luiz Antônio Simas indica “O Crime do Cais do Valongo” (Malê, 2018), de Eliana Alves Cruz

 Foto: Arquivo pessoal

“É um livro extraordinário, com uma trama bem elaborada, com características dos melhores romances policiais. Tem uma pesquisa histórica muito bem fundamentada e que passa longe do didatismo. A gente vai sendo enredado numa trama absolutamente extraordinária. E é uma literatura de paisagem também, sobre a região do Cais do Valongo, que nós conhecemos como o epicentro de uma África carioca, com contradições, escravidão, racismo, preconceito. Já é um clássico da literatura a respeito do Rio de Janeiro, da escravidão, das tensões raciais. Por isso, indico fortemente.” Luiz Antônio Simas é escritor e professor, autor de “Maldito Invento um Baronete: Uma breve história do jogo do bicho“(Mórula, 2024). (depoimento a Ana Elisa Faria)


Rita Palmeira indica “A Mais Recôndita Memória dos Homens” (Fósforo, 2023), de Mohamed Mbougar Sarr

 Foto: Arquivo pessoal

“É uma obra magistral que tem uma ambição, no bom sentido, que não víamos há muito tempo. Sarr consegue fazer uma história fascinante, de 400 páginas e que você não consegue largar. Por outro lado, é um livro que faz refletir sobre a literatura e o fazer literário. Ele conta a história de um livro que foi muito celebrado e que, de repente, os críticos se voltaram contra, acusando o escritor de plágio, desacreditando que um autor africano fosse capaz de ter escrito aquilo. A história gira em torno desse livro misterioso, desse autor, mas tem mil histórias acessórias. Pode ser lido por qualquer pessoa, não é uma escrita hermética, mas há uma reflexão fina e profunda. É uma obra que fala ao leitor brasileiro, apesar de ser uma história geograficamente quase toda distante de nós. Há pontos que tocam no colonialismo do Brasil, na questão racial e na própria questão literária, de como a crítica lida com os autores, o que serve para qualquer sistema literário.” Rita Palmeira é crítica literária e curadora da livraria Megafauna. (depoimento a Ana Elisa Faria)


Noemi Jaffe indica “Onde Pastam os Minotauros” (Todavia, 2023), de Joca Reiners Terron

 Foto: Rodrigo Fonseca

“O Joca tem uma entrada no Brasil profundo, numa região pouco explorada, o centro-oeste brasileiro. E eu acho que pegar esse Brasil profundo é pegar um Brasil pela raiz. Ele fala de problemas e questões sociais e políticas, mas sem nenhuma panfletagem. Cria personagens consistentes, especialmente um desse livro, que é um cara todo fodido, mas extremamente reflexivo, melancólico. O Joca consegue criar personagens inesperados, daqueles que você espera uma coisa, e ele cria outra. Ao mesmo tempo, tem as vozes dos bois — baseado em um poema do Drummond, ‘Um Boi Vê os Homens’. Aí você se enxerga, enquanto humano, como uma coisa horrível e destrutiva. Mas ele consegue fazer isso narrativamente, sem nunca ser explícito nem panfletário.” Noemi Jaffe é escritora e sócia da Escrevedeira, autora de “Lili: Novela de um luto” (Companhia das Letras, 2021). (depoimento a Ana Elisa Faria)


Patrícia Campos Mello indica “O Homem não Existe – Masculinidade, Desejo e Ficção” (Zahar, 2024), de Ligia Gonçalves Diniz

 Foto: Arquivo pessoal

“É genial — combina erudição com um humor sarcástico para dissecar a psique do homem contemporâneo. Recorrendo a referências psicanalíticas e literárias, inclusive de personagens masculinos icônicos, é um livro precioso que parte do ponto de vista da mulher para analisar as idiossincrasias dos homens. Patrícia Campos Mello é repórter especial da Folha de S.Paulo, autora de “A máquina do ódio” (Companhia das Letras, 2020). (depoimento a Flávia Mantovani)


Evandro Cruz Silva indica “Os Profetas” (Companhia das Letras, 2023), de Robert Jones Jr.

 Foto: Divulgação

“Romance de estreia do americano Robert Jones Jr., ‘Os Profetas’ é um épico transcendental centrado num casal queer formado por dois homens pretos e escravizados do século 19 americano. Pra além dos temas, a linguagem de Jones Jr. é uma novidade num mercado dominado pelo realismo literário. O autor não tem medo de misturar camadas de realidade, onirismos e descrições densas. É uma dica e tanto para levar nessa FLIP.” Evandro Cruz Silva é sociólogo e escritor, autor de “O embranquecimento“(Patuá, 2024). (depoimento a Flávia Mantovani)


Flora Thomson-DeVeaux indica “Nostalgias Canibais” (Âyiné, 2024), de Odorico Leal

 Foto: Arquivo pessoal

“Foi uma boa surpresa nos últimos tempos — sobretudo o primeiro conto do livro, que faz o equivalente linguístico de uma daquelas sequências acrobáticas surreais na ginástica olímpica. Enquanto o protagonista de ‘Paraíso Canibal’ viaja ao longo dos séculos, a linguagem do conto viaja junto com ele, evoluindo de forma sutil mas marcada do português do padre Vieira para a língua de agora há pouquinho. Tiro meu chapéu para o colega (Odorico, antes de estrear como contista, traduziu Frederick Douglass, Joseph Brodsky, Toni Morrison, um monte de gente boa). Color me impressed.” Flora Thomson-DeVeaux é tradutora e diretora de pesquisa da Rádio Novelo. (depoimento a Ana Elisa Faria)


Stephanie Borges indica “O Desafio Poliamoroso” (Editora Elefante, 2022), de Brigitte Vasallo

 Foto: Gabriella Maria/@afroafeto

“O livro desconstrói ideias sobre a não monogamia que circulam nas redes sociais, dos embates de não monogamia versus monogamia. Primeiro, a autora faz uma contextualização histórica sobre como a monogamia está ligada ao sistema capitalista e ao controle do corpo das mulheres, e a não monogamia é um processo de tomada de consciência política e de autoconhecimento. Depois, ela fala das próprias experiências de descentralizar os relacionamentos sexuais e afetivos como as relações mais importantes da vida. A Brigitte Vasallo fala das relações não monogâmicas por um viés da ética. Ela traz um embasamento teórico interessante por meio da leitura de várias feministas de diferentes vertentes, do feminismo negro, do feminismo lésbico, e de pensadores anarquistas. E também segue por um caminho da experiência pessoal, dos aprendizados dela, de tentativa e erro.” Stephanie Borges é poeta e tradutora, autora de “Made of Dream” (Ugly Duckling Presse, 2023). (depoimento a Ana Elisa Faria)


Bruna Mitrano indica “Solitária” (Companhia das Letras, 2022), de Eliana Alves Cruz

 Foto: Thais Alvarenga

“É um livro que direciona os holofotes pro ‘quartinho’, aquele escondido, apartado. E mostra que ali existem histórias grandiosas, personagens complexos. Vidas que não se resumem à servidão, mas têm alegrias, tristezas, lutas, crises, reviravoltas. Eliana reflete sobre a violência de uma relação que tem origem escravocrata, sem pesar a mão na linguagem. A autora investe numa prosa fluida, não hermética, mas nada, nada simples. ‘Solitária’ traz muitas camadas de críticas. Não é um livro ingênuo, tampouco pessimista. Fala de superação sem descambar numa meritocracia barata. É lindo. É potente. É necessário.Bruna Mitrano é professora e poeta, autora de “Ninguém Quis Ver” (Companhia das Letras, 2023). (depoimento a Ana Elisa Faria)


Paulo Roberto Pires indica “O Embranquecimento” (Editora Patuá), de Evandro Cruz Silva

 Foto: Renato Parada

“‘O Embranquecimento’ é o romance de estreia de Evandro Cruz Silva. Nele, as discussões sobre raça e representatividade levantam mais dúvidas do que certezas a partir da história de Macária, primeira pessoa de sua família a ingressar, por cotas, na universidade. Especialista em história da arte, ela estuda obsessivamente “A redenção de Cam”, quadro que é das mais carregadas imagens do racismo no Brasil e lhe serve para explorar sua origem multirracial e, também, as configurações da família que cria à margem das convenções burguesas. Com mão firme, Evandro costura ideias complexas e emoções intensas num livro duro e desconcertante.Paulo Roberto Pires é jornalista e professor, editor da revista “Serrote”. (depoimento a Sarah Kelly)


Bianca Santana indica “As Pequenas Chances” (Todavia, 2023), de Natalia Timerman

 Foto: Renato Parada

“Um livro delicado sobre a relação pai e filha, cuidados necessários no final da vida, morte, luto, relações familiares, religiosidade, busca pelas origens. Temas que me interessam em uma costura literária belíssima.” Bianca Santana é jornalista e professora, autora de “Quando me Descobri Negra” (Fósforo, 2023). (depoimento a Flávia Mantovani)


Julia Dantas indica “Estela sem Deus” (Companhia das Letras, 2022), de Jeferson Tenório

 Foto: Davi Boaventura

“Embora o livro mais popular de Jeferson Tenório seja ‘O Avesso da Pele’, eu tenho um carinho especial por ‘Estela sem Deus’. Já estava ali a perícia narrativa que depois conquistou o Brasil inteiro: é impossível não se cativar pela narradora adolescente cheia de ideias originais e anseios filosóficos. A partir da mudança de cidade, Estela se vê imersa numa realidade marcada pela desigualdade social e precisa lidar com inevitáveis conflitos familiares. Uma prosa profunda, mas delicada, e uma personagem que nos acompanha por muito tempo depois da leitura.Julia Dantas é escritora, autora de “A Mulher de Dois Esqueletos” (Dublinense, 2024). (depoimento a Sarah Kelly)


Natalia Timerman indica “A Vida Secreta das Emoções” (Editora Âyiné, 2022), de Ilaria Gaspari

 Foto: Renato Parada

Ciúme, inveja, arrependimento, ansiedade, gratidão: essas são algumas das emoções sobre as quais Ilaria Gaspari se debruça em seu belíssimo “A vida secreta das emoções”. Para cada uma delas, a filósofa italiana empreende uma investigação que consegue ser ao mesmo tempo implicada e cristalina, filosófica e literária. Anedotas pessoais, excertos de livros clássicos e conceitos filosóficos se combinam em um sofisticado conjunto que nos leva a passear, com prazer e vertigem, pelo confins de nós mesmos. Natalia Timerman é psiquiatra, psicanalista e autora de “Copo Vazio” (Todavia, 2021) e “As Pequenas Chances” (Todavia, 2023). (depoimento a Amauri Terto)


Tiago Rogero indica “Disritmia” (Malê, 2022), de Ronald Linlcoln

 Foto: Divulgação

“Lançada em 2022, a obra é uma coletânea de contos que oferece, para mim, uma visão muito mais interessante e completa do Rio de Janeiro em todas as suas complexidades – para além do romantismo elitista dos ricos e absurdamente brancos bairros. Com beleza e dureza, numa narrativa tão encantadora quanto altiva, Lincoln (nascido e criado em uma favela carioca) inventa e relembra experiências contadas com maestria por um sensível contador de histórias atento aos detalhes e às humanidades.” Tiago Rogero é jornalista e autor de “Projeto Querino: Um olhar afrocentrado sobre a história do Brasil”(Fósforo, 2024). (depoimento a Amauri Terto)