Como se tornar um artista pop de sucesso — Gama Revista
Qual o futuro da música pop brasileira?
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Reportagem

Como se tornar um artista pop de sucesso

De Luísa Sonza a Ludmilla e Anitta, especialistas apontam os segredos de artistas do pop brasileiro para atrair milhões de fãs e ouvintes

Leonardo Neiva 01 de Outubro de 2023

Como se tornar um artista pop de sucesso

Leonardo Neiva 01 de Outubro de 2023
Isabela Durão

De Luísa Sonza a Ludmilla e Anitta, especialistas apontam os segredos de artistas do pop brasileiro para atrair milhões de fãs e ouvintes

Em agosto, Luísa Sonza ultrapassou 8,5 milhões de streams com o lançamento de seu disco “Escândalo Íntimo”, recorde de melhor estreia em 24 horas de um álbum no Spotify Brasil. Ela acabou ultrapassando por pouco o sucesso do cantor Jão com “SUPER!”, disco que saiu no mesmo mês. E, ainda em agosto, IZA alcançou o dia com maior número de reproduções da sua carreira no streaming, com o álbum “Afrodhit”, chegando a 2,7 milhões de streams.

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Mas o que explica o sucesso que cantores brasileiros pop têm alcançado dentro e fora do Brasil nos últimos anos, em alguns casos, comparável ao de grandes estrelas da música internacional? Seja Anitta, com a fama internacional desde o super-hit “Envolver”, primeiro no ranking global do Spotify por três dias seguidos, ou Ludmilla, primeira artista negra sul-americana a bater a marca de 2 bilhões de streams na plataforma, quais fatores levam alguns artistas no Brasil a alcançar milhões de fãs e bilhões de reproduções de suas músicas?

A seguir, especialistas no assunto destrincham aspectos da carreira de ícones da música brasileira contemporânea e apontam detalhes que explicam esses números astronômicos.

Aposte na brasilidade…

Em sua apresentação no último VMA, Anitta vestia um figurino parcialmente dominado pelo azul e amarelo da bandeira do Brasil. Além disso, eram visíveis, por trás dos passinhos tipicamente brasileiros de seus dançarinos, as pilhas de caixotes multicoloridos de cerveja cuidadosamente posicionados, remetendo ao ambiente de qualquer boteco ou festa informal em solo nacional.

Anitta se apresentou em meio a uma série de símbolos da brasilidade no último VMA

São características como essas que o pesquisador cultural e doutor em comunicação Rodolfo Viana aponta como aspectos que compõem as constantes referências que a cantora traz do Brasil em seu projeto de dominação das paradas mundiais — e que inclui, naturalmente, sua música. “A Anitta é um produto muito inovador para a indústria latino-americana porque ela se apropria bastante dessas brasilidades, diferentes das outras sonoridades da América Latina, como o reggaeton, mas conversando com ele”, afirma.

Estamos vivendo um outro momento das expressões periféricas brasileiras, uma explosão de potências estéticas muito criativas

Esses elementos, segundo ele, se encontram na dança, nas roupas e nas expressões sonoras, com um funk eletrônico que se mescla ao samba e à bossa nova. Todos clichês brasileiros lá fora, principalmente de origem no Sudeste, mas que chegam numa versão diferente, rejuvenescida. “Estamos vivendo um outro momento das expressões periféricas brasileiras, uma explosão de potências estéticas muito criativas”, considera o pesquisador. É a combinação entre esses vários elementos que ajuda a dar o tom do novo pop nacional, com o gênero como um mediador entre os vários estilos.

Para a cientista social e doutora em comunicação e cultura Simone de Sá, pode parecer que esse patriotismo constante bate de frente com a própria noção do pop, que é ser um movimento amplo, sem território definido. Mas clipes como “Rainha da Favela”, de Ludmilla, que se passa em cenários reconhecíveis da Rocinha, ou “Girl From Rio”, em que Anitta parte da bossa nova da “Garota de Ipanema”, também retratam vivências do cotidiano no Rio identificáveis tanto para os cariocas quanto para plateias do exterior. “Não é tão caricato assim, por mais que ela [Anitta] tenha sido acusada disso. Em geral, o pop periférico faz essas afirmações de territórios”, afirma Sá, que coordena o Laboratório de Pesquisa em Culturas e Tecnologias da Comunicação, na Universidade Federal Fluminense (UFF).

…mas de olho nas divas internacionais

“Oh, recalcada! Escuta o papo da Beyonce”. Talvez o público mais jovem não se lembre da MC Beyonce, mas são poucos os que não conhecem Ludmilla. Pois foi com o nome artístico em homenagem à grande diva americana que ela iniciou sua carreira musical e lançou inclusive um de seus primeiros hits, o funk “Fala Mal de Mim”, lá de 2012.

Para Sá, essa inspiração em algumas das maiores representantes do pop estrangeiro, como a própria Beyoncé, Madonna ou Cher, explica parte do sucesso estrondoso do pop nacional e até a nomenclatura do gênero por aqui. “Isso faz com que elas invistam nesse tipo de performance, com dançarinos, coreografias e shows bastante inspirados no que se vê lá fora, o que é essencial para dar um lugar a elas na cultura pop”, aponta.

Jão é outro grande exemplo da atual geração de artistas pop que entenderam esse novo mercado, diz Luís Felipe Couto, empresário artístico e especialista em marketing musical. Para ele, tanto o artista quanto sua equipe sabem a importância de realizar shows grandiosos e de qualidade para criar uma maior conexão com seu público. “Foi muito bonito ver o último dia do The Town, com o Jão entregando para o Bruno Mars. Aí a gente começa a entender a importância dessa cena pop jovem”, aponta.

Curiosamente, na visão de Sá, Ludmilla foi uma das cantoras nacionais que levaram mais tempo para reivindicar seu lugar no panteão das divas pop, com figurinos e produções caprichadas, como as das colegas Anitta e IZA. “A IZA ainda me parece ter chegado mais pronta para essa ideia midiática, explorando desde o início essas coreografias e performances nos shows, importantes para esse gênero musical.”

Hoje, elas e outros nomes a exemplo de Luísa Sonza vêm se firmando como “epicentros estéticos” a partir de referências do pop americano, bebendo de estéticas que trazem a mulher e o poder feminino no centro, segundo Viana. “A gente olha para trás e o funk já está cheio de clássicos, com novas gerações reverenciando esse passado”, diz o pesquisador.

Misture gêneros sem dó

No single “Girl From Rio”, Anitta começa na bossa nova; IZA tem uma forte influência do reggae; Luísa Sonza usa referências da MPB, como Chico Buarque e Caetano Veloso, na malfadada declaração de amor para o ex, “Chico”; e os álbuns “Numanice” de Ludmilla partem para o pagode. Tudo isso quase sempre calcado nas muitas vertentes do funk.

“A gente consegue identificar na atual linhagem do funk o forró de galeroso, que é do Norte, o tecnobrega, do Pará, o piseiro, da Bahia, e outras trocas que vão acontecendo com expressões como o lambadão cuiabano”, destaca Viana. E é em cima desses muitos intercâmbios entre ritmos e origens que boa parte das atuais divas do pop brasileiro vêm se construindo. “A Ludmilla tem trocas com a África; a Anitta nessa última apresentação [no VMA] se aproxima do k-pop. São as periferias do mundo trocando e misturando suas expressões.”

A música pop é, por definição, uma mistura de diferentes gêneros. Esse é o segredo para falar com várias tribos e se tornar popular

“A música pop é, por definição, uma mistura de diferentes gêneros. Esse é o segredo para falar com várias tribos e se tornar popular”, afirma o CEO da Milk Music, agência de marketing musical, Bruno Martins. O mesmo cálculo, segundo ele, vale para os inúmeros feats e participações em músicas de artistas do sertanejo, MPB, rap, folk e por aí vai. O fácil acesso à música nos streamings estaria criando ouvintes com gostos bastante ecléticos, o que explica esse tipo de estratégia, segundo Martins.

Couto usa como exemplo a parceria entre Emicida, Pabllo e Majur na canção AmarElo, que faz um sample de “Sujeito de Sorte”, de Belchior. “É a junção desses mundos. O hip hop, que hoje é um lugar de protesto como foi o rock lá atrás, mas que entende que o pop é importante para ampliar esse lugar de fala”, explica.

Quando o Emicida se junta com a Pabllo e Majur pra regravar Belchior, “Sujeito de Sorte”, já é um pouco a junção desses mundos: o hip hop, que hoje é lugar de protesto como foi o rock lá atrás, mas entendendo que o pop é importante para ampliar esse lugar de fala.

É justamente essa pluralidade que faz do pop nacional um movimento tão interessante, de acordo com a pesquisadora da UFF Simone de Sá. “Tem muita gente vindo de outros lugares, mas com essa veia pop de falar sempre com um público mais amplo. Luísa Sonza e Pabllo estão mais ou menos na mesma faixa de público, mas com propostas e construções identitárias muito diferentes.”

Um fandom engajado é tudo

Como bem disse a modelo e apresentadora Nicole Bahls, “não existe artista sem fã, assim como não existe médico sem paciente”. Os maiores cantores pop do Brasil certamente tendem a concordar com a ex-participante de A Fazenda. E, se antes esse contato acontecia apenas em shows e aparições públicas, hoje ele é muito mais frequente e próximo pelas redes sociais.

“É possível ser muito criativo no contato e manutenção do seu fã-clube”, segundo Martins. “Todos esses nomes possuem uma base de fãs extremamente engajada e fiel.” Como exemplo, cita uma artista, cujo nome prefere não revelar, que permaneceu por mais de um mês com uma música no Top 50 Brasil do Spotify. “O número de ouvintes mensais não era usual para um artista no chart. O motivo? Ela tem um fã-clube super engajado, que escuta suas músicas numa frequência maior do que o ouvinte médio.”

Não é segredo para ninguém que o hit “Envolver”, de Anitta, ganhou um impulso importante dos fãs brasileiros para passar três dias seguidos reinando no topo do Spotify global. Além disso, muitas premiações nacionais e internacionais dependem da dedicação do público — e, mais especificamente, dos fãs de suas estrelas — para definir seus vencedores.

Com o objetivo de atingir e engajar os fãs on-line, as estratégias são muitas, desde conteúdos e ações dedicados exclusivamente a eles até projetos pensados com foco nas redes ou para se tornar trends. Na visão de Rodolfo Viana, é o caso de um projeto como o “Lud Sessions”, em que Ludmilla faz medleys com artistas como Gloria Groove e Luísa Sonza, numa série de gravações curtas que “cabem num vídeo de TikTok”.

As Lud Sessions, em que Ludmilla faz um medley de vários sucessos ao lado de outros artistas, é um exemplo de conteúdo pensado para as redes

Use os problemas pessoais a seu favor

No centro de uma das últimas e maiores polêmicas envolvendo as divas pop da música brasileira, Luísa Sonza chegou a ser acusada de construir a polêmica em torno do fim do namoro visando impulsionar as vendas do novo álbum. Após uma aparição no programa “Mais Você”, ao lado de Ana Maria Braga, em que a cantora fez um longo desabafo sobre a traição do ex-namorado, Chico Moedas, o colunista do site Splash, Lucas Pasin, definiu a aparição como “uma grande jogada de marketing”.

Para Sá, trata-se do outro lado da moeda na relação do artista pop com os fãs. “É fruto da cultura digital essa demanda constante por presença. Todos os dias tem que postar algo para os fãs, de preferência uma coisa controversa, que crie engajamento e dê visibilidade”, afirma a pesquisadora da UFF.

Na visão de Viana, essa sede do público por detalhes da vida pessoal de seus ídolos vem de longuíssima data e pode até se misturar com suas músicas. “São narrativas diluídas nas redes, sites e jornais que oferecem as mesmas coisas que filmes e séries: dilemas, separações, dramas, plot twists e intrigas, que é o que nos interessa em qualquer narrativa”, resume.

Claro que o cantor não precisa explorar a vida pessoal para fazer sucesso, mas muitos acabam usando isso como estratégia para permanecer nas manchetes, se defender ou conduzir uma outra narrativa de si mesmos, diz o pesquisador. Embora seja difícil dizer se algo da separação bastante pública de Luísa e Chico foi planejado com essa finalidade, o fato é que as buscas pela música que leva o nome do ex da cantora mais do que duplicaram com a polêmica.

Protagonista de um longo desabafo sobre a traição e o fim do relacionamento com Chico Moedas, Luísa Sonza chegou a ser acusada de fazer marketing a partir de um drama pessoal

Foca no bumbum

Você já deve ter ouvido alguma vez na vida reclamações sobre como funk “só fala de sexo” e outras declarações nesse sentido. Segundo a doutora em comunicação Dalila Maria Belmiro, no entanto, é justamente ao performar sua sexualidade, seja nas músicas ou apresentações, que muitas dessas artistas conseguem mexer com o status quo e a dinâmica de poder existente.

“Isso quebra a ideia da mulher restrita a esse ambiente doméstico, bela, recatada e do lar, que deve conter suas emoções. É o que fazem as cantoras que estão redefinindo o pop nacional”, aponta. Autora de uma tese de doutorado sobre a construção da mulher negra na carreira de Ludmilla — notada, aliás, pela própria artista —, Belmiro acredita que a sexualidade é um dos fatores importantes que constróem o sucesso dessas cantoras e ampliam seu impacto e ressonância.

E, para quem pensa que a tendência se restringe à música brasileira, na verdade ela vem de muito tempo atrás, passando pela exploração do próprio corpo e sexualidade que fizeram e ainda fazem ícones internacionais como Madonna. É o que explica a pesquisadora Simone de Sá. “Assino embaixo da ideia de que são mulheres explorando os próprios corpos, falando de si. A bunda da Anitta é dela, ela faz o que quer.”

Quebre paradigmas e posicione-se

A sexualidade integra uma série de fatores que potencializam as vozes de várias dessas artistas e criam novos repertórios do que significa ser mulher, negra, LGBTQIA+ e da periferia, de acordo com Belmiro. “A gente quer construir imagens mais autônomas, de mulheres negras que escrevem a própria história, da fama e performance como direito e lugar de construção discursiva”, declara. Ludmilla, por exemplo, sempre foi cobrada por posicionamentos mais claros e firmes sobre política e questões raciais.

“Ela foi aprendendo a lidar com isso, as nuances do racismo nessa constituição de celebridade, fazendo cirurgias plásticas para tentar amenizar traços negroides. Depois, chegou a dizer que operou o nariz para tentar se encaixar num padrão”, conta a comunicadora. Nas últimas eleições, Ludmilla declarou o voto em Lula para a Presidência. Também tem falado mais e com maior frequência sobre questões como raça, gênero e sexualidade.

A gente quer construir imagens mais autônomas, de mulheres negras que escrevem a própria história, da fama e performance como direito e lugar de construção discursiva

Apesar da importância do posicionamento político e social, Sá aponta o problema em fãs que passam a se achar cada vez mais donos dos ídolos, sensíveis a qualquer fala que não os agrade. Recentemente, o cantor Jão fez um desabafo em suas redes sociais sobre essas cobranças: “Quando beijo uma mulher, quero esconder minha sexualidade. Quando é homem, tô querendo chamar atenção. (…) Vou continuar expressando minha sexualidade do jeito que eu quiser e tiver confortável.”

Nessa mesma linha, Belmiro compara o artista a um produto sobre o qual as pessoas demandam cada vez mais, como a origem dos materiais ou a necessidade de uma produção mais sustentável. “Além de ter talento, precisa ter uma imagem e reputação alinhadas a quem ela é, o empreendimento de si”, considera a especialista. “O processo de celebrização é um processo de conexão, de criação de um eu que o outro gostaria de ser, que ele admira. A partir dessa conexão, ele estabelece uma relação de confiança com essa celebridade.”