Mariza Tavares: "A mulher que entra na menopausa é a primeira a sofrer etarismo"
A jornalista e escritora com pesquisa em longevidade fala sobre a invisibilidade das mulheres mais velhas e diz que o preconceito com idade anda junto com o machismo
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Mariza Tavares: “A mulher que entra na menopausa é a primeira a sofrer etarismo”
A jornalista e escritora com pesquisa em longevidade fala sobre a invisibilidade das mulheres mais velhas e diz que o preconceito com idade anda junto com o machismo
A desigualdade de gênero no mercado de trabalho é uma realidade desde o primeiro estágio que marca a estreia de uma jovem profissional. Mas o abismo entre o que essa mulher quer e o que ela pode ter aumenta ainda mais quando ela envelhece e atinge a menopausa. Além de ser machista, o mercado de trabalho é profundamente etarista. “É tudo junto e misturado”, afirma a Gama Mariza Tavares, jornalista, autora do blog “Longevidade: Modo de usar”, no G1.
Com dois livros publicados sore o tema, “Menopausa: O momento de fazer as escolhas certas para o resto de sua vida” (Contexto, 2022) e “Longevidade no Cotidiano” (idem, 2020), Tavares narra um cenário amedrontador para quem envelhece profissionalmente ativo, em que a mulher, quando chega à chefia, é cobrada por performance e por uma certa “doçura”. “Somos cobradas para sermos profissionais espetaculares, mas ao mesmo tempo — olha que engraçado— para sermos ‘doces’. Hello! Você pode chefiar uma equipe, mas você tem que ser sempre fofinha?”
Ela lembra que as maiores conquistas contra o preconceito vêm do ativismo. “Não temos uma grande frente de velhos, mas temos que botar o dedo na ferida.” O que ela descreve é a jornada sem fim de mulheres que se dedicam a empresas e são também cuidadoras, muitas vezes dos filhos, dos pais e até dos companheiros.
Mas talvez o pior a ser enfrentado pela mulher que atinge a menopausa, é a perda da sua voz. Ela passa a ser invisibilidazada dentro do ambiente profissional, o que ela fala não é ouvido e, quando a ideia é boa, alguém mais leva o mérito. “Ela vai ficando ali, até virar móveis e utensílios da empresa”, diz Tavares.
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Mas a jornalista, que foi diretora-executiva da Rádio CBN por mais de uma década e participa do conselho editorial da Agência Lupa, se diz otimista, afinal, o grupo de velhos do Brasil é “um mercadaço” e ninguém para entendê-los melhor que seus iguais. Ela sugere um antídoto para quem quer manter-se no jogo: ser relevante. Ela diz que é preciso “preparar” uma caixa de ferramentas com as principais habilidades e lembra que muita gente acha que só sabe fazer uma coisa, aquilo para o que foi preparado por uma gradução, ou que fez a vida inteira. “Mas nós temos muitas habilidades. É importante saber usar todas elas e fazer um esforço para ser relevante”, afirma na entrevista que você lê abaixo.
O mercado de trabalho ignora as mais velhas e continua exigindo que a mulher seja uma espécie de super-heroína
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G |A mulher mais velha é mais invisível para o mercado de trabalho que o homem mais velho?
Mariza Tavares |A mulher mais velha é invisível para todos. Eu costumo dizer que ela vira personagem de Guimarães Rosa, um ser encantado. O primeiro grupo a sofrer etarismo é o das mulheres que entram na menopausa. Os sintomas podem se manifestar em mulheres muito jovens, até aos 40, que é uma pré-menopausa, e isso já vai fazer com que se crie uma instabilidade para elas no ambiente de trabalho. Uma mulher que vai ser apontada como velha, que está tendo ondas de calor e fica toda suada numa reunião, faz com que pessoas muito jovens, com 30 anos, façam botox e outras intervenções preventivamente. Vejo isso com muita tristeza.
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G |Querer parecer mais jovem é um reflexo do desprezo do mercado também? O que mais ele exige dessas mulheres?
MT |A máquina continua moendo as carnes jovens e as carnes não tão jovens. Todo mundo quer ficar ali entre os 25 e 30 anos, encantados nessa faixa etária. O trabalho ignora as mais velhas e continua exigindo que a mulher seja uma espécie de super-heroína. Na faixa de 40, 45 anos, com filhos, algumas até tem netos, tem que ser uma ótima mãe, uma ótima profissional, tem que lidar com mudanças hormonais da menopausa, pode estar acabando o casamento e começando outro. Ela está ali, fazendo 500 coisas ao mesmo tempo. Essa invisibilidade é muito ruim porque o mercado de trabalho acaba perdendo uma mão de obra valiosa porque ela não está “performando da mesma forma que alguém mais jovem”. Essa experiência toda é jogada fora. Do ponto de vista corporativo — e eu fui diretora de uma empresa durante 12 anos —, essa é uma estupidez absurda: você joga fora uma pessoa que já está formada e preparada. Tem uma outra realidade também: as mulheres chefiam mais de 50% dos lares no Brasil e, a cada dez mulheres chefes de família, seis são negras. E isso também é invisibilizado. É uma mão de obra que ganha menos fazendo multitarefa. Acorda às 4h para preparar comida e arrumar a casa, tem que monitorar os filhos, que muitas vezes ficam por sua conta, e essa mulher ganha menos, não guarda dinheiro e se prepara para uma velhice ruim e precária e que vai ser mais longa, porque nós mulheres vivemos em média sete anos a mais que os homens no Brasil.
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G |Você vê alguma mudança para isso no horizonte?
MT |Eu vejo muita briga pela frente. Temos que brigar por salários iguais e parar com a “síndrome da estrela no boletim”. Esse termo eu criei depois de conversar várias vezes com repórteres que nunca pediam aumento, elas achavam que a chefia ia notar o quanto elas estavam se esforçando. Aí eu digo: você tá esperando o quê? Uma estrelinha no boletim? Eu já tive muito mais homens, até não tão competentes, entrando na minha sala pedindo aumento do que mulheres. A gente tem um pudor, uma coisa de “vai pegar mal”, “eu vou correr o risco de ser mal interpretada”, até medo de perder o emprego. Somos cobradas para sermos profissionais espetaculares, mas ao mesmo tempo — olha que engraçado— para sermos “doces”. Hello! Você pode chefiar uma equipe, mas você tem que ser sempre fofinha? Ainda se espera que a mulher seja tudo isso, sem contar ainda ser uma arma de sedução, bem produzida o tempo inteiro, e que não perca um fundo de submissão. Se você vai numa reunião com outros diretores e alguém começa a falar em cima de você, a resposta tem que ser: “olha só, eu vou falar, você fica quieto até eu acabar de expor meu ponto de vista”. É duro se uma mulher falar isso. Agora, homens em cargo de chefia falam isso o tempo todo e é considerada uma coisa natural. Temos muito a buscar e nós, que temos voz, precisamos passar isso para as meninas, para que elas não tenham medo. E também para os meninos, para os filhos, os amigos dos filhos, ou o mundo fica muito pior. Estudos mostram que uma diretoria com mais mulheres vai ter compliance melhor, vai dar mais lucro, vai ter mais empatia. Uma das piores armadilhas com uma mulher que ascende profissionalmente é ela mimetizar o comportamento do homem, que não dá espaço para ninguém, que acha que mulher não pode engravidar. Você não valoriza toda aquela mão de obra com tudo que ela tem para oferecer. Precisamos de mais empresas com mais mulheres nas diretorias. Mesmo as executivas bem sucedidas, muitas têm um problema complicadíssimo para resolver, a começar com ter filhos ou não ter. Como cuidar da família? O marido para de trabalhar? É ele que vai cuidar dos filhos para ela ser uma profissional bem sucedida? As empresas não dão suporte para as mulheres. Tem um nível de precarização de trabalho tão grande que atinge homens e mulheres mais jovens. Dentro dessa precarização, eu acho que a mulher acaba sendo a mais atingida porque é ela que vai cuidar dos filhos. Na pandemia, as pessoas saíram dos seus trabalhos. Quem demorou mais para voltar? As mulheres. Muitas até gostavam porque já que você faz multitarefas é melhor você estar em casa. Gente do mercado financeiro também acha bacana, mas isso é às custas de mais trabalho. O problema é que a mulher não passou a trabalhar menos, a equilibrar; ela aprendeu a fazer mais coisas, a acumular. Ela fica que nem um banco 30 horas.
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G |A mulher mais nova pode sofrer preconceitos porque é mãe; a mais velha é invisível, ultrapassada. Qual seria a idade ótima da mulher no mercado de trabalho? Ela é mais curta que a de um homem?
MT |A idade ótima para uma mulher são todas. Agora, se você olhar do ponto de vista do empregador patriarcal, que não consegue enxergar nada além do curtíssimo prazo, talvez seja aquela que ainda não está pensando em ter filho. E que vai trabalhar 12 horas por dia e não vai reclamar.
A invisibilidade opera tirando a voz da pessoa: se ela diz algo e um jovem fala depois, a autoria e o mérito são dele
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G |Como ocorre essa invisibilidade? É de uma hora para a outra?
MT |A mulher vai perdendo a voz. A mulher mais jovem que está entrando no mercado cheia de gás nem se dá conta de que está num ambiente hostil. Não tem experiência para sacar quando recebe elogio porque está bonita e não porque é eficiente. Ou ela também não vai ligar para isso, ou vai fingir que não ouviu. Ao passo que se a mulher vai ficando mais velha, ela pode ser vítima inclusive de mulheres mais jovens. “Só vive mal humorada, reclama muito, ai que tiazona insuportável.” Falta muita sororidade. Tem lugares que são máquinas de moer carne e neles a invisibilidade opera tirando a voz da pessoa: se ela diz algo e um jovem fala depois, a autoria e o mérito são dele e ela vai vai ficando irrelevante até se sentir meio móveis e utensílios daquela empresa. E, aí, o que sobra? Fazer das tripas coração, botar um facão na cintura e ir para a selva disposta a matar ou morrer, embora já não seja uma fase em que se está querendo fazer esse tipo de coisa para mostrar que você tem sangue nos olhos. Ou, ainda, vai tentar fazer outra coisa da vida. Muita gente passa a empreender, mas aí tem outra questão: o investimento para empreendedoras mulheres no Brasil também não é fácil.
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G |Estamos discutindo mais etarismo e o Brasil é um país que está envelhecendo. Acha que há chance do etarismo cair? Somos mais machistas ou mais etaristas? Ou as duas coisas andam juntas?
MT |É tudo junto e misturado, mas eu acho que o etarismo vem primeiro. Temos que botar o dedo na ferida: somos etaristas e temos que denunciar, assim como a gente tem feito com o racismo e a homofobia. Todas essas coisas foram grupos que se articularam, mas não tem uma grande frente dos velhos. Hoje, o comum é infantilizar o velho. E tem uma outra coisa que tem a ver com gênero: as mulheres jovens são demitidas porque vão faltar porque o filho vai ficar doente, mas as mulheres de 40 a 50 anos são cuidadoras de pais ou dos parceiros que também estão com problemas e elas vão faltar ao trabalho. Olha aqui como o negócio é complicado: conseguimos passar a primeira espiral dos filhos e aí chegamos a essa outra. A mulher é a única cuidadora numa época em que ela está no auge da carreira, talvez ganhando mais do que ela jamais ganhou ou vai voltar a ganhar. E, ainda assim, ela tem que cuidar. Tem gente que deixa a carreira para cuidar e, quando o ente querido morre, fica completamente fora do mercado de trabalho. Essa é mais invisível ainda. Fica deprimida, ao cuidar, que é um trabalho que drena, e tem mais 20 ou 30 anos pela frente numa situação ainda mais precária do que aquelas que continuaram trabalhando. A economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Ana Amélia Camarano tem uma uma tese ótima sobre o cuidador ser remunerado, de isso ser reconhecido como trabalho. Mas, assim como não se remunera o trabalho da dona de casa, também não se paga a cuidadora que é da família. Então são muitas as invisibilidades.
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G |O que a diversidade de idade pode trazer para o mercado de trabalho?
MT |Para começar, temos cinco gerações convivendo no mercado de trabalho, desde a garotada dos 20 até os acima de 80. E aí você tem vários saberes que se somam. Não precisa reinventar a roda sempre, podemos usar a experiência dos que têm senioridade, que podem dizer “já fizemos esse caminho”. Mas você tem uma garotada nova com todo aquele gás e com uma compreensão de tecnologia muito mais aguçada. Esse seria o melhor blend do mundo. Outra possibilidade é a empresa usar esse profissional com 50, 60 anos, se aproximando de se aposentar, como coach dos mais jovens. Seria uma forma de não ficar na rotina pesada, mas ainda assim de contribuir com tudo o que você aprendeu. Na prática, estamos indo no caminho inverso, vamos todos conversar com muitos robôs quando tentarmos resolver um problema numa empresa.
É preciso fazer um esforço para se manter relevante., tentar juntar na sua cesta mais de uma coisa que faz bem
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G |O mercado está perdendo por preconceito?
MT |Se o mundo está envelhecendo, as empresas têm que ficar antenadas porque têm um público para tratar bem, o dos 50, que não se sente reconhecido ou confortável. Eu sei exatamente que utensílios de cozinha eu gostaria de ter, quando eu não consigo abrir uma lata ou coisas assim, e quem é que está me atendendo? As empresas ganhariam enormemente se usassem a experiência dessas pessoas que sabem o que querem e que são bombardeadas com um monte de porcaria porque quem fez tem 25 anos e não sabe ainda. Já ouvi que as coisas são intuitivas, mas nem tudo é. O Reino Unido tem feito muitas coisas boas, eles têm grupos de estudos ótimos para tornar as lojas mais amigáveis para esse público, como um caixa lento, em que você pode papear, não precisa sair correndo.
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G |Você tem um livro de 2022 cujo título é “Menopausa: o momento de fazer as escolhas certas para o resto da sua vida”. Acha que as mulheres estão cientes disso? Conseguem aproveitar esse momento?
MT |O número de influenciadoras dessa faixa de menopausa explodiu. É muita gente dizendo “eu sinto calor”, “eu não tenho as mesmas medidas”, “vou usar cabelo comprido”, “não vou pintar mais o cabelo”. São discussões que não existiam. Se você olhar dez anos atrás, esse mulherio estava todo quieto, pintando o cabelo de louro, fingindo aqui, fazendo uma plástica ali. E agora todo mundo fala. Curso para ressignificar a menopausa é o que não falta no mercado. Tem muita coisa complicada, difícil, mas como qualquer fase com coisas boas: você fica mais à vontade consigo mesma, aprende a dizer não. Você vai cortando o que não quer e a sua vida fica mais leve, você vai jogando fora os encostos. Já carregamos muita coisa.
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G |Que conselho você dá, baseado nessa sua pesquisa, para as mulheres que querem se manter ativas no mercado de trabalho e chegam a este momento?
MT |Você tem que fazer um esforço para se manter relevante. Tem que tentar juntar na sua cesta mais de uma coisa que faz bem. A soma delas vai fazer com que você seja uma profissional interessante. Para envelhecer bem, eu gosto muito do que diz o centro de longevidade da Universidade de Stanford: você tem que se manter com uma aptidão física boa, então, pelo amor de Deus não vai afundar no sofá, porque não vai fazer bem para você, que vai ficar inflamada de cima abaixo; você tem que se manter afiada, ou seja, aprender o tempo todo, ser curiosa sobre as novas coisas que estão acontecendo porque a chance de ficar para trás é muito grande, a fila é enorme e tem um bafinho no seu cangote; e você tem que ter segurança financeira, ou seja, tem que aprender a poupar, outra grande dificuldade das mulheres. Elas têm dificuldade para pedir aumento e para guardar dinheiro, porque parece que elas estão sendo egoístas, elas querem fazer as coisas para os filhos, para todos. Esse conjunto vai ser cada vez mais importante e é preciso montar uma caixa de ferramentas.
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CAPA Por que as mulheres trabalham tanto?
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1Conversas Mariza Tavares: "A mulher que entra na menopausa é a primeira a sofrer etarismo"
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2Reportagem A Inteligência Artificial vai roubar os empregos das mulheres?
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3Podcast da semana Alessandra Montagne: "Muita coisa deu errado antes de eu chegar até aqui"
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45 dicas Como mostrar suas qualidades no trabalho
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5Bloco de notas Podcasts sobre mulheres e mercado de trabalho