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ReportagemComo voltar a ter desejo durante a perimenopausa?
A falta de libido, sintoma comum da fase que antecede a menopausa, tem solução: acesso a um tratamento adequado, mudança do estilo de vida e redescoberta da sexualidade
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Como voltar a ter desejo durante a perimenopausa?
A falta de libido, sintoma comum da fase que antecede a menopausa, tem solução: acesso a um tratamento adequado, mudança do estilo de vida e redescoberta da sexualidade
O desejo sexual, sobretudo o feminino, pode ser percebido como a chama de uma vela ou como as ondas do mar. Às vezes, está alto e intenso; em outras ocasiões, fica sutil, quase imperceptível, bem apagadinho, uma marolinha. Na perimenopausa, período de transição para a menopausa que, em geral, começa a partir dos 40 e pode durar até oito anos, o apetite para o sexo oscila bastante: reacende em alguns momentos ou mingua com as mudanças hormonais típicas da fase.
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Mas o tesão não se apaga por completo. Ele apenas se transforma. O que antes era espontâneo pode se tornar uma descoberta consciente, um reencontro com o próprio corpo e com a sexualidade. Isso porque muitas mulheres sentem uma queda significativa da libido, acompanhada de mudanças emocionais e físicas que impactam a vida sexual.
Essa temporada de altos e baixos, no entanto, definitivamente não deve significar o fim do prazer nem ser vista como tabu — apesar de ainda ser e, ao mesmo tempo, essa visão estar mudando. O que fazer, então, para minimizar os efeitos da pré-menopausa sobre o desejo?
De acordo com especialistas consultadas pela Gama, um conjunto de medidas que incluem conhecimento, diálogo, acesso a tratamentos adequados, prática de exercícios, alimentação equilibrada e noites bem-dormidas.
Cadê o desejo que estava aqui? A perimenopausa comeu
Joele Lerípio, ginecologista focada no atendimento de mulheres no climatério e na menopausa, com pós-graduação em fisiologia do envelhecimento, explica que a perimenopausa apresenta uma série de sintomas que afetam o bem-estar, como alteração no sono, ansiedade, sensação de angústia, névoa mental, ressecamento e atrofia da vagina, ondas de calor, irritabilidade e falta de vontade de realizar atividades comuns do dia a dia.
“Essas ocorrências implicam diretamente o desejo sexual, que está relacionado à baixa hormonal [de testosterona e progesterona e estrogênio, por exemplo] e a uma queda de dopamina, neurotransmissor que nos traz a sensação de prazer”, diz.
Às vezes, essa mulher está em um relacionamento de longo prazo, em que o desejo espontâneo já está diminuído
A relação entre desejo e bem-estar também é enfatizada pela psicóloga e terapeuta sexual Ana Canosa. Segundo ela, muitas mulheres não identificam a queda da libido imediatamente, pois estão inseridas em rotinas exaustivas que, de cara, comprometem a vontade de transar. “Se a mulher está cansada, sobrecarregada e sem tempo para o autocuidado, a perda da libido se dilui nesses outros fatores. Às vezes, essa mulher está em um relacionamento de longo prazo, em que o desejo espontâneo já está diminuído. Então, ela não percebe tanto essa alteração”, afirma.
Outro ponto essencial que ajuda a acentuar o desânimo para o sexo é a secura vaginal, resultado da diminuição nos níveis de estrogênio, o que compromete a lubrificação natural da área.
A psiquiatra e professora Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos da Sexualidade da Universidade de São Paulo, comenta que o desconforto durante a relação pode levar a um ciclo de evitação do ato sexual. “O ressecamento leva a um atrito desagradável entre a parede da vagina e o pênis. Dói e, ao doer, a mulher, naturalmente, vai passar a evitar as próximas transas.”
A notícia positiva é que há tratamento para essa queixa, como hidratantes íntimos, laser, ultrassom, fisioterapia pélvica e reposição hormonal, saídas que auxiliam na restauração da saúde vaginal e na recuperação da capacidade lubrificante. “Assim, a paciente passa a se sentir mais confortável e volta a ter prazer na atividade sexual”, fala.
O ressecamento [vaginal] leva a um atrito desagradável. E, ao doer, a mulher vai passar a evitar as próximas transas
Abdo frisa, entretanto, que mesmo com o problema da pele ressecada resolvido, não é possível querer sexo se o desejo estiver ausente. A médica lembra que, na perimenopausa, há um grande número de mulheres que ficam deprimidas e nem pensam em transar. “É importante saber se existe ou não um processo depressivo, que pode acontecer em função desse novo momento, para o qual a mulher não está adaptada ou, mais do que isso, ela não aceita.”
Todo esse cenário pode vir junto de conflitos com a parceria, com os filhos e no trabalho, circunstâncias que podem tornar o quadro mais sério. “Antes de mais nada, é preciso tratar a depressão para depois poder usufruir de um sexo com satisfação”, enfatiza.
Reposição hormonal + mudança no estilo de vida
Para abrandar os sintomas da perimenopausa, esse momento em que os hormônios parecem estar em uma montanha-russa, ora lá em cima, ora lá embaixo, a reposição hormonal é um dos tratamentos mais eficazes. “Todas nós somos candidatas à terapia de reposição hormonal [TRH], com exceção das mulheres que tenham alguma contraindicação. Nesses casos, há alternativas, como a fitoterapia”, ensina a dra. Joele Lerípio.
A TRH é contraindicada, principalmente, para quem tem histórico pessoal de câncer de mama e câncer do endométrio, ter sofrido um acidente vascular cerebral (AVC) ou ter tido uma trombose. A ginecologista sinaliza, porém, quem nem todas as ocorrências de trombose levam à contraindicação. “Vai depender da análise médica”, cita.
Mas, para que qualquer terapêutica tenha efeito, a mudança no estilo de vida é crucial, incluindo a prática de atividade física, uma alimentação saudável, boas noites de sono e tranquilidade.
A libido é uma energia para a vida
A ginecologista e mastologista Patrícia Valentini Melo reforça que a volta do desejo sexual feminino depende não apenas da reposição hormonal, mas de um olhar integral para a saúde da mulher. “A libido é uma energia para a vida. Por isso, quando pensamos em desejo, temos que avaliar se a mulher não está estressada, sedentária ou cheia de outras preocupações — como um problema familiar grave — que estão roubando o foco, deixando a energia sexual ‘baixa'”, diz.
A dica, portanto, é comer de forma balanceada, dormir bem e mexer o corpo com regularidade. “Fazendo atividades físicas, liberamos endorfina, ganhamos massa magra, ou seja, músculos. E o músculo é uma glândula que produz testosterona. Esse combo [exercícios, dieta apropriada e sono reparador] faz a gente relaxar, diminuindo o estresse e aumentando as chances de a libido voltar naturalmente.”
Não necessariamente, elucida Melo, a testosterona precisa ser reposta com a TRH. “Em primeiro lugar, temos que mudar o nosso estilo de vida e, depois, pensar na reposição. Tudo está interligado”, acrescenta.
A fúria da perimenopausa
Além dos aspectos biológicos, a perimenopausa envolve questões sociais e emocionais. É uma fase de urgências, metamorfoses, fúria, autoconhecimento e redescoberta da sexualidade. Como bem narrada no livro “De Quatro” (Amarcord, 2024), da escritora e cineasta norte-americana Miranda July, descrito pela crítica literária Ligia Gonçalves Diniz na Folha de S.Paulo como um “romance estrogênico”.
Lúcia Helena Simões da Costa Paiva, ginecologista, professora titular da Unicamp e presidente da Comissão Nacional Especializada de Climatério da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) destaca que o desejo feminino está ligado não apenas à presença dos hormônios, mas também ao contexto de vida da mulher.
“A sexualidade é multifatorial. Mulheres que se separam nesses anos e vivem novas experiências, por exemplo, podem sentir um aumento da libido por estarem com uma parceria diferente. Isso mostra que o desejo sexual não é só hormonal, mas psicológico e social”, pontua.
A sexualidade é multifatorial. Mulheres que se separam nesses anos e vivem novas experiências podem sentir um aumento da libido
A ginecologista Patrícia Valentini Melo salienta a importância do autocuidado e de se conhecer a própria região genital como estratégias para manter uma vida sexual ativa e prazerosa. “A mulher precisa se reconectar com seu corpo e entender que esse pode ser um momento de redescoberta. A masturbação é uma ferramenta significativa para o autoconhecimento e para manter a sensibilidade genital”, sugere.
Ana Canosa indica ainda o diálogo aberto com o parceiro ou a parceira para que ele ou ela entenda a conjuntura e dê o apoio necessário. Para ajudar na estimulação dos genitais, ela recomenda inserir na relação o uso de um sex toy.
Já a ginecologista e mastologista do Grupo Ifé Medicina Cecília Pereira comenta que não deve haver limites para as experimentações — desde que consensualmente, claro. “Às vezes, a mulher começou a ter um pouco de atrofia ou ressecamento vaginal, e ela descobre sentir mais prazer com o sexo oral ou com o sexo anal.”
A perimenopausa é heterogênea
O impacto da perimenopausa não é homogêneo — é impossível afirmar quando a pré-menopausa vai chegar, o que cada uma vai sentir e qual é a melhor estratégia para se reequilibrar. Muitos fatores e índices precisam ser levados em conta.
Estudos indicam, por exemplo, que mulheres negras podem sofrer mais intensamente com os sintomas, em especial com as ondas de calor, os chamados fogachos. “Além disso, tendemos a entrar na menopausa mais cedo, o que significa que os desafios nessa transição começam antes”, fala Pereira.
Tratamento: uma questão de acesso
Já vimos que é possível minimizar as consequências da perimenopausa na libido, mas, para isso, é preciso de informação e tratamento adequado. No Brasil, no entanto, há uma barreira relevante: a falta de acesso a tratamentos hormonais no Sistema Público de Saúde (SUS). “Muitas mulheres simplesmente não têm condições financeiras de arcar com os custos do remédio que foi receitado”, lamenta Lúcia Helena Simões da Costa Paiva.
Ou seja, em uma sociedade desigual como a brasileira, milhares de mulheres passam por essas flutuações hormonais e os incômodos derivados sem se tratar, sofrendo com irritações, calores, insônia, depressão, ansiedade e baixa no desejo, ano após ano. “Estamos em uma longa batalha para que isso aconteça. Até lá, é fundamental que profissionais de saúde deem uma atenção mais específica para os problemas da menopausa.”
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