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Ilustração de Isabela Durão

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5 dicas

O que os netos podem fazer para se aproximar dos avós?

Cinco caminhos para fortalecer o vínculo com os guardiões das tradições e da memória familiar: da escuta ativa e afetiva aos hobbies em comum, sempre com respeito pela autonomia dos idosos  

Ana Elisa Faria 20 de Julho de 2025

O que os netos podem fazer para se aproximar dos avós?

Ana Elisa Faria 20 de Julho de 2025
Ilustração de Isabela Durão

Cinco caminhos para fortalecer o vínculo com os guardiões das tradições e da memória familiar: da escuta ativa e afetiva aos hobbies em comum, sempre com respeito pela autonomia dos idosos  

Eles são os guardiões da memória afetiva, da sabedoria familiar, das histórias que ajudam a entender quem somos. Quando o relacionamento — saudável — entre avós e netos se fortalece, é um ganha-ganha: os mais velhos se sentem vivos, úteis, queridos e respeitados; os jovens acessam um tipo de afeto raro, adquirem suporte, além de senso de segurança e pertença.

“A grande beleza dessa relação intergeracional é que ela pode, sim, ter desafios, no entanto, há inúmeros ganhos e aprendizados, tanto de um lado quanto do outro”, afirma a psicóloga Cecília Galetti, membro da diretoria da sucursal paranaense da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG-PR).

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A jornalista e ativista pró-idade Natália Dornellas, criadora do movimento Avosidade, defende que é na escuta e no convívio com os mais velhos que recuperamos o “fio da meada”. “Estamos aqui porque eles vieram antes e têm muito para contar e acrescentar com as vivências passadas. Existe potência e beleza. Sem romantismo, eu acho, de fato, especial.” Segundo ela, manter esse vínculo não é apenas uma forma de honrar a trajetória da família, mas de se abastecer emocionalmente.

Conservar esse elo reforça a rede de afeto que desemboca nos vários galhos da árvore genealógica e também traz impactos concretos para a saúde mental e física das duas pontas geracionais.

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Psicóloga, pesquisadora e professora da Universidade de São Paulo (USP), Deusivania Falcão, especialista em psicogerontologia, comenta que há estudos indicando que crianças e adolescentes que mantêm uma relação positiva com vô e vó têm autoestima mais elevada, menos problemas de comportamento e melhores habilidades sociais.

Do ponto de vista cognitivo e educacional, netos e netas se beneficiam ao ouvir as experiências dos avós, ampliando a visão de mundo. “Ter contato com uma perspectiva diferente, de quem viveu aspectos sociais e culturais distintos, pode estimular nos jovens a empatia, o pensamento crítico e a compreensão histórica”, lista.

Falcão diz ainda que pesquisas mostram que avós engajados com os netos tendem a ser mais saudáveis e menos propensos à depressão porque a interação familiar regular combate a solidão e traz felicidade. “Há evidências científicas de que aqueles que cuidam ou passam tempo com netos apresentam desempenho melhor em testes de cognição em comparação àqueles que não convivem. Ajudar nos deveres ou brincar estimula o cérebro e pode auxiliar a preservar a memória e outras funções cognitivas.”

Para cultivar e aprofundar esse vínculo tão especial, especialistas deram a Gama dicas práticas.

  • 1

    Tenha uma escuta ativa e dialogue –
    Ouvir com atenção e interesse, com foco no interlocutor, é um gesto carinhoso e poderoso, capaz de construir intimidade e unir gerações. Segundo Deusivania Falcão, avô e avó são figuras que têm muito a proporcionar quando há escuta e reciprocidade. “É uma troca genuinamente mútua e transformadora: os avós podem oferecer conhecimentos, amor e histórias, enquanto os netos oferecem novidade e um carinho que dá novo sentido à vida dos mais velhos”, diz. A assistente social Marília Berzins, doutora em saúde pública e presidente do Observatório da Longevidade Humana e do Envelhecimento (Olhe), reforça que, com essa relação, os idosos passam aos jovens memórias e tradições familiares. De acordo com Cecília Galetti, a escuta ativa fortalece o vínculo e pode ser um intercâmbio emocional rico. Para isso acontecer, no entanto, é preciso que netos e netas tenham paciência com aquela contação de causos do passado pela vigésima vez. A dica é ouvir novamente — e de novo — e até ajudar a relembrar fatos, fazer perguntas, demonstrar interesse. Conforme alerta Falcão, há jovens que ignoram ou cortam a fala dos anciões, mas é essencial dar voz a eles. “Peça a opinião sobre assuntos da família, do mundo, peça que contem casos antigos e preste atenção com interesse de verdade. Isso mostra que você os valoriza”, indica. “Às vezes, a pessoa repete a mesma história não por estar em um processo demencial, mas porque aqueles são fatos muito marcantes”, comenta Galetti. “Essas narrativas carregam ‘preciosidades’ de outros tempos. Além disso, quando percebem que os jovens estão realmente atentos e curiosos, os avós ficam entusiasmados em compartilhar mais lembranças, fortalecendo a conexão”, pontua Falcão. Ela grifa que o oposto também precisa ser feito: netos devem compartilhar com os avós seus próprios feitos, planos e sonhos, seja uma nota boa na escola, uma vitória no videogame, a conclusão da faculdade ou um novo emprego. “Fale sobre o que tem feito recentemente. Você vai notar como os olhos deles brilham ao ouvir; eles ficam maravilhados em ver o adulto ou o jovem que você está se tornando e sentem que todo o esforço que fizeram lá atrás valeu a pena.”

  • 2

    Respeite a autonomia e não infantilize os idosos –
    Muitas vezes, netos, assim como filhos, acabam decidindo pelas pessoas idosas e, mesmo com a melhor das intenções, não percebem que estão anulando a autonomia daquele ser humano. “O idoso não é uma criança. Ele pode ter limitações, mas tem uma história de vida, capacidade de julgamento e desejo de participar das escolhas”, afirma Cecília Galetti. Em vez de decidir sozinho e apartá-lo das deliberações familiares, o ideal é questionar, negociar, oferecer opções, decidir em conjunto. “Pergunte: Você prefere almoçar fora ou reunir os parentes em casa? Quer ajuda para se levantar ou prefere tentar sozinho? Isso demonstra cuidado e respeito.” Deusivania Falcão lembra que o etarismo se manifesta de forma sutil, inclusive dentro da própria família. “Não levar a sério as opiniões e achar que os mais velhos ‘não entendem de nada moderno’ são comportamentos que machucam”, frisa. “Para mudar esse olhar, algumas atitudes são fundamentais. O primeiro passo é reconhecer que preconceito etário existe e pode estar acontecendo em casa. Entender que os avós são adultos capazes, cheios de experiência, e merecem ser tratados com dignidade é essencial. Em vez de vê-los como ‘irrelevantes’, ou fazer piada com a idade, é preciso valorizar que eles têm muito a ensinar.” Marília Berzins, do Olhe, recorre à música “Velhos e Jovens”, de Adriana Calcanhotto, para falar sobre o tema. “Precisamos transformar como pensamos, sentimos e agimos em relação ao envelhecimento. Quando mudamos isso, vemos que as pessoas idosas têm o seu lugar na vida social e continuam contribuindo com a sociedade em todos os aspectos”, explica Berzins.

  • 3

    Proponha atividades para fazerem juntos –
    Fazer coisas simples, como cozinhar um prato típico da família, sair para uma caminhada, rever álbuns de fotografia, costurar, jogar cartas, assistir a um filme ou a uma partida de futebol, ensinar algo ou aprender juntos, podem ser meios de convívio bastante ricos para as duas pontas da relação, avós e netos. “Vocês podem descobrir hobbies ou gostos em comum, e usar isso como ponte para mais interação”, sugere Deusivania Falcão. Ouvinte atenta de histórias de idosos, a jornalista Natália Dornellas, do perfil Avosidade, conta de uma senhora de 80 e poucos anos que se reaproximou da netinha ensinando técnicas de costura à garota — isso porque a geração Z tem adotado ofícios manuais como hobby. A neta, que andava distante e não dava mais bola para a avó há algum tempo, voltou ao convívio da senhora. “Ela me disse: ‘Virei um tesouro. Minha neta vem aqui uma vez por semana e eu ensino bordado, crochê’”, relata. Falcão aponta que trocas intergeracionais como essa estimulam a cognição dos avós e fortalecem a identidade dos netos. Esses intercâmbios de gerações, conforme elucida Marília Berzins, têm impacto direto no bem-estar e na autoestima da pessoa idosa, que sente que ainda pode transmitir conhecimento. “Há um sentimento de estar conectada com o mundo”, resume.

  • 4

    Use a tecnologia como ponte, não como barreira –
    “Hoje, a tecnologia é uma grande aliada para aproximar avós e netos, sobretudo quando a convivência física é difícil. Ferramentas como WhatsApp e redes sociais podem encurtar distâncias geográficas e permitir um contato quase diário”, diz Deusivania Falcão. Ensinar o avô e a avó a fazer videochamadas, enviar fotos ou trocar mensagens instantâneas são gestos de inclusão e conexão. Cecília Galetti, da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, reforça, entretanto, que isso só funciona quando há paciência dos dois lados — ou mediação de alguém próximo. Essa interação virtual, explana Falcão, não substitui o contato pessoal, mas mantém os laços afetivos ativos e faz com que os mais velhos e os jovens da família se sintam presentes na vida um do outro. “Muitos idosos contemporâneos estão aprendendo a usar essas ferramentas, criando grupos no WhatsApp, enviando emojis carinhosos e acompanhando as fotos no Instagram. Quando se dispõem a entrar nesse mundo digital, os avós descobrem uma forma simples e eficaz de ‘participar’ do cotidiano dos netos, mesmo à distância. Já para os netos, é uma maneira de incluir os avós, enviando um bom dia por mensagem, áudios contando novidades ou fazendo uma chamada de vídeo, ações que demonstram cuidado e atenção.” Vale lembrar: estar junto presencialmente e ignorar os avós por não tirar o rosto da frente do smartphone por um minuto sequer prejudica a interação e não aproxima ninguém. “Uma chamada de 15 minutos com atenção total vale mais do que estar fisicamente presente, mas de olhos na tela o tempo todo. É possível criar laços genuínos à distância, mas esses laços se fortalecem quando há trocas significativas. Quanto mais pessoal e interativo for o uso da tecnologia, mais ela cumprirá seu papel de aliada na manutenção da relação”, sinaliza Falcão. Ou seja, os recursos tecnológicos devem servir de ponte, e não de barreira. Se usados com afeto, fortalecem; se usados com distração, afastam.

  • 5

    Demonstre afeto e peça desculpas –
    Se a relação está distante, há silêncio ou mágoas, é possível retomar o contato com ações pequenas e consistentes. “Nunca é tarde para se reaproximar dos avós”, assegura Deusivania Falcão. Nas mudanças da adolescência ou na correria da vida adulta, netos e netas acabam deixando de visitar ou contatar o avô e a avó com a mesma frequência de outrora, mas “quase sempre eles continuam de braços abertos aguardando esse retorno”. Os caminhos para se reaproximar, sintetiza a docente, envolvem comunicação, presença e demonstração de afeto. A especialista recomenda persistência e delicadeza: “Se houve algum conflito, tente esclarecer com diálogo, empatia e escuta. Ofereça perdão, se for o caso, ou peça desculpas sinceras se você sente que magoou seus avós. O importante é mostrar que o carinho está acima das diferenças, e que você quer recomeçar.” Cecília Galetti conclui que o relacionamento avós-netos, no geral, é construído desde a infância, com apoio da família, e tende a se fortalecer com o tempo, mesmo que passe por fases mais turbulentas, a exemplo da adolescência. A indicação, então, para quem sente que se afastou dos seus idosos é que sempre é tempo de voltar para eles.

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