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ConversasRuby Warrington: "Você não precisa ter problema com álcool para o álcool ser um problema"
Criadora do termo “sober curious” fala da importância de sair do piloto automático e repensar hábitos quando o assunto é encher a cara
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Ruby Warrington: “Você não precisa ter problema com álcool para o álcool ser um problema”
Criadora do termo “sober curious” fala da importância de sair do piloto automático e repensar hábitos quando o assunto é encher a cara
Durante a juventude nos anos 1990, a britânica Ruby Warrington costumava ser bombardeada com imagens como a da modelo Kate Moss caindo de bêbada em bares e casas noturnas. “Essa era a essência do que significava ser ‘cool'”, resume. Tratava-se de uma época em que as empresas de bebidas alcoólicas queriam que mulheres passando a beber tanto quanto homens fosse visto como um grito feminista, ela lembra. “Mas foi uma grande mentira”, declara Warrington. “Para que nos sentíssemos mulheres modernas e emancipadas, isso acabou tornando minha geração muito mais dependente de álcool do que jamais imaginamos.”
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Três décadas depois, a própria Moss se tornou porta-voz de um estilo de vida mais saudável e livre de bebidas alcoólicas. Ao mesmo tempo, a jornalista e escritora Ruby Warrington, 48, acabou dando o nome a todo um movimento que vem repensando nossa relação com o álcool. “Ser ‘sober curious’ [curioso sobre a sobriedade] é como nós, mulheres, homens e pessoas de todos os gêneros, podemos começar a recuperar nossos corpos e consciências”, afirma.
Ao escrever o livro “Sober Curious”, de 2018 — até hoje não publicado no Brasil —, a autora não pretendia exatamente criar uma tendência. A obra, na verdade, acompanha sua experiência ao longo de quase uma década desde que começou a questionar sua relação com o álcool e como ele vinha afetando sua vida.
“Após anos questionando meu hábito de beber, comecei a falar abertamente a respeito dos meus sentimentos conflitantes sobre isso, com amigos, família e em eventos que passei a organizar a partir de 2015”, conta a escritora em entrevista a Gama. Esses eventos acabaram botando o termo na boca do povo, a ponto de se tornar uma tendência reconhecida por veículos como o New York Times e o britânico The Guardian.
Apesar de uma série de pesquisas que apontam que as novas gerações vêm bebendo menos do que as anteriores, aderir ao “sober curious” não significa parar de beber totalmente. “Quer dizer literalmente questionar todo instinto, impulso, convite e expectativa de beber”, explica Warrington. Segundo ela, que abandonou o álcool de vez só recentemente, a consciência plena do que estamos fazendo nos ajuda a ser mais seletivos sobre quando e onde beber, saindo do piloto automático.
Se a escritora afirma ter substituído o consumo por práticas como ioga e meditação, outros já vêm trocando o álcool por drogas como a cannabis e outros psicodélicos, hoje liberados em muitos lugares do mundo. “Estar sóbrio significa não usar nenhumas dessas substâncias, mas ser ‘sober curious’ pode deixar um espaço aberto para elas”, aponta.
Além de “The Sober Curious Reset”, um guia mais detalhado para repensar o hábito de beber ao longo de 100 dias, a britânica também acaba de publicar “Women Without Kids”, livro onde explora a experiência de mulheres que, como ela, optaram por não ter filhos. No papo com Gama, Warrington aborda as pressões que enfrentamos para beber e como largar o álcool pode virar nossa vida social de cabeça para baixo, impactando até as relações amorosas — não necessariamente de forma negativa.
Confira a seguir um resumo do que disse a autora sobre esses e outros temas.
Ruvan Wijesooriya
O que é “sober curious”?
“Ser ‘sober curious’ significa deixar de beber no piloto automático. Quer dizer literalmente questionar todo instinto, impulso, convite e expectativa de beber. Numa cultura em que consumir álcool é a regra, raramente questionamos por que bebemos, se queremos realmente fazer isso e como a prática nos afeta. Tornar-se mais consciente desse hábito e lembrar que não precisa beber pode te ajudar a ser mais seletivo com suas escolhas.
O fato de o AA oferecer aconselhamento ilimitado, gratuito e presencial, assim como apoio às pessoas que lutam contra o vício, é incrível. Mas a abordagem preto no branco, baseada só na abstinência, não funciona para todo mundo que quer mudar a relação com o álcool. Sua vida não precisa perder o rumo por causa da bebida para você virar ‘sober curious’. E você também não precisa se identificar como alcoólatra para isso.
Ninguém nunca de fato precisa de um drinque. Questionar por que queremos uma bebida e desejamos os efeitos do álcool é parte do que significa ser ‘sober curious’. Com essa informações, com sorte conseguiremos tomar melhores decisões mais para frente. Os drinques sem álcool também têm sido muito importantes. Eles tornam mais fácil deixar de beber pois são opções de certa forma mais adultas, não aquela coisa de refrigerante ou suco.
É certamente um estilo de vida, mas que não significa dizer simplesmente que a abstinência é boa e que beber é ruim. Trata-se de ser honesto consigo mesmo sobre o papel que o álcool representa na sua vida, o impacto que beber até moderadamente causa em seu bem-estar e, a partir disso, definir se e quando você pretende ingerir álcool.”
Sober is the new black
“O livro é o ápice de todas as minhas descobertas e aprendizados estando por oito ou nove anos ‘sober curious’, termo que criei para descrever minha relação difícil com o álcool. Após anos questionando meu hábito de beber, comecei a falar abertamente a respeito dos meus sentimentos conflitantes sobre isso, com amigos, família e em eventos que passei a organizar a partir de 2015.
Percebi que muita gente sentia o mesmo. Sabiam que o álcool podia ser um problema. Não se consideravam alcoólatras, mas tinham medo de tocar no assunto ou não conheciam um lugar adequado para discutir o problema. Para mim, o termo definiu uma mudança que já estava acontecendo na sociedade. Ele ajudou o movimento a crescer ainda mais rapidamente e se espalhar. Estima-se que hoje 25% dos americanos estejam familiarizados com ‘sober curious’.
E a tendência tem impactado todas as faixas etárias. Porém, beber em excesso é visto como menos ‘cool’ por gerações mais jovens do que foi para os boomers, a geração X e millennials mais velhos. De certa forma, o álcool é o novo cigarro. Todo mundo costumava fumar por ser ‘cool’, o que já não acontece mais.
Na superfície, esse pode ser visto como um desdobramento lógico da revolução moderna voltada ao bem-estar. Quanto mais tempo, dinheiro e energia as pessoas gastam com sua qualidade de vida, mais difícil fica justificar os riscos que beber representa à saúde, em especial a psicológica.
Hoje também socializamos de maneiras diferentes nas redes, o que torna mais fácil contornar a ansiedade social que muitos ‘medicam’ com álcool. Mas, acima de tudo, vivemos tempos instáveis marcados por rápidas mudanças. As pessoas sabem que se desligar se embebedando por algumas horas não vai resolver os problemas sociais que enfrentamos.”
As pressões que enfrentamos
“A pressão colocada pelos outros torna essa jornada mais difícil. A maioria das pessoa bebe para se sentir mais confiante e relaxada em situações sociais. É nesses momentos que o FOMA costuma atacar. Se ensinamos nosso cérebro desde os 15 anos que precisamos do álcool para socializar, a ideia de ter que atuar sem nossa pequena muleta líquida pode causar muito medo. Já que a maneira mais rápida de vencer seus medos é provar que eles são infundados, minha recomendação é abraçar o máximo possível de primeiras vezes sóbrio — ou seja, ficar sóbrio numa situação em que você geralmente beberia.
Além disso, o que pensamos sobre ser alcoólatra ou ter problemas com a bebida, e a forma como isso é representado na mídia, geralmente é algo bastante extremo. Então, se nosso hábito de consumo não é tão ruim assim, fica fácil criar desculpas para bebermos mais do que deveríamos. É como gosto de dizer: você não precisa ter um problema com o álcool para o álcool ser um problema para você. Beber normalmente já pode significar beber de maneira problemática.
No começo, uma das minhas maiores preocupações era como a mudança ia afetar a relação com meu marido. Sempre nos divertimos muito bebendo juntos, ainda que o preço a pagar na manhã seguinte tenha se tornado cada vez maior conforme ficamos mais velhos. Mas eu costumava pensar que não beber ergueria uma muralha entre a gente, talvez até nos deixasse sem nada sobre o que conversar. De novo, meus medos se provaram infundados.
No fim, ele também eliminou o álcool da sua vida, o que nos aproximou ainda mais, mesmo depois de passar 25 anos juntos. Isso acabou nos levando a um novo nível de vulnerabilidade e intimidade. Mas não é essencial que os dois parceiros se tornem ‘sober curious’ juntos. O mais importante é que cada um respeite e apoie a decisão do outro. Parar de beber pode expor pontos fracos de um relacionamento, o que é sempre difícil de encarar. Mas também pode ser para o bem, se mostrar o que dá para melhorar na relação ou até que, no fim das contas, vocês não têm tantas coisas em comum assim.”
Outras formas de “ficar alto”
“[Buscar drogas que substituam o álcool] é algo muito complexo e individual. Nenhuma substância pode substituir 100% o álcool, já que ele tem um efeito físico, mental e emocional bem específico. Mas essa tendência mostra que as pessoas sempre vão buscar maneiras de regular seu sistema nervoso, alterando seu estado emocional.
Hoje, há muitas outras formas de fazer isso, em geral menos prejudiciais e viciantes, do que o álcool. Estar sóbrio significa não usar nenhumas dessas substâncias, mas ser ‘sober curious’ pode deixar um espaço aberto para elas. As pessoas têm mais acesso a outras maneiras de desligar e relaxar, desde praticar ioga e meditação até consumir cannabis e CBD — coisas que não têm os mesmos efeitos colaterais negativos da bebida.
Eu também tive que encontrar novas formas de socializar e ‘ficar alta’, o que com frequência tem sido uma jornada mágica e misteriosa pelo lado mais louco do bem-estar. Em parte, parei de beber porque praticar ioga e meditação com regularidade acabou jogando luz sobre como o álcool realmente me faz sentir: terrível.
O que realmente me interessa é que muitos desses ‘picos’ espirituais que eu buscava — sentimentos de alegria, felicidade, relaxamento, conexão e transcendência — também estavam disponíveis como resultado direto de fazer coisas que me conectam ao meu íntimo, ao meu espírito. E isso pode significar desde uma sessão de cura xamânica até algo simples como reservar tempo para uma conversa profunda com um amigo de confiança.”
Caminhos para começar
“Minha sugestão inicial é ficar cem dias sem beber, uma forma de se dar tempo e espaço para realmente descobrir o que é viver livre de álcool. Meu segundo livro, ‘The Sober Curious Reset’, ajuda a guiar os leitores por esse período. O ‘Dry January’ também é um ótimo começo, relativamente fácil de navegar. Ao mesmo tempo, dar uma pausa mais longa significa ser confrontado com primeiras vezes mais desafiadoras: encontros sóbrios, casamentos, festas da firma, férias etc.
Não sou eu quem deve dizer o que é melhor para cada um, a pessoa é quem precisa descobrir por si mesma. Dito isso, cinco anos depois que o livro foi publicado, já não consumo álcool de forma alguma. Não tenho mais nenhum desejo de beber, e o álcool não tem lugar na minha vida. Isso me parece uma espécie de liberdade, então eu a recomendo.
Nossa vida social pode mudar quando paramos de beber ou nos tornamos mais seletivos sobre quando e como bebemos. Isso é bastante natural. Bares e festas não costumam ser tão divertidos sem álcool, e está tudo bem. Esses ambientes não foram projetados para abstêmios.
Quando largamos a cultura alcoólica, temos nas mãos uma oportunidade de redescobrir quais experiências sociais e amizades realmente combinam com nossa personalidade e nos fazem felizes. Esse pode ser um processo solitário no início, mas, depois de um tempo, nossas relações vão acabar se tornando mais profundas e significativas.
E, para qualquer um acostumado a percorrer os altos e baixos do velho hábito de beber socialmente, a impressão é de que cortar o álcool pode tornar sua vida monótona. A questão é: a ressaca não vale os pontos mais altos da bebida? Mas aí é que está. Quando você se acostuma aos bons momentos vindos diretamente de uma garrafa, também confina toda a diversão a situações bastante estreitas.
O que descobri como ‘sober curious’ foi que o que impede a vida de ser entediante é estar totalmente conectada com meus sentimentos o tempo todo. O que pode nem sempre ser uma coisa propriamente divertida, mas que certamente traz de volta a vida em toda sua riqueza de cores e texturas.”
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