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Ilustração de Isabela Durão

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5 dicas

Aprender línguas com IA e redes sociais

Tecnologias podem ajudar o processo de aprendizado de outros idiomas, mas é preciso ser crítico ao usá-las

Tereza Novaes 06 de Julho de 2025

Aprender línguas com IA e redes sociais

Tereza Novaes 06 de Julho de 2025
Ilustração de Isabela Durão

Tecnologias podem ajudar o processo de aprendizado de outros idiomas, mas é preciso ser crítico ao usá-las

Quem frequentou as aulinhas de inglês duas décadas atrás deve lembrar que os recursos tecnológicos para aprender outro idioma eram, no máximo, um programa de computador bastante limitado. Hoje, com ferramentas poderosas como a Inteligência Artificial, como fica o ensino de línguas?

Pesquisador sobre o tema, Ronaldo Corrêa Gomes Júnior, professor da Área de Linguagem e Tecnologia da Faculdade de Letras da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), afirma que a IA está transformando completamente o cenário. “Mas, como em toda tecnologia na sala de aula, o impacto depende dos usos, das mediações pedagógicas e das decisões que a orientam”, afirma.

Além disso, o aprendizado se deslocou. Desde a pandemia, cursos com aulas remotas ganharam força e as possibilidades para se desenvolver em plataformas digitais também.

As redes sociais passaram a ter um papel importante para quem busca conhecer outra língua. “Elas permitem aprender muito. A quantidade de professores excelentes que começaram a divulgar seus trabalhos nessas plataformas, gerando conteúdo educativo gratuito, aumentou exponencialmente”, destaca Plínio Bonagamba. Professor de inglês à distância, ele desenvolveu um método de conversação e tem mais de 68 mil seguidores no Instagram.

Para Plínio, é possível, sim, aprender com conteúdos nas redes. “Os professores acabam misturando um pouco de entretenimento, o que faz com que os seguidores aprendam de forma mais leve.” Ele lembra, no entanto, que isso não substitui acompanhamento pedagógico no formato de aulas ou cursos.

Por outro lado, o imediatismo e a rapidez do consumo de informações nas redes sociais estão atrapalhando de forma geral a capacidade de leitura. “Ler muito rápido tem a ver com as mídias sociais. É um fenômeno contemporâneo, nós não percebemos inclusive o tanto que nos afeta. É bastante frequente, com todo mundo, ler uma mensagem e entendê-la errado”, aponta Ana Carolina Torquato, doutora em Literatura, professora e fundadora do A Book a Month, escola dedicada ao ensino de inglês através da literatura, também com aulas exclusivamente online.

A seguir, os três professores dão dicas para quem quer usar de forma eficiente essas ferramentas digitais para expandir o conhecimento.

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  • 1

    A Inteligência Artificial pode ajudar, mas é preciso ser crítico – Se o seu objetivo é aprender, não vale “passar de ano” trapaceando. “O que sempre recomendo aos meus alunos é não deixá-la fazer tudo sozinha. Se ele precisar enviar um e-mail em inglês no trabalho, por exemplo, sugiro que escreva por conta própria e, depois, utilize a IA apenas para correção”, aconselha Plínio Bonagamba. Para Ana Carolina, usar a função de tradução automática, um serviço que melhora a cada dia graças à IA, pode ser útil ao aprendizado. “Até porque muitas vezes a tradução inglês-inglês não resolve. Além disso, o recurso de ouvir a pronúncia das palavras ajuda muito.” Porém, ela também recomenda moderação. “O fato de ser muito fácil, só apertar um botão, pode levar as pessoas a ficarem preguiçosas, sem paciência para ler e se desafiar.” Ronaldo Corrêa destaca que a IA pode ajudar ainda professores a pensar a personalização da aprendizagem e em novos formatos de interação. Por outro lado, ele lembra que é preciso criticidade e intencionalidade pedagógica. “Caso contrário, corremos o risco de uma apropriação superficial da tecnologia, com práticas que levem à automatização de tarefas e à reprodução de modelos linguísticos normativos”, alerta. “Nesse sentido, acredito que o papel do professor de línguas contemporâneo é justamente tensionar os usos das tecnologias, incluindo IA, promovendo autonomia, agência e reflexão sobre linguagem, poder e tecnologia”, afirma Ronaldo.

  • 2

    Engaje em assuntos e comunidades dentro e fora das redes sociais – O contato com a língua para o aprendizado, mesmo por meio das redes sociais, pode ser crucial para desenvolver vocabulário e entender as diferenças, por exemplo, de sotaques. “O engajamento em comunidades em plataformas como Instagram, TikTok e YouTube favorecem a aprendizagem informal e incidental”, afirma o professor da UFMG. Os benefícios para os estudantes estão ligados à exposição a usos autênticos e variados do idioma em questão. Esse tipo de exposição não só amplia o repertório linguístico, como ajuda a desenvolver a comunicação intercultural e a compreensão do mundo digital. Especialista em conversação, Plínio sugere que as interações de diálogo sejam o foco principal para quem quer estudar inglês. “Na Europa, é muito comum encontrar clubes de conversação gratuitos — eventos, online ou presenciais, onde grupos de pessoas se reúnem com o objetivo de praticar conversação. Aqui no Brasil, todos os clubes do tipo que conheço são pagos, mas eles são fantásticos para desenvolver habilidades como exposição, fala e escuta ativa.”

  • 3

    Leia textos originais em outra língua – Com foco também no ensino em literatura, Ana Carolina Torquato aposta na leitura, mesmo de livros considerados “menores”. “Há um certo elitismo sobre os títulos do gênero fantasia, como se eles não fossem literatura e o leitor devesse se dedicar só a Dostoievski ou Jane Austen. Livros mais fáceis e rápidos podem ser uma ótima porta de entrada, o meu interesse, por exemplo, começou com Harry Potter”, explica ela, que hoje faz pós-doutorado na Universidade de Viena. O curso que ela desenvolveu tem diferentes módulos para ler durante e antes da aula, a depender do nível da classe. O mais importante é que os textos sempre são os originais. “Fazemos uma leitura pormenorizada, da superfície ao tecido do texto, observando coisas que em uma leitura rápida talvez não se prestasse atenção. Trabalhamos o elemento artístico, não só informação, com ajuda de vocabulário”, explica.

  • 4

    Não foque seu aprendizado só em um aplicativo – Segundo Ronaldo Correia, aplicativos como Duolingo e similares podem ser eficazes como ferramentas complementares, especialmente para quem está começando. Ele ressalta, porém, que o foco é muito restrito em vocabulário e estruturas básicas, com ênfase na repetição e gamificação. “A meu ver, esses aplicativos não substituem a interação humana com o uso criativo da linguagem, mas podem ser bons aliados no processo. Penso que qualquer ferramenta que engaje o aprendiz na aprendizagem é benéfica”, afirma Ronaldo. Já o professor Plínio recomenda, para autodidatas iniciantes, o aplicativo gratuito Quizlet, que ajuda na memorização de vocabulário. Já para quem está em nível mais avançado, existem plataformas gratuitas de conversação em que a pessoa ensina português em troca de aprender inglês, como o Tandem e o Lingvist. “E para ambos os níveis, as plataformas gratuitas da Cambridge English Learning e da BBC Learning English são excelentes, pois as atividades são separadas por níveis”, destaca ele.

  • 5

    Dedicação e estudo fora do ambiente digital é importante – Algumas variáveis devem ser levadas em conta quando falamos em aprender uma língua, indepedentemente do método de aprendizado. Espanhol e francês, por exemplo, são considerados mais simples para quem tem o português como língua materna. Elas costumam exigir cerca de 600 horas de estudo para alcançar o B2, nível de proficiência intermediário superior, de acordo com o Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas (QECR). Isso significa entre 2 e 3 anos de estudo em um ritmo leve, com poucas horas por semana, ou de 6 a 9 meses em um programa intensivo. Já línguas de estrutura mais complexa e distantes do português — como árabe, chinês ou japonês — podem demandar até 2.200 horas de estudo, o que corresponde a 4 a 8 anos, dependendo da frequência e da intensidade da aprendizagem. Nesse sentido, estratégias como ouvir podcasts e assistir filmes com legendas na língua alvo são recomendadas. Além disso, vários estudos sugerem que a escrita à mão promove uma retenção maior de memória, em comparação com a digitação, ou seja, escrever no caderno é importante. No fim, uma coisa é certa: não dá para ir muito longe sem estudar de verdade, longe do celular ou do computador. Embora as tecnologias ofereçam inúmeras possibilidades, a aprendizagem ainda é um processo social, reflexivo e contínuo, que demanda motivação, autonomia e engajamento. Por isso, Ronaldo é taxativo: “O digital deve ser visto como mais um ambiente legítimo do ecossistema de aprendizagem, não como substitutivo.”

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