Como ter uma vida mais leve — Gama Revista
Como ser mais leve?
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Reportagem

Minha vida está mais leve: pergunte-me como

Cabelos sem tintura, não à maternidade, viver no campo. Gama conversou com pessoas que, de maneiras distintas, têm colocado mais leveza no cotidiano

Ana Elisa Faria 28 de Maio de 2023

Minha vida está mais leve: pergunte-me como

Ana Elisa Faria 28 de Maio de 2023

Cabelos sem tintura, não à maternidade, viver no campo. Gama conversou com pessoas que, de maneiras distintas, têm colocado mais leveza no cotidiano

Como tornar o dia a dia mais leve? A resposta para essa questão não é simples nem única. Depende do que faz você se sentir bem, feliz, aliviado, tranquilo, alegre. Pode ser trocar a vida numa cidade grande caótica por uma rotina mais simples no campo, num lugarzinho no meio do nada, ouvindo os pássaros cantar. Ou, quem sabe, mudar de profissão? A leveza também pode vir com a certeza em afirmar que você não quer ser mãe ou em se sentir linda, leve e solta com os cabelos sem tintura, grisalhos.

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No fim, como na letra de “Dom de Iludir”, música de Caetano Veloso, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. O que é viver com sutileza para uns pode ser pesado para outros. E vice-versa.

Pensando nisso, Gama conversou com algumas pessoas que contaram o que as faz se sentirem leves e quais são os prós e os contras das mudanças que tiveram de realizar para se viver com mais liberdade – porque até para alcançar uma vida serena, há alguns percalços e pesos pelo caminho.

Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada

Foi na pandemia, pela necessidade imposta pelo isolamento social, que Tatiana Vasconcellos, 45, apresentadora do Estúdio CBN, decidiu assumir as madeixas grisalhas. Em 2020, ela estava ruiva, de franjinha e com os cabelos no comprimento dos ombros. Após anos de muita tintura, várias cores e diversos cortes, a jornalista foi deixando à mostra a mistura de castanho, cinza e branco que, com os meses, deram espaço à “grisalhice”, como diz.

Me livrei de uma preocupação que, na verdade, nem era minha, estava incutida em mim pelo contexto e pela sociedade em que a gente vive

A leveza desse movimento, segundo Tatiana, veio de duas formas: no bolso, já que “a pessoa que não pinta o cabelo economiza uma grana”, e na desobrigação de atender expectativas que não eram dela, mas de outras pessoas. “É um alívio muito grande. Penso que me livrei de uma preocupação que, na verdade, nem era minha, estava incutida em mim pelo contexto e pela sociedade em que a gente vive”, conta.

A liberdade com a cabeleira descrita pela âncora é tanta que talvez nem os grisalhos fiquem para sempre. “Se a ideia é se livrar de uma ‘obrigação’, de uma prisão da aparência, eu seria incoerente de me aprisionar ao cabelo branco. Por enquanto, ele é assim, mas muitas vezes na vida já foi vermelho, preto, amarelo, castanho. Agora, eu estou bem dessa forma, está legal, estou gostando, até a hora em que eu me cansar ou ficar com vontade de ter outro cabelo, de outra cor”.

Em um texto sobre o tema para o site Mina, Tatiana resumiu a questão: “Vencer um pouco essa pressão dá uma sensação libertadora”.

Não quero ser mãe: falei, tô leve

Outra decisão que trouxe leveza para a vida de Tatiana foi a de não ter filhos. “Nunca tive a maternidade como algo dado para mim, no entanto, não foi uma definição que me veio à cabeça desde sempre. Fui percebendo ao longo da vida, observando principalmente as minhas amigas mães, as que tiveram bebês na adolescência”, revela.

A apresentadora fala que, aos poucos, entendeu que “o conceito de instinto materno é uma balela”. “Isso é uma coisa que fizeram a gente acreditar, talvez para justificar uma maternidade compulsória. E nunca veio dessa maneira para mim. Então, foi meio assim que construí a não maternidade: observando o meu redor e me informando sobre o que significa exatamente ser mãe num contexto social. A minha vida é mais leve sem marido e sem filhos.”

Tatiana ressalta que o autoconhecimento, saber olhar para os próprios desejos, como a maternidade ou a não maternidade, “deixa tudo mais leve”.

Tão tão distante

O fotógrafo paulistano Gustavo Zylbersztajn, 46, sempre buscou leveza se desconectando da velocidade da cidade grande ao viajar e se aventurar por lugares remotos, destinos não tão óbvios ou movimentados, como Laos, Birmânia, Noruega e o deserto do Novo México.

Ele fez a carreira em São Paulo e, conforme conta, para relaxar, o escape eram as férias em locais longínquos. Primeiro sozinho quando garoto, fazendo mochilão por aí, e, mais tarde, ao lado da esposa e parceira de aventuras – de avião, carro, trailer –, a modelo Patricia Beck, 41, catarinense embaixadora do slow fashion, movimento que combate o excesso de consumo na moda.

 Reprodução Instagram

Paralelamente às viagens de lazer, Zylbersztajn e Patricia começaram a pensar na possibilidade de trocar a capital paulista pelo campo. “Tinha uma voz que questionava: ‘por que não construir uma fortaleza num lugar mais isolado?’. Assim, iniciamos a busca por um terreno e, a princípio, pensávamos em algo no Brasil, no sul de Minas Gerais, talvez, que tem rio e montanha. Depois, decidimos que a nossa nova casa seria fora, em um país com a economia independente da brasileira.”

Entre idas e vindas a trabalho ao Chile, eles se encantaram por uma propriedade em Futaleufú, no norte da Patagônia chilena, um povoado cercado de montanhas e banhado por um grande rio que dá nome à comuna pertencente à província de Palena. Em 2017, o casal deu início às obras no terreno para construir a casa em que vivem.

Um lugarzinho no meio do nada

A princípio, o novo endereço não seria definitivo tão cedo – a ideia era ter aquele local para uma vida bucólica em alguns anos –, mas diversas questões, como um incêndio que atingiu a residência da família em São Paulo e que fez com que perdessem 80% dos pertences, virou uma chavinha. Assim, os dois se mudaram para Futaleufú com o filho Benjamin, 5, em 2018. Hoje, eles vivem em quatro ali, após a chegada da filha Cora, 2.

Zylbersztajn diz que o cotidiano no meio do nada ainda não é totalmente leve, como gostaria, porque ele, engenheiro civil de formação, está tocando a finalização da construção das cabanas do projeto Mapu, que mistura hotelaria com vivências fotográficas.

Mesmo assim, de acordo com o fotógrafo, há leveza: eles plantam muito do que comem – há mercado na região, mas trata-se de um comércio pequeno, com limitação de produtos –, as crianças recebem a visita de uma educadora que faz um programa de atividades “mais humanizado, com pesquisas na natureza”.

Se eu virar para o lado, tem passarinhos no meu terraço, eu escuto o vento, então, é uma outra relação com o dia a dia

“Apesar de toda essa demanda, eu consigo olhar a vida de uma forma diferente. Se eu virar para o lado, tem passarinhos no meu terraço, eu escuto o vento, então, é uma outra relação com o dia a dia. Aqui, sou obrigado a respeitar os ciclos. Na cidade, a gente não tem muito isso e acabamos vivendo no automático, sem nem perceber as coisas. E estando nesse lugar, temos que nos preparar para as datas, para o frio”, revela.

“Aprendi também a simplificar a vida com o que realmente preciso, ou seja, tenho menos roupa, menos objetos de decoração, se quero algo diferente do mercado, é necessário esperar que o item chegue, não dá pra ir de loja em loja, como na cidade grande.”

Atualmente, Zylbersztajn ainda vai a São Paulo a cada dois ou três meses para realizar trabalhos como fotógrafo freelancer a fim de completar a renda de que precisa. “Não consegui abrir mão da minha vida na cidade 100% porque necessito desses recursos que o meu trabalho me dá. O que eu gero aqui ainda não segura a bronca”, explica.

Assim que a obra do Mapu terminar e o projeto se firmar, dando um retorno financeiro sustentável, ele pretende focar o trabalho em Futaleufú. “Não tenho a pretensão de ganhar muito dinheiro, até porque isso representaria uma demanda e um movimento gigantes, o que eu não quero, mas desejo que essa estrutura dê certo para manter a nossa vida toda aqui. É esse o sucesso que eu almejo. Não quero virar refém do meu sonho.

No sul da França, com 150 vizinhos

Eleita a melhor sommelière de 2023 pelo Guia Michelin, Gaby Benicio, 43, é paulistana, mas mora na França desde 2005. Depois de anos em Paris comandando um restaurante num bairro badalado e do trauma de presenciar, em novembro de 2015, os atentados terroristas que deixaram mais de cem pessoas mortas e dezenas de feridos na capital francesa, ela resolveu mudar.

 Divulgação

Foi durante uma viagem por vinhedos no sul do país que ela e a sócia, a chef Amélie Darvas, se apaixonaram por uma construção medieval, um presbitério localizado em Vailhan, vilarejo com 150 habitantes, onde não existe nem comércio. A idealização de uma vida mais leve e sustentável as levou a comprar o imóvel e a abrir ali uma nova casa, o estrelado Äponem.

Apesar de trabalharem muito, cuidando de sete hortas, recebendo os insumos locais para elaborar o menu degustação e a harmonização dos vinhos, que mudam diariamente, Gaby gosta desse estilo campestre. “Temos uma vida de monjas, sem nenhuma distração, estamos aqui para trabalhar, para ficarmos bem concentradas. Mas é isso também que faz a força e a fragilidade do projeto, porque é uma dedicação total, tentamos trabalhar com a ideia de subsistência. É um modelo um pouco virtuoso, de equilíbrio, bem engajado”, defende.