Como se despedir?
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Depoimento

O que você aprendeu com uma despedida?

O que você aprendeu ao dizer adeus? Ana Claudia Michels, Áurea Carolina, Benoit Mathurin e outros contam sobre despedidas importantes que deixaram marcas profundas, mas também aprendizados

Dolores Orosco 15 de Junho de 2025

O que você aprendeu com uma despedida?

Dolores Orosco 15 de Junho de 2025

O que você aprendeu ao dizer adeus? Ana Claudia Michels, Áurea Carolina, Benoit Mathurin e outros contam sobre despedidas importantes que deixaram marcas profundas, mas também aprendizados

Deixar uma carreira que se amava, se despedir dos amigos para começar vida nova em outro país, dar o último adeus antes de viver a perda de alguém amado. Despedidas nunca são fáceis, deixam marcas profundas, mas também aprendizados.

À Gama, cinco pessoas falam sobre as lições que aprenderam durante processos de despedida que mudaram para sempre suas trajetórias.

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    Divulgação

    “Dar adeus à carreira de uma vida inteira não é de uma hora pra outra”

    Ana Claudia Michels, médica geriatra

    “Era modelo há quase 20 anos, quando decidi ir atrás do meu sonho de menina: a Medicina. A despedida das fotos e passarelas foi se dando aos poucos. Primeiro, comecei abrindo mão de trabalhos fora do Brasil para cursar a faculdade com tranquilidade. Depois, negava convites para desfiles nos quais as datas coincidissem com as semanas de provas. E assim fui priorizando os estudos até me especializar em geriatria. A moda é um ambiente bem diferente da Medicina, mas ela me trouxe vivências que foram importantes pra profissional que me tornei. Ser modelo me trouxe repertório de vida: aprendi com meus erros, a lidar com todo tipo de ego, a me comunicar em diferentes línguas. De alguma maneira, tudo isso me ajuda até hoje em decisões que tenho que tomar no consultório. Além disso, dar adeus à carreira de uma vida inteira não foi de uma hora pra outra. Mesmo formada, já me senti cosplay de médica algumas vezes. Até que a cabeça foi mudando também. Por exemplo: passei a não postar mais memes e fotos de biquíni nas minhas redes sociais. Sendo modelo, não seria nada demais. Mas hoje, cuido da saúde de pessoas que confiam em mim, então quero passar seriedade. Até essa tomada de consciência é parte do processo de dar adeus”

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    “É legítimo a gente poder repensar a própria trajetória”

    Áurea Carolina, cientista política, ex-vereadora e ex-deputada federal pelo PSOL. Hoje, é diretora da ONG Nossas

    “Quando fui eleita deputada federal por Minas Gerais, em 2018, eu ainda não tinha uma estratégia de autocuidado para me proteger de tudo o que viria. Eu estava no puerpério, depois veio a pandemia, os anos Bolsonaro e tudo isso junto resultou no combo bombástico de ataque de pânico, com crises de depressão e de ansiedade. Sair de cena para me cuidar foi a decisão mais acertada, mas não foi fácil. A equipe do mandato me acolheu e me apoiou na decisão de não tentar a reeleição e foi importante contar com essa rede de solidariedade. Todo mundo ali entendeu que não era um vale tudo para conseguir um objetivo, era a minha saúde em jogo. A pressão maior era minha comigo mesma, porque eu me sentia responsável por todo mundo que havia lutado comigo para chegar à política. Eram ativistas, gente que abriu mão de algo em nome desse propósito. Fui me despedindo aos poucos do mandato, em conversas individuais com a equipe, grupos de articulação… Ter dado adeus dessa forma honrou a minha decisão, mostrou que não se tratava de uma negação de tudo o que havia feito, não era jogar tudo para o alto e dizer que não valeu a pena toda a luta. Em todo esse processo, aprendi que é legítimo a gente poder repensar a própria trajetória”

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    Arquivo pessoal

    “Nunca me preparei para a despedida. Só queria lutar para que meu filho vivesse da melhor forma, um dia de cada vez”

    Dabiene Sousa, enfermeira

    “Quando vi o João Emanuel pela primeira vez, ele tinha um mês de vida e passaria por uma cirurgia delicada para um bebê com hidrocefalia. Ele havia sido abandonado pelos pais na Santa Casa de Belo Horizonte, onde eu trabalhava como enfermeira. Lembro de ter olhado para ele no berço e a conexão foi imediata, coisa de Deus mesmo. Peguei no colo e disse: ‘Você nunca mais estará só!’, foi uma quebra total de protocolo para uma enfermeira. Mas naquele momento me senti mãe. Meses depois, consegui adotá-lo. Eu já tinha duas filhas adultas e, tanto elas quanto meu marido receberam o João com todo amor. O maior sofrimento pelo qual passava não era ver a fragilidade do meu filho, mas a maneira como éramos tratados nos consultórios. Todos os médicos falavam a mesma coisa: ‘Você sabe que ele tem pouco tempo de vida, questão de meses’, quando a única coisa que eu sonhava ouvir era: ‘Estarei com você até o fim’. Mesmo com essa falta de apoio, com essa insistência dos médicos em falarem que o João viveria pouco, eu nunca me preparei para a despedida. Só queria lutar para que ele vivesse da melhor forma, um dia de cada vez. E assim foi. Meu filho partiu em outubro de 2024, mas me proporcionou os cinco melhores anos da minha vida. Levei para conhecer o mar, cachoeiras… O João foi o meu milagre”

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    Arquivo pessoal

    “Devo ao meu desapego a vida que conquistei hoje”

    Benoit Mathurin, chef do restaurante Esther Rooftop

    “Meu pai sempre dizia que fui uma criança desapegada. Se perdesse meu brinquedo favorito, logo colocava outro no lugar. E eu entendi que esse era mesmo um traço da minha personalidade quando decidi trocar minha Paris natal por São Paulo, há 10 anos. Eu tinha uma vida boa na França: trabalhava com pesquisas gastronômicas, morava em um barco, tinha meu grupo de amigos. Mas eu sabia que, se continuasse por lá, seria mais um na cena gastronômica, não havia mais para onde crescer. Por isso, não foi difícil dizer adeus a todos e embarcar na aventura de morar em um país que eu não sabia falar nenhuma palavra. Do momento que recebi o convite para abrir o restaurante aqui em São Paulo à minha chegada, foram seis meses. Vendi tudo o que tinha, fui me despedindo de família e amigos e vim, só com duas malas e o meu gato, sem data para voltar. Devo a esse desapego a vida que conquistei aqui no Brasil hoje: tenho visibilidade como cozinheiro, uma filha de 4 anos e a minha namorada. Ambas brasileiras”

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    “Tive que me despedir da minha zona de conforto, algo que sempre foi dificílimo para mim”

    Alucarva, criadora de conteúdo

    “Fui morar sozinha pela primeira vez aos 24 anos. Achei uma casinha aqui em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, e pagava as contas com o salário mínimo que recebia trabalhando em um cinema. Eu ia pedalando de bicicleta até o trabalho por quatro quilômetros e lá eu cuidava da limpeza das salas, da projeção dos filmes, da bilheteria, fazia de tudo… Mas eu sempre soube que minha vida não seria só isso. Comecei então a postar no meu Instagram vídeos sobre a minha realidade: os boletos atrasados, os fracassos amorosos, as vozes na minha cabeça, os encostos que moravam comigo (risos). Nesses vídeos, a casinha era quase um personagem. Gravei vídeos no quarto, na sala, no quintal e acho que a galera foi se identificando com os dramas da vida adulta. Principalmente a turma dessa minha geração que está morando sozinha pela primeira vez e passando perrengue. Quem nunca estendeu as roupas no varal na força do ódio ou fez uma daquelas receitas radiotivas de tanta gordura porque não sabe cozinhar direito? Em dois anos, conquistei mais de 1.7 milhões de seguidores. Mas ficou perigoso continuar morando lá. A cidade é pequena, todo mundo ficou sabendo onde era a casinha. Então tive que me despedir da minha zona de conforto, algo que sempre foi dificílimo para mim. Mas na casinha eu já havia esgotado minhas possibilidades, explorei todos os cômodos nos meus vídeos. Hoje vivo em um apartamento maior e os assuntos para meus seguidores aumentaram também. Ter me despedido da casinha para ir para um lugar melhor aumentou minha autoestima e ensinou que sou merecedora das minhas conquistas”

Um assunto a cada sete dias