Dez livros sobre solidão — Gama Revista
Como lidar com a solidão?
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Repertório

Dez livros sobre solidão

Gama reúne dez lançamentos literários que abordam diferentes faces da solidão, tema retratado nas páginas desde que o homem aprendeu a escrever

Leonardo Neiva 05 de Março de 2023
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Dez livros sobre solidão

Gama reúne dez lançamentos literários que abordam diferentes faces da solidão, tema retratado nas páginas desde que o homem aprendeu a escrever

Leonardo Neiva 05 de Março de 2023

Desde que o ser humano começou a escrever histórias, começou a escrever também sobre a solidão que sentia. “Volta-te para mim e tem compaixão, porque estou sozinho e aflito”, diz o Salmo 25 da Bíblia. “Em todo o tempo dessa minha vida solitária, nunca desejei de maneira tão intensa e sincera a companhia dos meus semelhantes”, revela o azarado náufrago protagonista de “Robinson Crusoé”. No final de seu romance mais conhecido, o colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014) faz questão de nos lembrar que “as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra”.

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Como tema eternamente presente em nosso cotidiano — a ponto de, até mesmo cercados de gente, sermos capazes de estar sozinhos –, o sentimento foi, é e sempre será um prato cheio para qualquer escritor ou estudioso que queira explorar em mais profundidade as tragédias internas da humanidade. E, para investigar o que os autores contemporâneos andam dizendo sobre a boa e velha solidão, Gama selecionou alguns dos lançamentos mais interessantes dos últimos anos a abordar o tema.

De uma dona de casa de meia-idade que se descobre sozinha em meio à vida que sempre sonhou a um combatente que passa três décadas na selva lutando uma guerra imaginária, a literatura continua extremamente rica nas facetas que retrata sobre o assunto. Veja outras delas a seguir:

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    “Mais uma Vez, Olive”

    Elizabeth Strout (Companhia das Letras, 2023)

    Quem assistiu à minissérie da HBO protagonizada pela sempre excelente Frances McDormand talvez não consiga dissociar a atriz da professora aposentada um tanto rabugenta, mas engraçada e, bem lá no fundo, muito bem-intencionada. No entanto, Olive nasceu de fato nas páginas do romance da escritora norte-americana Elizabeth Strout, no qual a série se inspirou. Nessa continuação, a personagem do título lida com outros aspectos do amor e da solidão conforme se aproxima da última parte de sua vida. “Mais uma Vez, Olive” é um novo convite para ver o mundo através do olhar de uma personagem bastante rica, cuja companhia, diria Billy Joel, é como compartilhar um drink chamado solidão.

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    “Ioga”

    Emmanuel Carrère (Alfaguara, 2023)

    Em 2015, o célebre escritor francês Emmanuel Carrère decidiu fazer uma experiência: passar dez dias de solidão absoluta num retiro de meditação, com a intenção de escrever “um livrinho simpático” sobre ioga. Porém, quatro dias depois, precisou deixar às pressas seu oásis de tranquilidade. Um grande amigo acabara de morrer no atentado à sede do jornal Charlie Hebdo. A partir dessa rápida incursão solitária, a vida física e psicológica do autor vira de cabeça para baixo, com problemas sérios em sua relação amorosa e na escrita do livro. Voltando-se mais uma vez para dentro de si, o autor de obras como “Limonov” (Alfaguara, 2013) e “O Reino” (Alfaguara, 2016) explora com profundidade como uma jornada de solidão que começou na busca pelo autoconhecimento se encaminha para uma solitária autodestruição.

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    “A Gente Mira no Amor e Acerta na Solidão”

    Ana Suy (Paidós, 2022)

    Em seu lançamento mais recente, a psicanalista Ana Suy parte do princípio de que nenhum amor é capaz de nos libertar da solidão. Construído a partir de experiências vividas pela autora e diálogos em sala de aula, com amigos ou em sessões de análise — deitada ou não no divã –, o livro evita a todo custo ser um manual sobre como lidar com esses dois sentimentos. Pelo contrário, ele instiga uma continuação dessas conversas, numa profunda reflexão sobre nossas expectativas dentro de cada relacionamento, nossa vida interna e externa e o quanto cada amor já traz dentro de si uma centelha de solidão. “Ao encontrar um amor, a gente não encontra a parte que nos faltava até então. A gente encontra a metade que fará falta a partir dali”, escreve Suy.

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    “O Enraizamento”

    Simone Weil (Âyiné, 2022)

    Há quem considere que deixar para trás seu país natal, junto com os conterrâneos e as tradições que fizeram parte de sua vida, é como perder um pedaço de si. Para a filósofa e ativista francesa Simone Weil (1909-1943), no entanto, esse doloroso processo funciona como um desenraizamento. E, de acordo com a obra, essa se tornou uma doença crônica da modernidade, em que a fragmentação ganha nome de liberdade, destruindo a relação com o espaço, o tempo e nossa própria história — no fim das contas, uma solidão total e irreversível. Um dos livros mais intrigantes de uma autora que vem sendo cada vez mais estudada e cultuada com o passar do tempo.

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    “Solitária”

    Eliana Alves Cruz (Companhia das Letras, 2022)

    Nem toda solidão é desacompanhada. É uma das muitas coisas que faz pensar o primeiro romance contemporâneo de Eliana Alves Cruz, autora de “Água de Barrela” (Malê, 2018). O livro narra a saga de Eunice e Mabel, mãe e filha que, dentro de um prédio de luxo, vivem confinadas no espaço de um quartinho de empregada. Ao refletir sobre a herança escravocrata brasileira, a obra fala da solidão do trabalho doméstico em condições análogas às escravidão, em que o isolamento do mundo lá fora e de qualquer contato real faz o prisioneiro acreditar que ama a prisão.

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    “O Crepúsculo do Mundo”

    Werner Herzog (Todavia, 2022)

    Em filmes como “Fitzcarraldo” (1982) e “Aguirre, a Cólera dos Deuses” (1972), o cineasta e escritor Werner Herzog deixou claro seu interesse por homens consumidos pelo poder, em jornadas tão grandiosas quanto inúteis. E foi essa inutilidade, assim como a trágica solidão que acompanhou o ex-combatente japonês Onoda (1922-2014), que atraiu Herzog a escrever sua história. Para quem não conhece, Onoda foi um lendário tenente da Segunda Guerra Mundial que, certo dia, recebeu ordens dos superiores para manter uma ilha ocupada até o retorno do exército japonês. Como o exército nunca voltou, Onoda se recusou a acreditar que o Japão perdeu a guerra, mantendo uma guerrilha quase totalmente solitária na floresta por longos 29 anos — até que seu ex-comandante em pessoa o liberasse da missão. “A guerra de Onoda é insignificante para o universo, para o destino dos povos”, escreve Herzog em determinado ponto da história. Mas, para ele, é também “um acontecimento arrebatador, arrancado da eternidade.”

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    “O Século da Solidão”

    Noreena Hertz (Editora Record, 2021)

    “O neoliberalismo fez com que passássemos a nos ver como competidores em vez de colaboradores, consumidores em vez de cidadãos”, diz a economista inglesa Noreena Hertz em seu estudo sobre a desconexão causada pelo século 21, que pensamos ser a era da eterna conexão. Mesmo antes de a pandemia de covid-19 decretar um experimento em massa de solidão coletiva, Hertz afirma que o sentimento já vinha plantando suas garras sobre nós, em comunidades fragmentadas por décadas de políticas que puseram o interesse próprio acima do bem coletivo. Mas, em vez de propor um impossível retorno ao passado, a autora sugere inovar no uso do urbanismo e de tecnologias como a inteligência artificial, criando ambientes e situações que gerem encontros no lugar de desencontros.

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    “Um Homem Só”

    Christopher Isherwood (Companhia das Letras, 2021)

    Clássico absoluto da literatura de língua inglesa, o livro lançado em 1964 causou um certo escândalo na sociedade da época ao retratar a maturidade de um homem abertamente homossexual. Após a morte daquele que foi seu parceiro por mais de uma década, um professor de inglês de meia-idade não consegue se adaptar à rotina ou superar o luto que sente diariamente. O jeito contido e reservado do personagem esconde um homem que sente desejo por corpos masculinos e que aprecia a beleza com toda a intensidade — sensações imediatamente podadas pelo puritanismo da época. Como um dos primeiros representantes do romance gay moderno, a obra de Isherwood é também um difícil retrato da solidão, em que não apenas uma tragédia individual, mas a própria sociedade impede uma pessoa de viver sua vida de forma plena.

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    “Eliete: A Vida Normal”

    Dulce Maria Cardoso (Todavia, 2022)

    No elogiado livro da escritora portuguesa Dulce Maria Cardoso, a Eliete do título alcança suas metas de existência aos 40 e poucos anos, encontrando-se em meio a uma vida normal. Ou seja, um marido com quem pouco fala, filhas saudáveis e distantes, uma condição financeira confortável e a presença constante de amigos e familiares. Mas uma notícia inesperada acaba esvaziando de sentido o sonho de Eliete, deixando no lugar a solidão absoluta. A obra, que levou o segundo lugar no Prêmio Oceanos, chama a atenção por colocar no cerne da história uma questão sem resposta: o que fazer quando a vida que você quer se revela o oposto daquilo que esperava? Abordando também a ancestralidade, as pressões diárias sofridas pelas mulheres e a herança ditatorial, o livro é uma exploração do quanto pode ser anormal viver uma vida normal.

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    “Flâneuse”

    Lauren Elkin (Fósforo, 2022)

    Em geral, costumamos tratar a solidão como um sentimento negativo, do qual precisamos fugir sempre que possível. Mas e quando estar só vira uma libertação? Em seu livro mais popular e premiado, a escritora norte-americana Lauren Elkin investiga uma lacuna grave na história mundial das ruas. O poeta Charles Baudelaire (1821-1867) foi quem criou o termo flâneur para designar sujeitos que vagueiam sem rumo pela paisagem urbana, figuras que acabaram se tornando símbolos da modernidade ocidental. Mas onde estão as flâneuses? Ela mesma uma andarilha de carteirinha, a autora resgata os passeios empreendidos por artistas como Virginia Woolf (1882-1941), George Sand (1804-1876) e Sophie Calle para provar que as flâneuses sempre estiveram por aí. Nós é que optamos por não enxergá-las. Além de uma ode à exploração das cidades a pé, o livro é também uma crítica ao eterno cerceamento das mulheres em espaços públicos, que interfere inclusive em seu direito universal de andar solitárias pelo mundo.