Talentos de alcance amazônico — Gama Revista

Talentos de alcance amazônico

Ativistas, autores de HQ, artistas visuais e cantoras que abraçam a influência da floresta em sua arte

Carolina Vasone 22 de Setembro de 2022

Há artistas paraenses, amazonenses, maranhenses. E há artistas que têm essa origem mas são acima de tudo amazônicos. Para quem não é de um dos noves Estados agraciados pela presença da floresta apelidada de pulmão do mundo em seu território, pode ser difícil entender o que só quem vive essa realidade é capaz de explicar com propriedade.

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“Todos os dias, sinto a presença desses outros habitantes que vivem aqui. Me entendo também como parte da Amazônia, não consigo enxergar (a floresta) como algo separado”, diz a cantora Karen Francis, que mora num bairro da periferia de Manaus que faz fronteira com uma reserva ambiental. “Temos uma cultura com influência indígena que vai desde a forma de falar, passando pela gastronomia e também pela visão de mundo”, afirma Ademar Vieira, roteirista, ilustrador e autor de “Ajuricaba”, uma HQ baseada na história de um herói indígena do século 18, indicada ao prêmio Jabuti de 2021.

Seja de maneira mais evidente ou subjetiva, sendo indígena, negro, branco, morando num centro urbano ou não, cada artista que se reconhece amazônico passa para seu trabalho a herança cultural da região. A seguir, conheça uma turma variada de talentos com essa característica comum.

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    Cícero Bezerra

    Samela Sateré Mawé

    ativista ambiental e comunicadora

    Originária do povo indígena Sateré-Mawé, Samela é integrante da ONG Fridays for Future, da sueca Greta Thunberg, articuladora de ações para a proteção dos povos indígenas, palestrante nacional e internacional da causa climática. Recentemente esteve em Nova York como uma das convidadas do Brazil Climate Summit, conferência na faculdade de economia da universidade de Columbia, que reuniu empresários, acadêmicos e ativistas brasileiros para discutir economia sustentável visando a preservação do meio ambiente. E esse é apenas um dos muitos eventos da agenda da estudante de biologia na Universidade do Estado do Amazonas que, aos 25 anos, é um dos destaques da nova geração do ativismo indígena e ambiental no país.

    A conta no Instagram, hoje com mais de 80 mil seguidores, foi o meio encontrado pela militante de divulgar suas causas. Frequentadora desde pequena de movimentos indígenas em Manaus, onde nasceu, sua primeira ação de repercussão nacional aconteceu há cerca de dois anos nas redes sociais, quando articulou a venda de todos os produtos da associação de artesãs sateré-mawé, parada por conta da pandemia, para um grupo no Reino Unido. Por meio da divulgação no Instagram, conseguiu ainda verba para compra de maquinário para a produção de máscaras. Dali por diante, veio o pedido da associação de Greta para mapear povos indígenas que precisavam de auxílio durante o período pandêmico, arrecadação de R$ 1 milhão para a ajuda, convites para conferências e para integrar o time de apresentadores do Canal Reload, plataforma de notícias voltada para o público jovem, onde ela fala sobre temas como apropriação cultural, garimpo ilegal e perseguição aos Yanomami.

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    Junior Franch

    Aíla

    cantora e compositora

    Nascida em Terra Firme, periferia de Belém, Aíla batizou seu primeiro álbum, lançado em 2012, de “Trelêlê”. O uso do termo, que faz referência ao tremor que o jambú provoca na boca quando se come algo preparado com a planta típica do Pará, já sugere o nível de engajamento da cantora com sua cultura regional. Quase uma década depois, seu mais recente disco, “Sentimental” (2021), maximiza todas as influências da música pop amazônica já características do estilo da artista, com um mix de brega, calypso, brega funk, pisadinha e pagodão.

    Feminista, militante da causa lésbica, com letras tão engajadas quanto bem-humoradas, Aíla reverbera nacionalmente não só seu próprio estilo musical com forte influência amazônica como o de outros talentos da região Norte do Brasil: é diretora artística do Festival Mana, que privilegia o protagonismo das mulheres do norte do país na música brasileira e também do festival de arte e tecnologia Amazônia Mapping, ambos realizados em Belém. Ela foi ainda diretora musical do Nave, projeto dentro do último Rock in Rio que reuniu artistas de vários Estados cortados pela Amazônia, com show de Fafá de Belém e apresentações de DJs, performers e cantores da nova cena amazônica. “O Pará já esteve aqui com a Dona Onete, agora sinto uma chegança maior, os nove Estados estão na Nave, do Amazonas, Pará, Amapá, até o Mato Grosso, que não é lembrado, mas também é Amazônia. A gente tem artistas visuais, ativistas, é um projeto muito grande”, disse em entrevista, na época do evento.

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    Divulgação

    Ademar Vieira

    autor de HQ, roteirista e ilustrador

    Desde criança, Ademar Vieira cria e ilustra os próprios quadrinhos, mas foi só há cerca de quatro anos que decidiu transformar o que até então era um hobby em um projeto profissional bem-sucedido. “A partir de 2018, vendo a cena dos quadrinhos em Manaus ganhar uma nova efervescência, decidi criar o estúdio Black Eye junto com alguns amigos e, desde então, começamos a lançar títulos independentes todos os anos”, conta o roteirista e ilustrador nascido e criado em Manaus. Com o objetivo de representar o Norte no resto do País, o estúdio focou em HQs com temas amazônicos, como “Ajuricaba”, livro indicado para o Prêmio Jabuti do ano passado na categoria “Quadrinhos”.

    “Em ‘Ajuricaba’, fiz uma extensa pesquisa tanto de conteúdo histórico quanto antropológico para remontar a história do líder Manao, que lutou até a morte pela liberdade de seu povo e dos demais indígenas do Rio Negro no século 18”, diz Ademar, que escreveu o roteiro e criou o layout das páginas do livro, ilustrado pelo também amazonense Jucylande Júnior. Baseado em Buenos Aires desde o início do ano, depois de um período em São Paulo, o quadrinista se considera, onde quer que vá, um artista amazônico. “Acho que ser da Amazônia é uma experiência diferente das de outras partes do país. Temos uma cultura com influência indígena que vai desde a forma de falar, passa pela gastronomia e também pela visão de mundo. Tento refletir isso nas histórias que contamos.”

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    Karen Francis

    cantora e compositora

    Uma das atrações do festival Primavera Sound São Paulo, que acontece no próximo 31 de outubro, Karen Francis tem quase o mesmo tempo de vida que de palco. Aos quatro anos, cantou pela primeira vez na igreja frequentada pelos pais. Aos 9, começou a tocar violão, e aos 13, já compunha as próprias canções. Aos 18, lançou seu primeiro EP, “Acontecer”, calcado na MPB e no R&B, com toques de afrobeat, herança, ela conta, da mãe moçambicana. Sua música também reflete suas experiências de mulher negra e lésbica na periferia de Manaus (AM), com discussões sobre dramas amorosos, ancestralidade e negritude

    Nascida no interior do Amazonas, na cidade de Maués, a artista cresceu em Manaus, onde iniciou, em 2017, o curso de Licenciatura em Música, na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). O bairro Cidade de Deus, onde vive, é vizinho de uma grande reserva ambiental, o Jardim Botânico de Manaus – Adolpho Ducke. “Moro num contexto periférico muito diferente de periferias de outras cidades. Com certeza toda essa paisagem sonora, tanto da natureza, que está aqui do lado, às vezes gritando, às vezes num silêncio absoluto; quanto da cidade, que está avançando e indo para dentro da floresta, tudo isso influencia como penso a minha vida e minha música”, diz a artista, que lança seu primeiro álbum completo em outubro. E completa. “Todos os dias sinto a presença desses outros habitantes que tem aqui. Me entendo como parte da Amazônia também, não consigo enxergar como algo separado.”

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    Gustavo Caboco

    multiartista

    “Sou um artista Wapichana.” É assim que Gustavo Caboco se define ao citar o povo de sua origem e tônica de sua obra. Nascido em 1989 em Curitiba, no Paraná, ele faz uma reflexão sobre o deslocamento dos corpos indígenas e sua influência no que ele chama de “memoricídio”, ou o apagamento da herança ancestral que, no caso dele, foi preservada por sua mãe, que nasceu e viveu no território de origem dos Wapichana, em Roraima, no norte amazônico, e a transmitiu oralmente ao artista. Caboco transformou as histórias maternas, junto com objetos como uma apostila ilustrada da língua dos Wapichana, dada por um tio, em pinturas, desenhos, bordados, animações e performances.

    “Trabalho a nossa memória com esse processo do retorno à terra, pensando a ideia histórica dos deslocamentos indígenas, a nossa memória viva, dos nossos avós e também das nossas crianças”, diz o artista cuja exposição mais recente, na galeria Millan (SP), não à toa teve “Ouvir À Terra” como título escolhido. Criado na realidade urbana da capital paranaense, Caboco foi pela primeira vez à terra dos Wapichana em 2001, quando conheceu sua avó e seus familiares indígenas, momento, segundo ele, definidor para seu futuro como artista. Finalista do Prêmio Pipa 2022, Caboco tem no currículo exposições no Centro Cultural Banco do Brasil, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, além de ter participado da 34ª Bienal de São Paulo.

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Este conteúdo é parte da série “Uma conversa sobre Amazônia”, que pretende estimular uma reflexão coletiva sobre a região, e tem o apoio da Natura.

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