Negras, indígenas e periféricas: cinco ativistas brasileiras na COP27
Brasil vai à conferência do clima representado por quilombolas, ativistas do movimento negro e jovens que defendem seus territórios contra o aquecimento global
Enchentes, longos períodos de estiagem, ondas de frio intenso, furacões, deslizamentos de terra e incêndios florestais são a face visível e mais devastadora do aquecimento do planeta. Esses eventos climáticos extremos se repetem com uma frequência vertiginosamente maior e castigam sobretudo as populações mais vulneráveis: as que habitam as encostas periféricas das cidades e o interior do país, onde a seca se agrava ano a ano e atinge até as comunidades ribeirinhas, que dependem dos rios para se locomover e pescar.
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A conferência das Nações Unidas para o clima, COP27, que acontece no Egito, marca o retorno do Brasil à posição de destaque na luta contra as mudanças climáticas e o aquecimento global. Além da presença do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, há uma grande representação daqueles que são mais afetados, com ativistas de movimentos indígena, quilombola e negro, compondo uma delegação brasileira bastante diversa e numerosa. Só a organização Engajamundo levou 19 jovens, a maioria do Norte e do Nordeste do país. A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) participa com 11 pessoas.
A Gama apresenta a seguir a história de cinco mulheres de diferentes origens que, em comum, buscam justiça ambiental para os mais atingidos pelos efeitos das mudanças climáticas. Com exceção de Nilma Bentes, todas conversaram conosco direto de Sharm el-Sheikh, no Egito, entre os muitos compromissos da conferência.
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“Precisamos pensar na devastação gerada pela ganância”
Nilma Bentes, 74 anos, engenheira agrônoma, escritora e ativista pelos direitos das mulheres e dos negros
Às vésperas de sua viagem para o Egito, para participar de sua primeira COP, Nilma estava apreensiva, especialmente por conta dos costumes do país mulçumano e da vigilância sobre as mulheres. Ativista mais experiente desta lista, ela é feminista e principal voz do movimento negro na região Norte do país, fundadora do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa) e uma das idealizaras da Marcha das Mulheres Negras, que, em 2015, reuniu 50 mil manifestantes em Brasília.
Sempre focada na luta contra o racismo, ela faz uma reflexão sobre as modalidades do racismo, como o alimentar, o religioso, o recreativo e, claro, o ambiental. “O movimento negro bebe de várias fontes e, no caso do racismo ambiental e do institucional, eles chegam pelos Estados Unidos. É super importante para a equidade porque, a rigor, destacam o lado da pobreza, a questão da gentrificação. Porém, apesar dos vários adjetivos que o qualificam, o racismo é o mesmo. Todos estão interpenetrados”, explica ela, que também é autora de livros, como “Negritando” (Graphitte, 1993).
Para a ativista, o antropocentrismo impede que nós, humanos, tenhamos uma visão correta da natureza. “Somos os únicos animais que produzimos lixo, os outros vivem com a natureza. Mas somos 80% água, então também somos a natureza, não estamos de fora.” Por isso, ela afirma, é difícil observar e analisar a natureza, já que estamos dentro dela. “O importante é que nós não estamos acima da natureza, precisamos pensar nisso. Pensar também na devastação gerada pela ganância. Não é possível que, por exemplo, uma empresa com cinco sócios tenha mais de mil hectares e, às vezes, um quilombo com 30 famílias não consiga se legalizar. A desigualdade no Brasil é muito grande, e, quando se fala de um tipo de racismo, falamos de todos, é sistêmico.”
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“O que fica para nós, os indígenas, é a destruição dos rios, igarapés e da nossa floresta”
Valdinéia Sauré, 26 anos, indígena do povo munduruku e ativista sócio-ambiental
Esta é a terceira conferência do clima que Vall Munduruku, como é mais conhecida, participa. Ela integra a delegação de jovens do Engajamundo e destaca a importância de ocupar o espaço onde importantes decisões são tomadas. “Estar nesse espaço é fazer com que sejam ouvidos e levados em consideração nossos modos de vida. Como mulher da juventude indígena, sei o que acontece nos territórios e como isso implica diretamente em nossos modos de vida”, conta.
Vall é da região do alto Rio Tapajós, no Pará, que sofre com o desmatamento e o garimpo ilegal, responsável pela contaminação dos rios. “É fundamental trazer as nossas narrativas para dentro desse espaço, saber que podemos fazer parte dessa mudança e que os nossos problemas sejam vistos, além de propor soluções.” A economia, lembra ela, não pode ser maior do que a realidade e as vidas. “Precisamos pensar em soluções para frear os efeitos das mudanças climáticas. Somos as populações que menos contribuem para elas e as que mais sofrem com as consequências. Não podemos pagar por isso.”
Primeira de sua família a ter acesso e a concluir o ensino superior – ela fez gestão pública e desenvolvimento regional, em Santarém, no Pará –, Vall se tornou ativista e figura pública pela defesa dos povos da floresta e sua forma de viver. “Tudo o que acontece no território do meu povo não fica nós. Tanto o desenvolvimento quanto as soluções visam lucro e tem como objetivo mudar nossos modos de vida”, lamenta.
“O que fica para nós é a destruição dos nossos rios e igarapés, da nossa floresta, o que nos afeta diretamente. Dentro dos territórios hoje os conflitos são diários, com perda de vida de lideranças. Não podemos continuar assim, é preciso estar nessa linha de frente, denunciando. Essa é a importância do ativismo.”
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“Não aceitamos que falem de nós sem nós”
Maryellen Crisóstomo, 31 anos, jornalista e ativista pelos direitos dos quilombolas
“As comunidades quilombolas estão presentes em 30% dos municípios brasileiros, nos 24 estados e em todos os biomas. Então, estar na COP é mostrar nossa representação, ampliando nossa voz e visibilidade. Estamos aqui para denunciar e exigir que o debate sobre a agenda climática e ambiental tenha a inclusão dos quilombolas”, afirmou, direto de Sharm el-Sheikh, Crisóstomo, que é integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (CoeqTO).
Principal entidade do movimento e da pauta quilombola no Brasil, a Conaq participou da COP26, no ano passado, com quatro representantes. Neste ano, esse número subiu para dez, além de um tradutor. “As pessoas que vieram na COP anterior perceberam o quão grande é esse universo e a quantidade de espaços de incidência, de estabelecer relações. Era preciso muito mais do que quatro pessoas para dar conta de levar a nossa pauta, porque nós não aceitamos que falem de nós sem nós”, afirma Maryellen, que integrou pela primeira vez a delegação.
“Por que não falar da presença dos quilombolas nos biomas? Por que não falar que os quilombolas também estão sendo afetados também pelas injustiças climáticas?”, questiona.
Fruto do ensino público, ela teve que se distanciar da família aos 8 anos para ter acesso ao ensino básico no município de Almas (TO), onde vivem menos de 9 mil pessoas. “Para poder continuar os estudos, eu e meus irmãos ficávamos na cidade e meus pais, na área rural. Só depois que minha mãe foi morar conosco. Concluí o ensino médio e ingressei na faculdade, no curso de jornalismo, em 2010. Fui aprovada no vestibular, na época, ainda não havia cotas raciais.”
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“A voz dos jovens deve receber os holofotes e ser escutada”
Larissa Pinto Moraes, 26 anos, mestre em psicologia social e parte da diretoria do Engajamundo
Mulher negra e de origem amazônica, Larissa faz questão de lembrar de uma certa posição de privilégio. “Tive muitas possibilidades de acesso. Sou a terceira geração de uma família de mulheres, que, de alguma forma, sempre foram as líderes da casa e levavam os estudos muito a sério”, afirma.
Ela deixou Rio Branco, no Acre, com 17 anos para fazer faculdade em Rio das Ostras, interior do RJ, e hoje vive na cidade do Rio de Janeiro. Desde o ano passado, Larissa integra a diretoria executiva do Engajamundo, organização de liderança jovem dedicada a enfrentar problemas ambientais e sociais e que tem 250 voluntários em todo o Brasil. “A entidade foi criada em 2013, a partir da reunião da Rio+20, por uma percepção de que a juventude tem muito a contribuir para o debate climático no Brasil e fora. Era um espaço que não conseguíamos ocupar, onde não havia entrada”, recorda Larissa.
A delegação do Engajamundo na COP27 conta com 19 representantes da juventude brasileira, uma das maiores da história das COPs. “A maioria são jovens de origem amazônica e do Nordeste. São essas vozes que queremos ver aqui, que devem receber os holofotes e serem escutadas. Quando a gente pensa em racismo ambiental, por exemplo, tem a ver também com quem é o protagonista dessa história. Quem está ocupando esses lugares de fala e quem, de fato, está à mesa.”
Ao comentar a decisão da ativista sueca Greta Thunberg de não participar do encontro, Larissa pontuou a lentidão do processo de negociação.”Quando falamos de construção de política e de acordo é uma coisa amorosa. Significa que as coisas andam absolutamente devagar, mas existe um fato inegável dentro desse espaço que é a vitrine. Para mim, fica um pouco a pergunta: Quem pode se dar ao luxo de abdicar dessa vitrine?”
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“Em defesa da justiça climática e da universidade pública de qualidade”
Marina Fonseca, 28 anos, doutoranda em antropologia social no Museu Nacional da UFRJ
A antropóloga ainda estava “sem acreditar” que tenha ido ao Egito para a COP27, ao conceder esta entrevista, na semana passada. Não que faltem motivos para Marina participar da conferência do clima. Além de sua pesquisa acadêmica com povos indígenas, ela já deu aulas – é uma entusiasta da escola pública – e também trabalha na ONG Criola, entidade com quase três décadas de existência, que atua na defesa e promoção dos direitos das mulheres negras.
Nascida em Três Corações, no sul de Minas, a jovem se mudou para Brasília com a família na infância e se formou em ciências sociais na Universidade de Brasília (UnB). Marina é a primeira geração da sua família a se graduar. “Eu e minha irmã entramos na faculdade e engatamos na pós-graduação. Sempre tive envolvimento com militância. Hoje estou no melhor dos mundos, em Criola, atuando na defesa de direitos humanos e pela justiça climática, e com minha pesquisa de doutorado.”
Fugindo um pouco do que o establishment espera de uma estudante negra, na graduação e no mestrado, ela buscou objetos de estudo não relacionados à negritude. Dedicou-se aos terenos da terra indígena Buriti, em Mato Grosso do Sul, e, no doutorado, ao povo akroá gamella, do Maranhão. Depois que se formou, lecionou sociologia por dois anos na rede pública.
Ela aponta a entrada na universidade como um ponto de mudança não só em sua vida, mas também na de sua família. “Não só por causa de emprego e bolsa de pesquisa, mas pela visão de mundo. Sou uma eterna defensora da universidade pública gratuita de qualidade. Digo com tranquilidade que não estaria onde estou se não fosse pela universidade pública.”
Este conteúdo é parte da cobertura especial sobre a COP27, que pretende estimular uma reflexão coletiva sobre o clima, realizada em parceria com o Instituto de Referência Negra Peregum e com apoio do Instituto Clima e Sociedade.