Uma turma de diversidade geek — Gama Revista

As vozes da diversidade geek

Jornalistas, streamers, pesquisadores. Conheça as vozes que lutam pela diversidade no universo geek

Andressa Algave 27 de Julho de 2022

Qual é a cara do nerd hoje em dia? Ao pensar em alguém que consome animações, quadrinhos e joga muitos videogames, não é raro que a primeira imagem associada seja a de um homem branco que usa óculos. Esse modelo foi enraizado por produções da cultura pop como “Superbad” (2007), “O Virgem de 40 Anos” (2005) e a imagem de Clark Kent nos quadrinhos de “Superman” (1938, DC Comics).

Se nos filmes e quadrinhos o nerd é pacífico, tímido e no geral tolerante, na vida real nem sempre é o caso. A repetição de ataques racistas, misóginos e transfóbicos de alguns grupos do universo geek criou outro estereótipo. Motivados por frustrações com as produções favoritas, o público nerd se tornou uma das categorias de fãs mais intolerantes com a diversidade. Em 2021, após ser acusado de “não defender o visual dos personagens” por fãs, o autor Neil Gaiman saiu em defesa do elenco negro e não-binário da adaptação do quadrinho “Sandman” (1988, DC Comics), transformada em série para o Netflix.

Apesar da tensão que pessoas trans, racializadas e mulheres sentem ao adentrar o mundo nerd, o cenário não é só de intolerância: apenas falta visibilidade para quem já luta para tornar o lugar mais hóspito. Os esforços já são perceptíveis em grandes produções como o longa “Eternos” (2021, Marvel Studios). O filme conta com um elenco diverso e é o primeiro do estúdio a ter um super-herói assumidamente gay: Phastos, representado pelo ator negro Brian Tyree Henry. Os dados também apontam a mudança: no mundo gamer, mulheres são 51% do público brasileiro e 50,3% de todos os jogadores são pretos e pobres, segundo a Pesquisa Gamer Brasil 2021.

“Existe uma representação branca e masculina do meio nerd, mas não é uma realidade. Somos uma comunidade muito potente e muito diversa”. Quem conta é Andreza Delgado, preta, periférica, co-fundadora da convenção Perifacon e entrevistada da Gama para este texto. O evento é o primeiro a levar cultura nerd para as favelas e a edição deste ano acontecerá no dia 31 de julho, em São Paulo.

Conheça a seguir pessoas que estão batendo de frente com a intolerância no meio geek. São jornalistas, produtores de conteúdo e pesquisadores dispostos a tornar o universo nerd mais diverso.

  • Andreza Delgado

    Colunista de cultura pop, co-fundadora do Perifacon e PerifaGamer

    Andreza Delgado, 26, é colunista do Itaú Cultural, co-fundadora do PerifaGamer e do Perifacon, e uma das presidentes do júri técnico do CCXP Awards, premiação da maior convenção nerd do país. Apesar do engajamento atual com o mundo geek, foi só na primeira edição do Perifacon, em 2019, que ela se percebeu parte do universo pop. A descoberta se baseou por uma ideia central: levar representatividade para estes espaços.

    O Perifacon foi organizado em 2018 por Delgado e seis outros jovens periféricos: Igor Nogueira, Mateus Ramos, Matheus Polito, Luíze Tavares, Gabrielly Oliveira e Pedro Okuyama. A ideia veio da frustração do distanciamento da cultura nerd e pop dos consumidores que vem dos subúrbios e favelas, mas o objetivo não era tornar a convenção um ambiente fechado, conta Andreza. “A gente viu que precisávamos criar um espaço para essas pessoas que não só produzem como consomem esses universos, mas também um centro para todo mundo, não só da periferia”.

    Com o sucesso da convenção, a equipe já colaborou com o Netflix no projeto “Na Boca do Povo”, animações que brincam com as produções do streaming, e levou jovens das periferias para a Spoiler Night do Comic Con. O Perifacon também contribuiu para o aumento na demanda de conteúdo nerd para estes espaços, que antes eram esquecidos por empresas. Andreza conta que a segunda edição do evento, marcada para 31 de julho, tem o objetivo de levar mais marcas e demonstrar o potencial de compra dos geeks suburbanos.

    Na cultura pop, a criadora de conteúdo diz que tem consumido muito do mundo dos super heróis: “Tenho pirado muito nas animações que a DC tem entregado. A animação da Harley Quinn, por exemplo, zoa muito esse nerd que odeia representação. Acho ótimo”.

  • Christian Gonzatti

    Pesquisador e fundador do Diversidade Nerd

    Foi depois de pesquisar sexualidade e gênero na cultura pop que o criador de conteúdo de 29 anos fundou em 2015 a primeira versão do que depois se tornou o Diversidade Nerd: a página no Facebook “Viado Nerd”. O espaço tratava das pautas da homofobia e da sexualidade dentro do mundo geek e atraiu oito mil seguidores em uma semana. A visibilidade também rendeu ataques: o Facebook acabou derrubando o perfil por denúncias de usuários.

    Em 2016, a pedidos de quem conhecia a página anterior, Gonzatti fundou a Diversidade Nerd na mesma rede, e a partir de 2020 passou a produzir mais conteúdo: o pesquisador desenvolve vídeos, textos e materiais sobre o tema. “Desde então tem sido uma surpresa. Mas é difícil porque as plataformas não favorecem conteúdos LGBTQIA+ e os grupos intolerantes sabem se valer disso para derrubá-las”, conta.

    Apesar de estar exposto à parcela homofóbica da cultura, Chris continua promovendo discussões sobre o tema. A página já levou o pesquisador a fazer palestras em empresas como a Ambev e o motivou a escrever o livro “Pode um LGBTQIA+ ser super-herói no Brasil?” (2022, Editora Devires), que investiga a perseguição de personagens com uma sexualidade diversa.

    Dentro do universo nerd, ele conta que leu recentemente as HQs do universo Heartstopper (2018, Editora Graphix), que foi adaptado para uma série do Netflix este ano. “Estou sempre tentando extrair questões políticas e de gênero desses elementos da cultura pop para levar tanto para as minhas pesquisas quanto para o Diversidade Nerd”.

  • Bárbara Gutierrez

    Jornalista de e-sports e streamer

    Desde 2015 no jornalismo de games, Bárbara Gutierrez, 29, conta que sempre amou o mundo dos jogos. Depois de alguns anos, ela decidiu se arriscar no streaming, um sonho antigo que a ajudou a enfrentar momentos difíceis na saúde mental. Gutierrez, que também faz parte da comunidade LGBTQIA+, aborda questões de gênero e sexualidade nas lives e nas redes sempre que possível. “Fico muito contente em ter trabalhado para ter uma comunidade ao meu redor de pessoas incríveis, parceiras, que gostam do que eu faço”.

    Para ela, o posicionamento é parte importante da luta por um universo geek menos cercado de ódio. A streamer diz que adotar lutas e levantar bandeiras é uma ação contrária a uma tendência intolerante que não surgiu do público, e sim das antigas propagandas de games e do mercado. Criadores que usam de suas plataformas para falar sobre suas pautas criam uma colaboração em rede importante para mudar o cenário, ainda que aos poucos.

    Apesar do esforço de mudança, Gutierrez diz que não está fazendo isso por si, e sim pelas próximas gerações. A esperança é que os jovens nerds do futuro possam produzir conteúdo ou trabalhar com a cultura pop sem se preocupar com o constrangimento causado por outros. “Games não são besteira. Podem ser uma plataforma de ensino, de entretenimento, é arte, é cultura. Os e-sports são o meu meio de disseminar diversidade.”

    Na cultura geek, ela diz que tem jogado “Valorant” (2020) e “Lost in Random”(2021), nos streamings tem jogado um remake de “Resident Evil 2” (2019), e nas séries tem assistido “Moon Knight” (2022). “Tento me manter ativa e ficar ligada no que tem de novo.”

  • Larissa Becko

    Pesquisadora em cultura pop

    A pesquisadora Larissa Becko, 33, se interessou pelo mundo nerd durante a produção de seu trabalho de conclusão de curso, em 2012, época dos primeiros lançamentos da produtora Marvel Studios. No trabalho, ela tratou sobre os quadrinhos do Capitão América e a política inserida neles. O mestrado, pouco tempo depois, seguiu o mesmo interesse no universo da cultura pop. Foi falando com mulheres fãs de quadrinhos, games e animações que ela percebeu a normalidade da intolerância no meio. “Em eventos, se você é mulher e fã de algo, sempre é questionada. É um ambiente tóxico que demanda esforço.”

    Quando se trata da discussão sobre a diversidade, a acadêmica conta que é importante que os grandes eventos do público nerd abordem temas particulares de pessoas oprimidas. As opiniões polarizadas dentro da cultura geek são, nesse caso, reflexo da própria indústria: se o público precisa lutar para ocupar espaços, os criadores de conteúdo também se esforçam. Ela cita que a intolerância na cultura pop é um reflexo de uma sociedade doente, de mais violência e menos discussão.

    A pesquisadora diz que se distanciou do cenário nerd por causa da pandemia, mas que é impossível deixar de acompanhar o que tem de novo. “Vira e mexe vou no cinema, vejo os filmes que saem. Histórias em quadrinhos, séries… estou sempre em contato com esses produtos”.

  • Ricardo Regis

    Youtuber e gamer

    Ricardo Regis, 33, fazia faculdade de tecnologia da informação quando fundou o canal do Youtube “Nautilus”, em 2014. A dedicação o fez sair do curso e do trabalho no sonho de trabalhar com videogames. Ele define o canal, que hoje tem 19 milhões de visualizações, como um conteúdo que é menos de influência e mais da imprensa. Recebe jogos, faz reviews e deixa o posicionamento bem claro: um dos vídeos, por exemplo, recomenda apenas jogos da esquerda política. “A cara da cultura nerd ainda é branca. Ainda falta muito para inserir vozes diversas nesse debate, por isso é importante ver pessoas pretas falando disso.”

    Em 2020, Regis se solidarizou com o jornalista de e-sports Luiz Gustavo Queiroga, que recebeu ataques racistas após dizer que se sente representado com os personagens negros Phoenix e Raze, do jogo Valorant. O canal Xbox Mil Grau, que era conhecido por promover ataques transfóbicos, racistas e misóginos, reuniu alguns seguidores para perseguir o jornalista. Regis levantou uma hashtag e iniciou uma longa campanha para derrubar a plataforma: conseguiu que o Youtube e o Twitch banissem o canal de suas redes. A representante brasileira da Xbox também lançou nota contrária às declarações da plataforma racista.

    Depois do sucesso em derrubar o canal, ele cobra que fãs e empresas não só celebrem a ação dele, mas tomem atitude para fazer o mesmo. A expectativa é que novos perfis e canais abordem temas em defesa de grupos oprimidos. “Hoje eu consigo ter esperança e um certo otimismo que não é qualquer barbaridade que vai passar. As pessoas vão falar, porque existe uma comunidade mais forte.”

    Como gamer declarado, ele conta que tem jogado muitos videogames independentes: um dos ultimos é “Rogue Legacy” (2022), mas também se dedica a “Elden Ring” (2022). Nas séries Regis tem acompanhado “Better Call Saul” (2015) e “Moon Knight”(2022), e nos filmes acompanha todos os lançamentos de heróis.

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