CV: Henrique Del Lama
Por trás de algumas das campanhas mais criativas – e premiadas – dos últimos tempos, o publicitário fala de sua trajetória e dos desafios e transformações do mercado
O diretor de criação Henrique Del Lama, 41, viu a publicidade se transformar nos mais de vinte anos de carreira, durante os quais trabalhou com marcas como Havaianas, O Boticário, Volkswagen e Pepsico. Ele lembra que, em seus primeiros trabalhos, no início dos anos 2000, os formatos eram limitados a comerciais de 30 segundos para a TV e anúncios para revistas, por exemplo. Hoje, a diversidade de plataformas deixou a coisa mais complexa.
“Temos que criar stories para o Instagram, fazer ações com influenciadores, criar vídeos de diferentes durações e pensar em como usar a TV para começar conversas que vão para as redes sociais”, conta. “Além disso, temos que fazer propaganda que as pessoas consumam como entretenimento, porque o dedo nervoso tira a publicidade da frente a hora que quer.”
Nascido em Ribeirão Preto (SP), Del Lama foi para São Paulo para cursar a faculdade de publicidade e logo iniciou uma sequência de passagens por agências de grande porte, como Publicis Brasil, Talent Marcel e Leo Burnett. Desde 2015, está na AlmapBBDO, conhecida pelos projetos criativos e pelos prêmios que recebe em festivais mundo afora – muitos deles por trabalhos que passaram pelas mãos do publicitário.
A campanha criada para a companhia aérea Gol na Copa do Mundo de 2018, por exemplo, que usou um “dublê” do Neymar para deixar o jogador, machucado na época, descansando em casa, arrematou “leões” em Cannes. A do Doritos Wasabi, exibida toda em japonês, em setembro do ano passado, ganhou notoriedade no prestigiado festival americano D&AD. Em junho deste ano, Del Lama foi elencado junto ao parceiro de criação Fernando Duarte na lista do portal Adweek, que celebra as “top 100” mentes mais inspiradoras no mundo nas áreas de marketing, mídia e cultura. “Eu encaro os prêmios como consequência do trabalho. Dou muito mais valor a eles quando vêm por campanhas que de fato geraram resultados no mercado e conversas na sociedade”, diz.
Em conversa com Gama, ele fala sobre como alimenta a criatividade no dia a dia, reflete sobre os aprendizados da pandemia e conta como tem visto as marcas se posicionando em relação a causas sensíveis.
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G |Como você faz para se manter criativo?
Henrique Del Lama |Eu consumo de tudo, sem preconceitos: de “Chaves” a “La Casa de Papel” e filme iraniano. Eu fico por dentro dos memes, dou risada no TikTok, vejo desde cultura inútil até a mais refinada. Eu me alimento mesmo com coisas que eu acho que não vou gostar, porque eu não faço publicidade para mim, mas para todo mundo, da esquerda à direita. Me alimento muito pouco com referências de publicidade em si e mais com a vida. Sempre viajei muito – minha meta ainda é conhecer o mundo todo – e fui curioso por culturas diferentes. Já varei o Oriente Médio de ônibus e viajei de trem pela Rota Transiberiana, passando por Mongólia, China, Sibéria. Isso é um material absurdo para a criatividade.
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G |Paixão e motivação andam juntas?
HDA |Totalmente. Eu sempre fui da arte, desde criança eu gostava de desenhar, criar personagens, fazer cartuns e charges. Mais tarde, descobri essa paixão na publicidade. E acho que, sem paixão, não tem motivação para trabalhar no ritmo em que a gente trabalha. Principalmente na publicidade, porque a gente lida com frustração o tempo inteiro. A cada dez ideias minhas, nove eu jogo no lixo, o que é natural no processo criativo. Temos que praticar o desapego o tempo todo. Claro que paixão com frustração dá um troço meio caótico, mas, se você não ama de verdade o que faz, lidar com essas frustrações é muito mais difícil. Eu me divirto muito no meu trabalho.
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G |O mercado publicitário é conhecido pelo ritmo frenético. Você vive para trabalhar?
HDA |Não deveria. Eu trabalho intensamente, sim, mas dentro do meu horário. Eu ouço muito sobre esse ritmo, sei de amigos que dizem não ter um fim de semana livre há dois meses. Eu não faço isso. As pessoas não acreditam quando eu digo que, em nenhum momento da minha carreira, eu virei a noite trabalhando. Eu prezo por esse limite com a minha equipe, peço muito para ninguém trabalhar em job meu no fim de semana. Se precisou fazer isso, é porque alguma coisa está errada no processo. Eu derrubo muita parede, sou próximo dos meus clientes e resolvo muita coisa direto com eles, sem ter que passar por mil intermediários, o que é comum em agências. Hoje eu tenho dois filhos pequenos que precisam de mim. Não posso me dedicar a ter sucesso na minha vida profissional e depois meu filho ter problemas emocionais e precisar ir em um psiquiatra porque não teve atenção do pai. Tento me policiar com o tempo no celular também, apesar de ser bem difícil.
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G |Quais são os principais desafios da sua área e como lidar com eles?
HDA |Hoje a gente tem que fazer publicidade para quem não gosta de publicidade. É preciso tentar impactar as pessoas de um jeito que isso se misture com os interesses delas. Eu sempre brinco que, quando fazemos uma campanha de cartão de crédito, por exemplo, não estamos competindo com outras bandeiras de cartão, mas com o filho da amiga que nasceu, o gatinho do vídeo engraçadinho, o meme do momento. Meu filho de 5 anos fica puto quando ele está jogando na internet e aparece uma propaganda – que às vezes fui eu que criei. O desafio é fazer a publicidade gerar conversa, ser comentada pelos jornalistas, virar assunto no Twitter. É trazer conteúdo que faça as pessoas se interessarem, darem risada, falarem sobre espontaneamente. Um bom exemplo para mim é a campanha que fizemos para a [bandeira de cartão de crédito] Elo, veiculada no “BBB”. Queríamos falar da aceitação do cartão por aí e criamos rimas com coisas nostálgicas da cultura pop: um vídeo tinha uma música do É o Tchan; outro, uma fantasia do Chapolin. O pessoal adorou, teve uma repercussão super legal nas redes.
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G |Qual é a importância de uma boa formação acadêmica na sua área?
HDA |Uma formação acadêmica é essencial, mas não necessariamente em publicidade. Um administrador pode ser um grande criativo, assim como um filósofo, historiador, artista plástico, jornalista… Depois do ensino superior, caso a pessoa queira seguir na criação, várias escolas têm cursos específicos que ajudam a abrir portas no mercado. Além disso, para diretores de arte, cursos técnicos de animação, 3D e design sempre ajudam bastante. Eu mesmo não fiz cursos longos depois que me formei, sempre esses mais específicos, para me aperfeiçoar em alguns softwares, por exemplo.
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G |Você já desanimou com a profissão?
HDA |Ah, sim, já tive esses momentos. Isso rolava quando eu começava a ver que o resultado do que eu fazia não fazia diferença pra ninguém, não era empolgante. Era a publicidade pela publicidade, só para “tirar da frente”, como a gente fala no meio. Tiveram momentos na minha carreira em que o cliente – aqueles cheios de medo, muito pouco ousados – ou a agência me fizeram ter que trabalhar nesse “tirar da frente”. E quando isso acontecia em volume maior do que fazer uma coisa realmente relevante e criativa, meu tesão acabava. Era que nem ver um jogo de futebol que termina no zero a zero. Aí eu questionava: será que é isso que eu quero pra minha vida? Cheguei a pensar em voltar para Ribeirão Preto, ficar mais perto da família, trabalhar em uma agência menor e ter mais qualidade de vida. Mas depois percebi que, às vezes, o problema não é a profissão em si, mas o lugar em que eu estava. Eu tive grandes viradas na carreira simplesmente por mudar de empresa – a Almap mesmo foi um divisor de águas. As mudanças muitas vezes fizeram com que eu mudasse completamente a percepção do mercado.
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G |Como tem sido esse período de pandemia e o que você tem aprendido com ele?
HDA |O que eu acho mais difícil nesse momento é esse multitasking louco. Agora eu tenho mais reuniões, porque o papo de corredor ou a pessoa que ia na minha mesa me perguntar alguma coisa virou uma reunião. Tudo virou um “invite”, uma formalidade. Fora que as coisas ficaram mais aceleradas: às vezes eu tenho cinco pessoas falando comigo ao mesmo tempo com uma urgência que eu não via no presencial. Quando você apresenta uma campanha, fica todo mundo comentando em tempo real no WhatsApp, o que não existia antes. Muita coisa deve ficar depois que isso acabar, porque eu vi que ganho muito tempo não indo até Curitiba ou mesmo até a JK [Avenida Presidente Juscelino Kubitschek, em São Paulo] para uma apresentação que pode ser feita online. Mas o que eu mais sinto falta mesmo é de gente. Para quem gosta de pessoas como eu e que trabalha com comunicação, o presencial é muito mais rico e gostoso. Um brainstorming presencial é muito mais poderoso. Sinto falta de conversar, tomar uma cerveja na padoca depois da reunião, trocar ideia em um café, resolver as coisas de forma mais informal.
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G |Qual a sua missão na sua profissão?
HDA |Muita gente bate na publicidade porque ela incentiva o consumo e tal, mas eu penso que, antes de qualquer coisa, ela gera empregos e gira a economia. O mercado se movimenta através da publicidade, a gente precisa conversar com as pessoas e apresentar as marcas. Mas o que mais me move é quando dá para extrapolar a propaganda e passar uma mensagem relevante que possa gerar mudanças de pensamento e atitude na sociedade. Aí é uma satisfação muito grande. Tive oportunidade de participar de campanhas como a do Guaraná, em 2019, em que a marca assumia mea culpa por não ter feito propaganda com a seleção feminina de futebol e convidava outras empresas para fazê-lo, disponibilizando inclusive um banco de imagens gratuito das jogadoras. Isso fez uma diferença impressionante no mercado de lá pra cá. Tem também a campanha do Doritos Rainbow, em que trabalhamos com a agência de pessoas trans e pretas Nhaí!. Cada encontro com eles foi uma aula.
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G |Falando nisso, como você vê as marcas tentando se posicionar dessa forma?
HDA |Acho que abordar as causas superficialmente é um erro constante no mercado. Não adianta só criar um post com a bandeira de arco-íris e escrever “todes” na legenda. Isso é só para inglês ver. Fora que é muito fácil tomar porrada assim. Se você quer passar uma mensagem positiva, abraçar alguma causa, faça direito. Se envolva com as pessoas que estão diretamente ligadas com a causa, as que realmente têm lugar de fala, aprenda com elas, seja humilde. Às vezes falta um pouco de humildade na publicidade. Como agência temos liberdade de dar esses toques nos clientes, mas também depende da inciativa deles.