Consumo responsável desde o primeiro gole — Gama Revista

Consumo responsável desde o primeiro gole

Tendências como consumo moderado de álcool e cobranças de consumidores por sustentabilidade refletem uma geração ligada em seus impactos socioambientais

Betina Neves e Leonardo Neiva 15 de Julho de 2022

Sexta-feira, fim do expediente ou da semana de estudos. Na saída, o pessoal se junta para a escapadinha semanal. Já na mesa do bar, desce uma gelada. Um copo de cerveja, no máximo dois. E fim. Mas não, não significa que acabou o encontro semanal, obrigatório para comemorar o fim de semana que se aproxima.

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Cenas como essa, aliás, são bem menos raras do que parecem. A ingestão de álcool entre os jovens em boa parte dos países desenvolvidos, como Austrália, Alemanha e Inglaterra, tem caído de forma acentuada desde o ano 2000, como aponta o Cisa (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool). Uma pesquisa recente feita pelo Ministério da Saúde entre jovens brasileiros mostrou que o consumo abusivo de bebidas caiu 7% entre 2019 e 2021 na faixa dos 18 aos 24 anos, o menor nível desde 2015.

O ‘mindful drinking’, ou o consumo responsável de bebidas alcoólicas, revê seus padrões e as razões por trás dos excessos

Na última década, o mundo viu surgirem movimentos como o “mindful drinking”, ou o consumo responsável de bebidas alcoólicas. “Essa mentalidade de moderação pode atrair particularmente as pessoas que procuram maneiras de reduzir os hábitos preocupantes que desenvolveram durante a pandemia”, aponta o New York Times em reportagem que considera o hábito uma resposta à alta no consumo abusivo de bebidas na pandemia. Trata-se de um modo de viver que não corta totalmente o álcool do cotidiano, mas que revê seus padrões e as razões por trás dos excessos. Assim, os adeptos evitam bebedeiras e suas consequências, prezando sempre pela moderação.

“O consumo responsável de álcool está super rolando, é uma tendência que veio até de antes da pandemia. Apesar de ela ter se acentuado agora, a gente já estava falando disso em 2019”, lembra Iza Dezon, especialista em tendências e sócia-fundadora da agência de consultoria estratégica DEZON.

A biomédica e professora de psicobiologia da Unifesp Karina Possa Abrahão, que estuda o consumo de bebidas alcoólicas e a tomada de decisões, lembra que o álcool altera o cérebro de diversas maneiras, causando impulsividade e desinibição. Até por isso os adolescentes são proibidos de consumir bebidas alcoólicas, já que se trata de uma idade em que o cérebro ainda está em formação, e eles próprios já são naturalmente mais impulsivos do que os adultos. Entre eles, aliás, o consumo não tem caído, mas se mantido estável, com ligeira tendência de alta.

“É a fase em que eles precisam se colocar em risco para se afastar da proteção dos pais, o que é normal e importante para a vida dos indivíduos. Mas, se o álcool começa a ser consumido na adolescência, quando já tem essa desinibição inicial, pode gerar um problema maior”, explica. Ou seja, cresce o risco de excessos, de cair em comportamentos crônicos ou até na dependência.

’Sober curious’

Em meio a alguns hábitos de consumo mais moderado, têm surgido iniciativas como a da bartender e mixologista Néli Pereira, que se especializou em desenvolver receitas de drinks não alcoólicos. Pereira, aliás, faz parte de um outro movimento de alcance mundial, chamado “sober curious”. Ele engloba pessoas que decidem ocasionalmente passar períodos prolongados sem ingerir álcool, para sentir e entender de que forma seu organismo funciona na sobriedade.

Como não poderia deixar de ser, o próprio mercado também passou a acompanhar essas tendências de perto. “A gente vê um movimento grande de empresas produzindo bebidas com baixo teor alcoólico, investindo em kombucha ou em switchel, uma bebida feita à base de gengibre”, acrescenta Dezon.

O mais importante é que os consumidores possam ser autênticos, responsáveis e protagonistas de suas escolhas

Nesse contexto, se encaixam iniciativas como a da Heineken, que lançou em recentemente no Brasil a cerveja zero álcool Heineken 0.0 no Brasil. “O mais importante é que os consumidores possam ser autênticos, responsáveis e protagonistas de suas escolhas”, diz Marina Awada, coordenadora de marketing da Heineken 0.0 no país.

Segundo ela, com essa abordagem, a nova bebida visa tanto o consumidor que “não pode”, como o que “não quer”. São elas pessoas que vão dirigir, profissionais liberais, pais ativos, pessoas preocupadas com a ingestão de calorias, que gostariam de saborear uma cerveja durante o expediente ou até na mesa do bar, mas não desejam lidar com os efeitos do álcool.

“A Heineken 0.0 destina-se a todas as pessoas maiores de 18 anos que gostam do sabor da cerveja, mas não necessariamente dos efeitos do álcool em determinados momentos do dia. Com ela, temos novas possibilidades ao transformar momentos tradicionalmente sem cerveja em oportunidades de saborear uma cerveja zero álcool”, afirma Marina Awada.

Juventude antenada

Práticas como o mindful drinking geralmente são identificadas com hábitos da geração Z – adolescentes e jovens adultos nascidos após 1995 –, que tem se mostrado mais responsáveis sobre os impactos do que consome. São os “nativos digitais”, que tiveram como nunca antes acesso a informações atualizadas sobre os problemas sociais e ambientais que nos rondam, da crise climática e poluição causada por excesso de lixo às condições precárias de trabalho em uma série de indústrias.

“Essas discussões comportamentais e socioambientais têm impacto direto no futuro da geração Z. E eles se importam e se responsabilizam diante dos temas com mais força e engajamento, exigindo posicionamento de marcas e empresas”, afirma Dezon. “Temos uma inversão de valores muito interessante: antes era o pai pedindo para o filho apagar a luz para economizar dinheiro; agora, esses jovens estão pedindo para os pais apagarem a luz para economizar recursos naturais.”

Essas discussões socioambientais têm impacto direto no futuro da geração Z. E eles se importam e se responsabilizam diante dos temas com mais força e engajamento

“Ao priorizar o essencial e consumir menos – e melhor –, essa geração atribui uma nova importância aos produtos. Ultrapassamos a mentalidade do acúmulo para buscar significado”, afirma Iza Dezon.

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