Seus filhos conhecem a Amazônia?
A gente só cuida do que conhece. Levar os filhos para viajar na Amazônia pode funcionar como semente para diminuir a balela do “Brasil profundo”
Pare pra pensar dois minutinhos, qual foi a última vez que um amigo seu virou e disse: “Nossa, que viagem incrível pela Amazônia com meus filhos nas últimas férias!”; ou: “E aí, já decidiu pra onde vai no fim do ano? Bora pra floresta com a família?”. Enquanto este tipo de papo for raro, a gente vai continuar tratando a região como “Brasil profundo” – mesmo que ela corresponda à metade do território nacional, com mais de 29 milhões de habitantes (Pará é o estado mais habitado, com 8,7 milhões, o dobro do que o Amazonas).
Sou da corrente que acredita que o verdadeiro interesse por um lugar passa pelo fato de conhecê-lo com os próprios olhos. É preciso pisar na Amazônia para perder ao menos um pouco da passividade ao ler no noticiário sobre os recordes mensais de desmatamento ou sobre o extermínio dos indígenas.
E, para que isso se transforme em um movimento contínuo que envolva gerações e realmente seja um assunto comum no sul e no sudeste do país, o caminho é levar os filhos para o norte do Brasil. Quem sabe se o hábito de visitar a selva desde a infância não faz a juventude escolher a jornada de barco de linha entre Manaus e Belém (em embarcações de mais de 40 metros de comprimento e mais de cem redes para passageiros) como viagem de formatura do ensino médio? Ou mesmo criar o hábito de reunir os amigos para desfrutar do feriado de Carnaval fazendo o trekking até o topo do Monte Roraima (RR) na época que chove menos na região?
MAIS SOBRE O ASSUNTO
O que será da Amazônia?
Arte que vem da Amazônia
Txai Suruí: “As terras indígenas protegem a floresta”
A turma que não abre mão da pá e do baldinho em praia de areia fofa também tem vez na Amazônia e pode se esbaldar na orla de rio de Alter do Chão, distrito de Santarém (PA), às margens do rio Tapajós, o Caribe da Amazônia, nas palavras de Jacques Cousteau (1910-1997). O Tapajós é um monstro de 1.992 quilômetros que nasce na divisa dos estados do Pará, do Amazonas e do Mato Grosso e morre em um monstro maior ainda, o rio Amazonas, com 6.992 quilômetros. De agosto a dezembro, as praias brotam na selva, com o auge da temporada em setembro, na Festa do Çairé, uma disputa entre botos nos moldes (bem reduzidos) do embate de bois na Festa de Parintins (AM). A língua de areia mais famosa é a Ilha do Amor, logo em frente à praça central. A dica para contemplar o pôr-do-sol – de dentro d’água – é a Ponta do Cururu, a 15 minutos de barco da praça. Caminhadas para visitar as sumaúmas de 700 anos e 80 metros partem das comunidades de Maguary e Jamaraquá, na Floresta Nacional do Tapajós.
Arquivo pessoal
Tenho dois filhos, o mais velho, Nícolas, hoje com 15 anos, foi para a Amazônia com 7 (e para o Pantanal duas vezes, com 5 e 6 anos – OK, é outro destino de natureza, mas o raciocínio é o mesmo). Passamos uma semana de glórias no Anavilhanas Lodge, em Novo Airão (AM), às margens do rio Negro, quentinho para nadar e que nem pernilongo tem (graças ao PH da água). O rio, que mais parece mar, chegou a intimidar o Nico, que preferiu dar as primeiras braçadas na piscina de borda infinita – um camarote para um visual maravilhoso do Negro. O município também é endereço de outro excelente hotel (mais uma piscina de cinema), que pode ter a estadia combinada com expedições de barco de 4 a 8 dias: o Mirante do Gavião.
Brincando, a criança aprende a respeitar a natureza e os povos da floresta
Para quem vive adiando viajar para a região “porque é longe”, vale dizer que o voo São Paulo-Manaus leva 3h50; a partir de lá, são 3h de asfalto até Novo Airão (é provável que você já tenha passado esse tempo em uma fila de brinquedo da Disney com seu filho mal-humorado). O cartão de visita para os estreantes na Amazônia, assim que se pousa na capital amazonense, é um calor que abraça por todos os lados e faz suar lugares onde você não imaginava existir um poro.
Aproveito o ensejo para desarmar outra conversa (frequente em festinhas de criança, quando pais e mães trocam figurinhas) típica de quem prefere postergar os planos amazônicos de uma viagem com os pimpolhos: “Ah, ele é muito pequeno, não vai lembrar nada, depois nós vamos…”. Aqui, vale sublinhar o que parece óbvio, mas não se anule completamente por causa de um filho – quero dizer, independente da capacidade de memória dele, considere o que você quer lembrar no futuro (e viver no presente) ao programar uma viagem em família (e fique esperto com essa história de “depois a gente viaja…”, pois, em um piscar de olhos, vai reparar que seu filho, de repente, não está mais tanto a fim de viajar com você…).
Arquivo pessoal
Pesca de piranha e espeto de formiga
Agora, imagina o que é para a molecada sair remando uma canoa entre troncos inundados durante o período da cheia, nas férias de julho? Quem curte criar mundos no Minecraft se sente em um outro planeta com mais facilidade: flutuando a remo entre árvores e cipós, dá para pescar piranhas (de dentes bem afiados) e ouvir o som da mata, em um silêncio que parece que nos engole. Acredita que a criança permanece quieta?
Ela fica admirada com a imensidão da selva, rios que não se enxerga a outra margem, paredes densas de verde onde mal se difere o que é árvore do que é planta, bichos de tantas cores e formatos. Na prática, os pequenos começam a entender que na floresta as dimensões e as referências (em todos os sentidos) são muito diferentes do que eles estão acostumados na cidade.
Os passeios guiados pela mata têm diversas paradas orientadas por um guia que desfia curiosidades da flora e da fauna. Todos no grupo vestem perneiras: proteção de couro que envolve a canela e a panturrilha para um eventual ataque de cobra. Antes do início da caminhada, a primeira lição: nunca colocar a mão em nada da mata, pois pode haver um espinho ou um bicho no tronco. Acredita que a criança obedece?
Vai se consolidando a percepção da criança de como é frágil o equilíbrio deste universo tão distinto do urbano
Em um dos trekkings mais exigentes (Nico e outras crianças da mesma faixa etária aguentaram numa boa), na região da Gruta do Madadá, a hora do lanche traz uma iguaria da terra: quem tem coragem de experimentar espetinho de formiga frita diz que o gosto parece de pipoca! Em outra área, é possível aprender tudo sobre os botos cor-de-rosa e vê-los (soltos), bem de perto – prepare-se para testemunhar seu pequeno de olhos arregalados, queixo caído, meio sem acreditar em um peixão daquele tamanho e daquela cor, sem medo do humano, com uma expressão sorridente que, claro, emociona a todas as idades. Altas doses de emoção também à noite, com passeio de barco para focagem de animais (Nico pirou com bicho-preguiça pendurado no galho) – e, ao desligar a potente lanterna, o que sobra é um céu entupido de estrelas e os ruídos misteriosos da mata.
Não menos marcante foi a visita à comunidade de Sobrado, onde conhecemos a escola, o campo de futebol, a quadra de vôlei na grama, Nico brincou com a turma local, se impressionou com uma moça que andava com um macaco agarrado à perna, e se dependurou no galho da árvore na margem para dar um mergulho no rio. E você ali, com a mesma postura de quando aguarda a cria emergir de uma piscina de bolinha em festa de buffet infantil, se pega suspirando com o olhar perdido em um rio quase sem-fim, atordoado por um momento tão especial, tão feliz. Tanta atividade abre um apetite danado para o cardápio servido no Anavilhanas, com peixes, frutas e doces de nomes nunca ouvidos pelas crianças do sul.
Arquivo pessoal
A proximidade com a mata não cessa nem na hora de ir para o quarto e dormir: as paredes de vidro criam uma perspectiva de imersão que certamente colabora para sonhos mágicos – e o moleque tomba de sono antes mesmo de você ler um livro sobre o folclore da região. Com o passar dos dias, vai se consolidando a percepção da criança de como é frágil o equilíbrio deste universo tão distinto do urbano, e como é necessária a preservação do meio ambiente para tudo não ir para o ralo – nós, inclusive. Brincando, a criança aprende a respeitar a natureza e os povos da floresta, se interessa por saber mais, quer conhecer outros lugares. Vamos lá, pare de adiar. Pegue o calendário e programe-se para visitar a Amazônia com a molecada.
Este conteúdo é parte da série “Uma conversa sobre Amazônia”, que pretende estimular uma reflexão coletiva sobre a região, e tem o apoio da Natura.