O que as empresas podem fazer para reverter a emergência climática?
O debate da sustentabilidade no meio empresarial tem ganhado holofotes, novos consumidores e atenção da sociedade. Gama aponta o que as empresas têm feito e o que ainda falta para cumprirmos metas discutidas na COP26
Houve um tempo em que se acreditava que consumidores preferiam produtos sustentáveis, mas na hora da compra, não os escolhiam. Seja por não acreditavam na eficácia, ou pelo preço mais alto. Mas um estudo da Harvard Business Review desmentiu essa percepção: ao analisarem vendas realizadas entre 2013 e 2018 por americanos, as que envolviam produtos comercializados como sustentáveis cresceram 5,6 vezes mais rápido quando comparadas às de produtos que não se apresentavam dessa forma. Essa é só mais uma confirmação de que a economia verde está a todo vapor. O movimento do ESG (environmental, social and corporate governance, em inglês), definiu o crescimento da pauta ambiental nos negócios. Em português, o fenômeno é ASG, uma espécie de avaliação das práticas ambientais, sociais e de governança de uma empresa.
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Fica cada vez mais claro que o consumo é também um posicionamento político — e os consumidores têm se manifestado criticamente em relação às empresas não sustentáveis. “Olhar para questões ligadas à sustentabilidade é uma gestão de risco: se não tomar cuidado, em algum momento elas podem bater no seu negócio de forma negativa. É uma questão de sobrevivência”, explica a cofundadora e editora-chefe do Reset, veículo de jornalismo econômico independente dedicado ao tema, Vanessa Adachi. “Outras empresas, mais adiantadas no debate, enxergaram na sustentabilidade uma oportunidade de lucrar ainda mais.” Em uma pesquisa global realizada pela consultoria Grant Thornton, mais de 70% dos empresários brasileiros disseram acreditar no impacto positivo da sustentabilidade nos negócios.
De acordo com Vanessa, além da parte aspiracional, dos valores e propósito de cada empresa, a sustentabilidade foi incorporada pela sociedade e pelos consumidores como uma demanda. “Aí vira algo tangível, vira gestão de risco ou oportunidade, vira uma série de coisas que o universo empresarial consegue entender e absorver.”
Hoje há muito marketing, está bonito falar de ESG e sustentabilidade, mas antes de fazer publicidade, tem que fazer o dever de casa
Entre grandes e pequenas empresas, certamente as gigantes têm mais visibilidade, e possuem maior escala de impactos socioambientais, sejam eles positivos ou negativos. Por outro lado, o pesquisador Artur Vilela, um dos sócios da startup de economia verde Global Forest Bond, relembra a questão do fornecimento. “Muitas grandes empresas possuem cadeias de valor compostas por médias e pequenas, e dependem diretamente dessas para atingir a sustentabilidade de seus negócios”, explica. Segundo ele, as gigantes, na maior parte dos casos, precisam de mudanças disruptivas para adotar práticas sustentáveis, enquanto as menores conseguem desenvolver soluções mais rapidamente e de maneira mais eficiente.
Independentemente de qual seja o tamanho da empresa, quem entende de sustentabilidade nos negócios fala sobre olhar para cada iniciativa e seus efeitos. “É um tema amplo, temos projetos em diversas áreas: de preservação de florestas ou substituição de materiais não-renováveis à mudança da matriz energética”, explica Vilela. Nesse sentido, ele diz que é importante ater-se aos impactos sociais e ambientais de cada mercado. Vanessa Adachi, do Reset, reforça: “Hoje há muito marketing, está bonito falar de ESG e sustentabilidade, mas antes de fazer publicidade, tem que fazer o dever de casa”. Cada empresa precisa olhar para o seu ramo de atuação — o que o negócio deixa de pegada negativa e trabalhar para neutralizá-la, ou mesmo para gerar um impacto positivo. Segundo ela, seria melhor do que investir em atividades filantrópicas que nada tem a ver com a atividade principal.
E o que as empresas têm feito?
Desde 2005, a organização canadense Corporate Knights divulga uma lista das cem empresas mais sustentáveis do mundo. A lista de 2020 reuniu três brasileiras: o Banco do Brasil; a Cemig, uma concessionária estatal de energia elétrica de Minas Gerais; e a Natura. Neste ano, a Cemig saiu da lista, a Natura se manteve entre as cem, e o banco figurou o top três do levantamento.
Gama conversou com Marcelo Behar, vice-presidente de sustentabilidade e assuntos corporativos da Natura & Co. Segundo ele, desde 1992 a empresa se aproximou do debate ambiental, quando, na Conferência da Terra, promovida pela ONU naquele ano, ficou profundamente movida com as reivindicações. “Algo similar ao que estamos vendo na COP 26. Na época, a forma que a Natura encontrou de se posicionar foi passar a operar com elementos da biodiversidade brasileira, apesar de já ter muitas práticas sustentáveis, como refilagem de produtos desde a década de 80”, conta Behar. Ele relembra a linha Ekos, lançada em 2000, que faz uso de insumos biodiversos e reparte os benefícios com as comunidades, além de agregar valor na região amazônica.
Desde então, a empresa mergulhou na pauta ambiental. A partir de 2005, passou a mensurar suas emissões de carbono por meio de um inventário, medida que a jornalista Vanessa Adachi disse que deve ser a primeira da lição de casa das empresas sustentáveis. Em 2007, a Natura neutralizou suas emissões e tornou-se carbono zero. E não parou por aí: “Temos um compromisso com circularidade e regeneração. O objetivo é que, em dez anos, todos os nossos produtos sejam recicláveis, compostáveis ou degradáveis”. Behar diz que o mundo exige essa sustentabilidade, e que as empresas devem se conectar com o tempo em que vivem.
A Ambev segue uma premissa parecida. No ramo de bebidas, a gigante diz possuir um plano completo de carbono que envolve toda a cadeia produtiva, do “campo ao copo”, não esquecendo a etapa do descarte após o consumo. “Anunciamos a primeira grande cervejaria e maltaria carbono neutro do Brasil”, conta Rodrigo Figueiredo, vice-presidente de sustentabilidade e suprimentos da Ambev. Segundo ele, unidades como essa reduziram, ao longo dos últimos cinco anos, 90% das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. Até 2021, a empresa pretende tornar outras quatro unidades neutras em emissão.
No quesito energia, Figueiredo ressalta a parceria importante com a startup Lemon Energia, que coloca energia renovável em bares e restaurantes do ecossistema da Ambev, e o investimento em caminhões elétricos. Em relação às embalagens, até 2025, diz pretenderem ter todos os produtos da marca em embalagens retornáveis ou que sejam majoritariamente feitas de conteúdo reciclado. “Parcerias importantes estão nos apoiando. Posso citar como exemplo a growPack, que consegue utilizar rejeitos agrícolas como a palha de milho para produzir uma embalagem sustentável, uma ótima alternativa para a substituição do plástico das nossas embalagens secundárias. Graças ao engajamento de todo o nosso ecossistema, não percorremos esse caminho sozinhos.”
Dada a alta pegada de carbono no campo, a Nescafé assumiu a liderança nessa agenda, e tem trabalhado para converter suas terras em regenerativas. “Nossas fazendas de ‘Nescafé Origens do Brasil’, onde há uma consultoria especializada, temos uma pegada de carbono sete vezes menor do que a pegada média de fazendas brasileiras”, conta Taissara Abdala Martins, gerente de marketing e sustentabilidade Cafés Nestlé. “As embalagens da mesma marca também carregam compromissos importantes: cafés moídos são vendidos em latas que além de serem recicláveis, possuem conteúdo reciclado. O mesmo para o vidro, no caso dos cafés solúveis.”
A marca lidera a maior ação de reflorestamento da Mata Atlântica já feita por uma única empresa em parceria com a ONG SOS Mata Atlântica. “Nessa inciativa, nos comprometemos a plantar uma árvore nativa a cada embalagem vendida”, explica Taissara. Segundo ela, 85% das fazendas da empresa aplicam práticas regenerativas, respeitando também o perfil e a individualidade de cada família e região de plantio.
Dentro de casa, claro que sempre é possível ser mais sustentável, mas em grande parte, os eletrodomésticos são os maiores vilões no gasto de energia e de água. Justamente por isso, a Eletroclux se viu obrigada a inovar: “Assumimos metas e compromissos públicos alinhados aos Objetivos da ONU, e que abrangem ações em toda a nossa cadeia de valor, desde a escolha de materiais, design de produtos e relação com nossos fornecedores até a manufatura, uso e destinação final de nossos produtos”, explica João Zeni, diretor de sustentabilidade para a Electrolux América Latina. Neste ano, por exemplo, a marca lançou um novo modelo de geladeira high-tech que garante até 45% de economia de energia.
A empresa também se comprometeu com programas sociais, como o Gastronomia Sustentável, uma iniciativa da instituição global da marca Food Foundation, e cada vez mais coloca o combate à crise climática como prioridade: até o final de 2020, migraram 41% de sua produção de gases refrigerantes, usados em ar-condicionados e refrigeradores, para alternativas de baixo impacto. Também reduziram 77% das emissões energéticas e de combustíveis nas operações, e até 2030 pretendem zerar a conta. “Um dos nossos compromissos mais ambiciosos é ser neutro em relação ao clima — nas operações da companhia até 2030 e em toda a cadeia, até 2050″.
A Samsung também vem pensando alternativas engajadas com a pauta ambiental em seus produtos. Além de embalagens ecológicas para as linhas mais recentes da marca, investem em controles remotos que dispensam o uso de pilhas e baterias, sendo alimentados por energia solar, e que utilizam 24% de material reciclado. De acordo com Luiz Xavier, diretor sênior de customer service da Samsung Brasil, a empresa busca reduzir o consumo de energia por meio de baterias com carregadores de alta eficiência para tablets e smartphones, e também oferece serviços de reparo, na tentativa de ampliar o ciclo de vida dos produtos.
Mas nem tudo são flores
Ao mesmo tempo em que empresas se demonstram cada vez mais preocupadas com o meio ambiente e o investimento ESG ganha tração, o planeta tem experimentado as duas décadas mais quentes da história.
Em um artigo publicado pela Institutional Investor e traduzido pelo Reset, Kenneth Pucker, professor sênior da Fletcher School da Universidade Tufts, em Massachusetts, reflete sobre os limites e falhas do ESG. No mundo, os ativos nessa categoria já passam de US$ 30 trilhões (aproximadamente R$ 152 trilhões), e no Brasil, o ramo ganha cada vez mais holofotes. Ele aponta os perigos da falta de padrões sérios na hora de mensurar a sustentabilidade nas empresas, e o quanto isso prejudica a confiabilidade de negócios ditos verdes e responsáveis. Também afirma que a ausência de relatórios de impacto obrigatórios, abrangentes ou padronizados torna o impacto ambiental e social difícil de verificar.
Vemos muita gente perdida e tentando buscar informação na hora de consumir. Temos um longo caminho pela frente
A problemática também entra na questão do preço que se paga, já que produtos e serviços sustentáveis são, em via de regra, mais caros. Empresas preocupadas com a preservação ambiental e pautas sociais também encarecem seu valor no mercado — ou o contrário. No ramo da moda, por exemplo, já é fato que marcas comprometidas com a sustentabilidade oferecem peças por um preço mais alto. A diferença nas etiquetas se justifica pelo processo mais complexo, longo e custoso adotado por indústrias responsáveis. E há quem diga que a mudança começa pelo consumidor.
O que ainda falta é, indubitavelmente, informação — quais marcas são sustentáveis, em quem podemos confiar, quem está realmente colocando a mão na massa em prol da preservação ambiental. “Vemos muita gente perdida e tentando buscar informação na hora de consumir. Temos um longo caminho pela frente. Torço para que as empresas que estão entrando nessa, façam o dever de casa”, finaliza Vanessa Adachi.
*Com colaboração de Daniel Vila Nova
Conteúdo produzido como parte da Cobertura Especial sobre a COP26, realizada em parceria com Nescafé Origens do Brasil.