O Jovem

Hoje, Annie Ernaux dispensa apresentações. A vencedora do último Prêmio Nobel de Literatura e autora de livros como “O Lugar” (Fósforo, 2021) e “O Acontecimento” (Fósforo, 2022) ascendeu ao estrelato entre os escritores contemporâneos ao transformar passagens impactantes de sua vida em literatura. Abordando desde suas relações familiares até o doloroso processo de aborto que realizou aos 23 anos de idade, ela abre uma janela no mundo literário atual em que realidade e literatura, ficção e autoficção se mesclam para formar uma coisa única.

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Em “O Jovem” (Fósforo, 2022), lançamento mais recente no Brasil, uma das características mais impressionantes de sua escrita é a concisão. Assim como em muitas de suas obras, a autora resume uma longa passagem de sua vida em algumas poucas dezenas de páginas – para ser exato, 56, quase uma para cada ano de vida com que a própria Ernaux surge no livro. Foi aos 54 que a escritora viveu um tórrido romance com o jovem do título, 30 anos mais novo. “Aos poucos, a aventura tinha se transformado numa história que queríamos levar até o fim, sem saber muito bem o que isso significava”, ela descreve em determinado momento o desenvolvimento inesperadamente intenso da relação.

Em homenagem ao dom da autora de dizer tanto com tão poucas palavras, o trecho que selecionamos é também pequeno. Mas não se engane. No curto espaço de uma página, Ernaux é capaz de discorrer com profundidade sobre temas como o desejo feminino e o equilíbrio de poder dentro de uma relação com uma diferença tão grande de idade, em que o prazer mútuo funciona quase como uma troca comercial.

Nosso relacionamento podia ser encarado pelo ponto de vista da conveniência. Ele me proporcionava prazer e me fazia reviver coisas que eu nunca teria imaginado poder reviver. Que eu lhe oferecesse viagens, que lhe poupasse de buscar um emprego que lhe deixaria menos disponível para mim, parecia-me um acordo justo, um bom negócio, sobretudo porque era eu que estabelecia as regras. Eu ocupava uma posição dominante e usava as ferramentas de uma dominação que, no entanto, sabia ser frágil em uma relação amorosa.

Eu me sentia autorizada a dar algumas respostas rudes, sem saber se o motivo era a dependência econômica dele ou sua pouca idade. Não me enche o saco, ordem grosseira que o chocava e que eu nunca tinha endereçado a ninguém antes dele.

Eu gostava de pensar em mim mesma como aquela que poderia transformar a vida dele.

Em mais de um aspecto de sua vida — literário, teatral, de modos burgueses — eu cumpria um papel de iniciadora, mas o que ele me fazia viver também era da ordem de uma experiência iniciática. O principal motivo para eu querer seguir adiante com essa história era que, de certo modo, ela já tinha acontecido, e meu papel ali era o de uma personagem de ficção.

• O Jovem
• Annie Ernaux
• Fósforo
• 56 páginas

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