Os álbuns favoritos da Gama em 2024
Pop, guitarras, sons melódicos, neo-soul e, claro, Brat. Conheça os ritmos que tocaram nos nossos fones de ouvido
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Sussurros introspectivos e o poder da guitarra de Mk.gee
Como algo pode soar tão nostálgico e, ao mesmo tempo, tão estranhamente original? Com seu terceiro álbum de estúdio, o estadunidense Mk.gee conseguiu posições de destaque em diversas listas de melhores do ano, sendo chamado até mesmo do novo “deus da guitarra” pela crítica mais empolgada. O tom melancólico-contemplativo-charmoso-trash dado pelo instrumento é completado por uma produção crua e experimental e por seus vocais misteriosos (li em algum lugar que sua voz é como uma versão indie do Justin Bieber, rs). Ouvir “Two Star & the Dream Police” é uma experiência quase espacial: íntima e distante na mesma medida, como ouvir os sussurros introspectivos de alguém se lamentando no quarto ao lado. (Isabela Durão, editora de arte)
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Dançar e chorar com St. Vincent
Talvez não tenha sido o disco que mais ouvi no ano (deve ter perdido para “Waves”, de Jamie xx), mas sem dúvida é o que vai ficar para posteridade, é o mais elaborado, complexo, maduro, grandioso. Tenho certeza que vou ouvir o oitavo álbum de estúdio de Annie Clark em algumas décadas e exclamar: “Olha o que essa mina fez!” Suas guitarras que parecem mil instrumentos diferentes, sua voz que pode ser doce ou poderosa, seu passeio por tantos diferentes estilos, sua produção fina e pujante fazem de “All Born Screaming” um disco imenso. “Big Time Nothing” dá muita vontade de dançar, já “Violent Times” me faz chorar a cada vez que ouço ao misturar bases que parecem do Afrika Bambaataa com um canto da bruxa (ou sereia) de filme de terror dos anos 1940. Em “Broken Man” ela é mais que provocadora e nos ensina a espantar os malas: “O que você está olhando?”, para logo depois ser “faminta como uma pulguinha”, em “Flea”, cujos rifs de guitarra parecem um discurso. Ah, e tem ainda a louca ideia de uma versão igual em espanhol, “Todos Nacen Gritando”, em que “Big Time Nothing” vira “El Mero Cero”. Quando a gente pensa que não dá para melhorar, ela nos vem com essa. E tem mais: em 2025, quem conseguir desembolsar uma quantia selvagem de dinheiro, pode assistir ao vivo e em carne osso essa grande diva do século 21 no Brasil. Ela é uma das headliners do festival Popload, que acontece em maio em São Paulo. (Isabelle Moreira Lima, editora executiva)
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Cindy Lee para ouvir na estrada e lembrar de muita coisa que você gosta
Pra começo de conversa, um álbum que não está no Spotify. Lançado de maneira independente, “Diamond Jubilee” tem 32 músicas em duas horas que você pode ouvir no Youtube ou baixar por 20 dólares no bandcamp. Já Cindy Lee é o alter ego do letrista, guitarrista e drag queen canadense Patrick Flegel, ex-integrante da banda Woman. Em relação ao álbum, o Pitchfork publicou que “esta pode ser a melhor estação de rádio que você já ouviu”. E de fato é meio isso, já que o disco é uma deliciosa e também melancólica combinação da lisergia do Velvet Underground, dos sintetizadores de Brian Eno, de bandas como Cocteau Twins e de uma névoa indie dos anos 1990. Poderia ser um daqueles discos em que você identifica todas as referências e o caldo final é apenas um apanhado disso tudo. Mas não é o caso aqui: “Diamond Jubilee” combina muito bem suas raízes e se transforma em um álbum imperdível de nossos tempos. Eleja como sua trilha sonora em uma estrada de até duas horas antes que você o escute em algum filme de Sofia Coppola. (Luara Calvi Anic, editora-chefe)
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Tássia Reis celebra sua trajetória com jazz, neo-soul e R&B
Como é gostosa a sensação de ser surpreendido por aquele artista que você é fã. Vivi isso em 2024 ao ouvir “Topo da Minha Cabeça”, quinto álbum de estúdio de Tássia Reis, uma das vozes mais consistentes da cena independente brasileira na última década. Lançado após uma experiência de quase morte, esse trabalho marca um afastamento do rap — gênero no qual Reis é referência — para explorar novas vertentes sonoras, como jazz, neo-soul, R&B e, sobretudo, o samba. Nas letras, a artista celebra sua trajetória, negritude, espiritualidade e as nuances do amor. Com produções de Barba Negra, Evehive, Felipe Pizzu, Fejuca e Kiko Dinucci, além de participações especiais de Criolo e Theodoro Nagô, o álbum traz dez faixas, cada uma com identidade própria, mas surpreendentemente coesas no conjunto. Parece óbvio, mas se você tiver tempo para ouvir apenas uma dessas músicas agora, comece pela faixa-título. Com sua sonoridade atmosférica, ela é um convite irresistível para se jogar na audição completa do trabalho. (Amauri Terto, coordenador de mídias sociais)
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Uma Billie Eilish mais intimista e madura
Dois mil e vinte e quatro foi um ótimo ano para Billie Eilish. Começou com prêmios no Grammy em fevereiro e, pouco depois, mais um Oscar para a conta, com o troféu de melhor canção original, dividido com o irmão e eterno parceiro Finneas O’Connell, por “What Was I Made For?”, que embala o filme “Barbie” (2023). Em maio, lançou o terceiro álbum da carreira, “Hit Me Hard and Soft”, o mais pessoal e maduro da cantora e compositora norte-americana de 23 anos, que estourou em 2019 com “Bad Guy”. Com dez faixas bem diferentes, cada uma num mood, o disco foi um dos que mais ouvi nos últimos meses, de acordo com o Spotify. Mas eu já desconfiava. Entre as minhas músicas favoritas estão a chiclete “Lunch”, em que a artista canta explicitamente sobre seus desejos sexuais, e “Skinny”, que abre o trabalho com uma melodia suave. Nela, Eilish reflete lindamente sobre a sua relação com o próprio corpo: “As pessoas dizem que pareço feliz, só porque fiquei magra. Mas o velho eu ainda sou eu, talvez o verdadeiro eu, e acho ela bonita”. Vale o play — ou os plays. (Ana Elisa Faria, repórter)
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O poder latino de Kali Uchis
Como a Gama indicou lá no início do ano, “Orquídeas” é o álbum mais ousado da cantora colombiana-americana Kali Uchis. Depois de ficar obcecada por “Isolation” (2018), que marca sua estreia, fui surpreendida por uma Uchis reinventada e mais latina do que nunca nestas 14 faixas. Isso porque é apenas o seu segundo lançamento cantado majoritariamente em espanhol. O conceito por trás do título resgata suas raízes: “A orquídea é a flor nacional da Colômbia e temos mais espécies de orquídeas do que em qualquer outro lugar do planeta. Este álbum é inspirado no fascínio atemporal, misterioso, místico, marcante, gracioso e sensual da orquídea”, disse. Essa escolha estética e conceitual é bem consolidada no disco e me fascina quando traz uma intensidade que remete às divas latinas do passado, como acontece em “Te Mata”, um bolero sobre o fim de um relacionamento. Outras canções são puro girl power como “Muñekita”, que celebra a independência feminina em um reggaeton explosivo, evocando a energia das pistas de dança. Além de se reafirmar como nova estrela global da Colômbia, Uchis soube equilibrar bem os momentos de introspecção com explosões de pura euforia. Essa característica foi potencializado com a versão deluxe do álbum, lançada em agosto com 4 músicas inéditas, incluindo o remix de Kaytranada de “Young Rich & In Love”. (Sarah Kelly, estagiária de texto)
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O Linkin Park voltou, mas de cara (e voz) nova
O primeiro álbum do grupo após um hiato de sete anos — o vocalista Chester Bennington morreu em 2017 — é ao mesmo tempo um aceno aos fãs e uma grata surpresa. A entrada de Emily Armstrong traz uma mudança inegável à voz da banda. Porém, as primeiras faixas de “From Zero” remetem imediatamente a alguns dos melhores hits do Linkin Park, com o hypado single “The Emptiness Machine” já tendo servido de trilha sonora para uma série de montagens e cenas aleatórias nas redes. Em sua segunda metade, no entanto, o disco se torna mais melódico, com destaque maior para os vocais de Mike Shinoda e uma musicalidade diferente comparada a tudo da banda que vimos até aqui. Nessa parte, as melhores surpresas são a mais “calma” “Overflow” e o perfeito equilíbrio entre Shinoda e o registro poderoso, mas comedido, de Armstrong em “Stained”. Não foram à toa as reações entusiasmadas do público presente nos dois shows do grupo em São Paulo. (Leonardo Neiva, repórter)
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O pós-punk melódico e curatório de Cage The Elephant
O álbum “Neon Pill”, da banda Cage The Elephant, lançado após anos turbulentos na vida do vocalista estadunidense Matt Shultz, é mais do que um produto musical: vejo-o quase como uma narrativa de cura. Em meio a paranóias, delírios e uma prisão que resultou em hospitalização, Shultz viu no disco uma oportunidade de transcender o caos pessoal. Ao abordar o sentimento de estar em um estado de descontrole, em que não é possível escolher o que acontece na vida, e nem como se reage a essas situações, Neon Pill discute a própria vulnerabilidade humana. O disco, que tem o rock e um pós-punk mais melódico como via musical, dialoga com aqueles que já passaram por períodos de incerteza e falta de controle sobre a própria realidade. Por meio de sua sinceridade e reflexão, ecoa como um abraço aos que, em algum momento, se viram perdidos e buscaram reencontrar o equilíbrio. É um convite a olhar para o mundo – e para si mesmo. (Luana Silva, estagiária de arte)
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As possibilidades a cada esquina em Anavitória
Como seria a vida se eu tivesse dobrado a esquina? Se respondesse de outro jeito àquela proposta? Para quem repensa cada decisão, o duo Anavitória acaba de lançar seu quinto álbum de estúdio com o timing perfeito de fim de ano, época já marcada pelas retrospectivas. “Esquinas” celebra os dez anos de carreira da dupla e evidencia diferentes experiências vividas por elas nessa trajetória: amores rápidos, apatia, a vontade de gritar pela liberdade e uma temática já explorada pelas artistas, a paixão que muda a forma de enxergar o amor. Se engana quem pensa que elas só cantam “músicas fofas”, o que foi ainda mais desconstruído nesse disco maduro e diverso. Fazendo referência à psicodelia dos anos 1970 e ao rock oitentista, o álbum tem um quê de Rita Lee — que já fez feat com elas — mantendo suas clássicas harmonias nas vozes. O projeto conta com a produção de Janluska, Pege, co-produções de Iuri Rio Branco (conhecido por sucessos como “Vício Inerente”, de Marina Sena) e uma parceria inédita com o cantor uruguaio Jorge Drexler. (Sarah Kelly, estagiária de texto)
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2024 só pode ser Brat
Se 2024 será lembrado por algo, esse algo certamente é “Brat”. Provocativo, confessional, hedonista e totalmente dançante, o sexto e mais bem-sucedido álbum de Charli xcx transcendeu a música, atingindo o status de fenômeno cultural global. Do viral da capa minimalista verde limão (que virou “verde brat”) à presença na estratégia de campanha eleitoral de Kamala Harris nos EUA, não faltaram amostras do que uma jovem artista inventiva, sem medo de se mostrar vulnerável e profundamente conectada com seus fãs, é capaz de alcançar. Em quinze faixas de pop experimental, a britânica de 32 anos – que também assina a produção do álbum em conjunto com A. G. Cook, Easyfun, Cirkut e El Guincho – explora diferentes sonoridades dentro do espectro eletrônico, que vão do pc music ao electroclash. A inspiração direta para o novo trabalho foram as raves que Charlie frequentou ilegalmente durante a adolescência. Nas letras, ela vai da reflexão sobre maternidade e carreira em “I think about it all the time” ao consumo de drogas ilícitas na noite em “365”. “Esse álbum é muito direto. Cansei da ideia de metáfora, de lirismo floreado e de não dizer exatamente o que penso, como diria a um amigo em uma mensagem de texto“, desabafou a artista em uma entrevista a Billboard. Dito tudo isso, termine logo o seu drink porque o fenômeno “brat” segue na pista! (Amauri Terto, coordenador de mídias sociais)