Dez livros que nos acompanharam em 2021 — Gama Revista

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Dez livros que nos acompanharam em 2021

Gama reúne alguns dos principais trechos de livros que publicou ao longo de um ano em que a leitura continuou sendo mais importante do que nunca

07 de Janeiro de 2022
  • 1

    “Contra Mim”, de Valter Hugo Mãe

    Autor português revisita memórias de sua infância e adolescência
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    Biblioteca Azul

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    Os fãs de Valter Hugo Mãe bem sabem que a sua literatura tem ares de intimidade confessa: o pescador que queria ser pai, a menina islandesa, o artesão japonês — para listar alguns dos protagonistas de seus romances — parecem, afinal, veículos para ideias que brotam do âmago do autor e se transformam em reflexões líricas na mente de personagens quase sempre improváveis. Pois, no novo “Contra Mim”, esse exercício de questionamento poético do mundo nasce mesmo da realidade.

    O livro, apresentado como “o mais pessoal” do escritor português, reúne passagens de sua infância e adolescência, organizadas em uma espécie de autoficção da memória a partir de textos colecionados ao longo de 15 anos. Em um ano de isolamento e introspecção como foi 2020, Hugo Mãe olha para dentro de si e compartilha a conversa íntima com os leitores, na tentativa de “chegar mais próximo de me suportar e, essencialmente, suportar a contingente distância a que estão os outros”, escreve.

  • 2

    “Preço de Noiva”, de Buchi Emecheta

    Em romance de 1976, autora evoca a vida difícil das mulheres na Nigéria
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    Dublinense

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    O retrato ficcional do que poderia ser a vida real de muitas mulheres nigerianas é característica central da obra de Buchi Emecheta (1944-2017). Na verdade, a própria biografia da autora de títulos como “No Fundo do Poço” (1972), “Cidadã de Segunda Classe” (1974) e “As Alegrias da Maternidade” (1979) inspirou temas de sua literatura: o racismo, a vida de imigrante, a maternidade. Reconhecida mundialmente pela crítica, Emecheta foi uma das pioneiras a escrever sobre a condição da mulher africana e abriu portas para as gerações seguintes, como a de Chimamanda Ngozi Adichie e Ayòbámi Adébáyò.

    Não foi, porém, um caminho fácil. Nascida em uma família igbo em Lagos, ela lutou para estudar e acabou cumprindo algumas regras da tradição: casou-se cedo e teve cinco filhos. Seguiu o marido rumo à Inglaterra, mas abandonou a relação abusiva e violenta e, sozinha, sustentou a família enquanto trabalhava na biblioteca do Museu Britânico, estudava sociologia na Universidade de Londres e escrevia romances na cozinha de seu pequeno apartamento.

    Não à toa, Emecheta fala sobre como as meninas nigerianas são educadas para certas aspirações — o casamento e a maternidade — e o preço que podem pagar por não aceitar essa condição. Em “Preço de Noiva”, romance de 1976 agora publicado no Brasil pela Dublinense — que já trouxe outros títulos da escritora —, não é diferente. O livro conta a história da jovem igbo Aku-nna, que após a morte do pai deixa Lagos e retorna ao povoado rural de Ibuza. Lá, ela vive um amor proibido e fadado à tragédia com Chike, um descendente de escravos.

  • 3

    “Doramar ou a Odisseia”, de Itamar Vieira Junior

    Em contos, escritor fala do passado escravocrata, da ancestralidade indígena, da loucura e marginalidade
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    Todavia

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    Em “Torto Arado” (Todavia, 2019), o escritor baiano Itamar Vieira Junior passou a assumir de cara uma posição de destaque na literatura brasileira contemporânea, com um relato sobre os reflexos atuais de nossa história escravagista. Já na nova obra, a palavra principal é a multiplicidade, de vozes e questões sociais. Numa série de contos, que já tinham sido publicados em parte no livro finalista do Jabuti, “A Oração do Carrasco” (Mondrongo, 2017), Itamar apresenta personagens que desafiam as barreiras colocadas pela sociedade, sem nunca deixar de lado suas raízes.

    São histórias sobre negros, mulheres, indígenas, povos ribeirinhos e religiões de matriz africana. Um turbilhão de temas, representações e personalidades ganha vida a partir do olhar aguçado do autor, que já demonstrou e continua surpreendendo com uma aptidão excepcional para o uso da linguagem, a construção de personagens a um mesmo tempo complexa e delicada e uma narrativa fluida, recheada de pequenos momentos de uma inesperada beleza.

  • 4

    “Cartas a uma Negra”, de Françoise Ega

    Volume reúne cartas escritas — e nunca entregues — pela antilhana à escritora brasileira Carolina Maria de Jesus
    Imagem de destaque
    Todavia

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    Em 1958, o jornalista Audálio Dantas foi à favela do Canindé, que então existia às margens do Rio Tietê, em busca de uma história. Deu com o diário da catadora de papel Carolina Maria de Jesus (1914-1977), no qual contava sua vida e as dificuldades cotidianas que enfrentava para sustentar a família. Primeiro, o diário virou uma reportagem. Depois, um livro de grande sucesso, o hoje clássico “Quarto de Despejo”. A história da escritora rodou o mundo, saiu em manchetes de grandes jornais, e seus dotes literários foram elogiados por grandes ícones da época.

    A antilhana Françoise Ega (1920-1976) tinha o hábito de ler a revista Paris Match em seu trajeto para o trabalho. Numa dessas jornadas, Françoise, que trabalhava como doméstica em casas de família na cidade de Marselha, topou com uma matéria sobre Carolina. O impacto e a identificação imediata com o que leu foram tão fortes que escreveu um conjunto de cartas para a brasileira, datadas entre 1962 e 1964. Com um detalhe: nunca chegou a enviar nem uma linha para ela.

    Publicado somente após a morte de ambas, “Cartas a uma Negra” (Todavia, 2021) ecoa muitas das preocupações e dificuldades apresentadas pela autora de “Quarto de Despejo”. “Mas você, Carolina, que procura tábuas para o seu barraco, você, com suas crianças aos berros, está mais perto de mim”, escreveu em um dos relatos. As cartas de Françoise narram as agruras que passava com as patroas autoritárias e seus filhos mimados. Também falam de outras empregadas domésticas, que enfrentavam problemas semelhantes, entre eles a falta de direitos e de dignidade.

    Anos depois, Françoise se tornou escritora e uma importante ativista social em defesa dos imigrantes caribenhos na França. Suas cartas conectam as vidas de duas mulheres negras separadas por milhares de quilômetros e culturas diferentes, mas com vivências parecidas. Embora nunca tenham se visto ou mesmo se comunicado, elas acabaram se encontrando na literatura.

  • 5

    “Recordações da Minha Inexistência”, de Rebecca Solnit

    Em livro de memórias, autora escancara para o leitor a luta constante de ser mulher
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    Companhia das Letras

    Leia o trecho aqui.

    Logo no início de seu livro de memórias, a escritora, historiadora e ativista americana Rebecca Solnit conta como, ainda jovem, viu sua imagem no espelho se enevoar e recuar, como se ela estivesse desaparecendo do mundo. “Naquela época eu estava tentando desaparecer e aparecer, tentando estar em segurança e ser alguém, e esses objetivos muitas vezes conflitavam entre si”, explica a autora na sequência.

    A experiência, de certa forma, ecoa por todo este “Recordações da Minha Inexistência” (Companhia das Letras, 2021), obra em que Solnit reconta sua juventude e seus esforços para se tornar uma escritora. A luta cotidiana de ser mulher, a busca por ser ouvida, a violência quase banal exercida contra seu corpo e o apagamento que com frequência a sociedade tentou forçá-la a aceitar a acompanham ao longo de sua formação, que teve início numa Califórnia marcada pelo punk, as drogas e a pós-contracultura.

    Autora de “Os Homens Explicam Tudo para Mim” (Cultrix, 2017) e “A Mãe de Todas as Perguntas” (Companhia das Letras, 2017), entre mais de 15 livros sobre temas como feminismo, história indígena e ocidental e mudança social, Solnit é uma das principais vozes da não-ficção contemporânea. Além de um testemunho dos avanços do feminismo e de outras questões sociais nas últimas décadas, seu livro mais recente é também um relato comovente sobre uma jovem atrás de seu lugar num mundo que parece incapaz de tolerar sua (in)existência.

  • 6

    “Hello, Brasil!”, de Contardo Calligaris

    Psicanalista vai da herança escravocrata à tradição do autodesprezo para entender o Brasil
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    Fósforo

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    Pode-se dizer que, ao decidir trocar o solo da França pelo Brasil, lá pelo fim dos anos 1980, o psicanalista italiano Contardo Calligaris (1948-2021) estava seduzido pelo país na mesma medida em que tinha dificuldade de compreendê-lo. De uma série de anotações iniciais rabiscadas na tentativa de entender esta terra que, por escolha, decidiu chamar de sua, nasce “Hello, Brasil!” (Fósforo, 2021), um livro que acaba se estendendo para muito além de seu propósito inicial.

    Do país, onde se casou e com o qual se casou, Contardo analisou desde a persistência da tradição escravocrata até a corrupção inerente à política, sem deixar de passar pelo marcante desprezo do brasileiro por sua própria nação, o que de início foi motivo de choque para ele. “Parece-me que um europeu poderia afirmar que um governo não presta, que a situação econômica não presta ou mesmo que o povo não presta, mas dificilmente ele diria que o seu país não presta”, escreve em um dos primeiros textos da obra.

    Além de um prefácio inédito da historiadora Lilia Schwarcz, esta nova edição traz também um caderno de imagens. O texto, publicado originalmente em 1991, foi revisto pelo autor em 2017, e agora está acrescido de cinco outros ensaios que também buscam apreender os caminhos da complexa psique brasileira. Nesta obra que mescla a análise de um país-sujeito a uma espécie de autoanálise, o autor, morto de um câncer em março de 2021, não apenas se coloca como uma das vozes mais interessantes da escrita e psicanálise no Brasil, como também, nas palavras de Schwarcz, traça uma das mais vigorosas interpretações já feitas da cultura nacional.

  • 7

    “Continuo Preta”, de Bianca Santana

    Em biografia, jornalista conta história de Sueli Carneiro, uma voz essencial para a luta das mulheres negras no Brasil
    Imagem de destaque
    Companhia das Letras

    Leia o trecho aqui.

    “Entre a esquerda e a direita, sei que continuo preta.” A frase imortalizada por Sueli Carneiro, uma das principais pensadoras, intelectuais e ativistas brasileiras da atualidade, ajuda a dar título à sua biografia justamente porque também poderia ser usada para dar sentido à sua trajetória de vida. Ao longo de mais de 40 anos, Carneiro foi uma voz essencial para dar visibilidade às negras dentro do movimento feminista brasileiro e às mulheres dentro do movimento negro.

    Tanto que o livro “Continuo Preta” (Companhia das Letras, 2021) abre com uma passagem reveladora, em que, durante um evento feminista nos anos 1980, o ator, dramaturgo e ativista negro Abdias do Nascimento discursa em nome das mulheres negras, praticamente ausentes do encontro. Ao final, é Sueli Carneiro quem surge da plateia para lhe garantir: “Não que não seja uma honra ser representada, mas o senhor não vai mais precisar nos representar. Porque nós vamos chegar.”

    Poucas pessoas estariam tão à altura da tarefa de contar essa história quanto a escritora, jornalista e pesquisadora Bianca Santana, colunista de Gama, que é diretora-executiva da Casa Sueli Carneiro e ativista da Uneafro Brasil. Em 2020, após ser acusada por Jair Bolsonaro de propagar fake news contra sua família, recebeu um raro pedido de desculpas presidencial. Além disso, ganhou uma indenização por danos morais contra Bolsonaro, no valor de R$ 10 mil.

    Autora de “Quando me Descobri Negra” (SESI-SP, 2016), em que evoca relatos pungentes sobre a negritude, Santana traz à tona em seu novo livro o resultado de uma pesquisa minuciosa, numa biografia que mescla a relevância, os numerosos desafios e a ocasional leveza que caracterizam a vida de Sueli Carneiro, uma mulher que de fato chegou.

  • 8

    “Tudo que Já Nadei”, de Letrux

    Compositora e escritora reúne minicontos, poesias e pensamentos com veia pessoal e nostálgica
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    Planeta

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    Após aprender a tocar violão fazendo aulas na internet, a atriz, cantora, compositora e escritora carioca Letrux partiu para musicar algumas das poesias que já vinha escrevendo havia tempos. Foi a partir daí que formou a primeira banda, a Letuce, com o então namorado, e depois seguiu carreira solo já com o nome artístico atual. Colunista de Gama, onde escreve mensalmente, a multitalentosa artista, porém, nunca deixou de lado a vocação literária e chega agora ao seu segundo livro.

    Em “Tudo que Já Nadei” (Planeta, 2021), Letrux dá continuidade à experiência fragmentada e nostálgica à qual deu início com “Zaralha: Abri Minha Pasta” (Guarda-Chuva, 2015). Mas se aquele tinha um autoproclamado jeitão de pasta escolar, do tipo que a gente abre já adulto para relembrar quem costumava ser, este se parece mais com um diário, repleto de pequenos contos, poemas e pensamentos soltos.

    Como descrito pela própria autora, trata-se de um apanhado de “textões (mini contos/crônicas/devaneios), poemas e aforismos”. O clima de confidências adolescentes ao pé do ouvido atrai o leitor e permanece ao longo de quase toda a obra. Obrigatório para quem quer conhecer um pouco mais da multiplicidade que é Letrux.

  • 9

    “Luxúria”, de Raven Leilani

    Livro aborda em linguagem ácida temas como relacionamentos, racismo e a busca por um lugar no mundo
    Imagem de destaque
    Companhia das Letras

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    Do alto de seus vinte e poucos anos, a jovem Edie tenta lidar da melhor forma que consegue com as grandes questões da sua vida: o trabalho editando livros infantis, que paga muito pouco; o apê em petição de miséria que divide com uma amiga; e o tesão que sente por Eric, um homem 23 anos mais velho, envolvido em um relacionamento aberto e com quem Edie tem saído há semanas — semanas que, para sua frustração, foram livres de sexo.

    Essa é a receita inicial de “Luxúria” (Companhia das Letras, 2021), romance de estreia da escritora americana Raven Leilani, que aborda numa linguagem ácida, inteligente e divertida temas amplos como a juventude, relacionamentos amorosos modernos e a busca por um lugar no mundo, além de assuntos como identitarismo, racismo e política. Elogiado por autoras como Zadie Smith e Carmen Maria Machado, e eleito um dos melhores livros de 2020 pelos jornais New York Times e The Guardian, o livro representou para a autora de apenas 31 anos uma verdadeira entrada com os dois pés na porta na cena literária.

    Apesar de ter publicado anteriormente alguns contos em revistas, foi em “Luxúria” que ficou claro o poder da prosa da escritora. Em meio às várias discussões que surgem ao longo das páginas, Leilani destaca o desejo sexual da protagonista, assim como o desequilíbrio de poder em uma relação com enormes diferenças de idade e situação financeira. Conforme Edie — que, assim como a autora, é negra — vai se aproximando do seio familiar de Eric, também começam a emergir tensões raciais, sociais e políticas.

    Com trechos que por vezes soam irônicos e engraçados, por vezes dolorosamente reais e, em muitos casos, tudo isso misturado, “Luxúria” pode ser uma experiência difícil, por trazer à tona assuntos que batem muito próximo de casa, mas é também uma leitura praticamente impossível de abandonar.

  • 10

    “Atos Humanos”, de Hank Kang

    Autora de “A Vegetariana” ficcionaliza massacre estudantil que deixou cicatriz na história da Coreia do Sul
    Imagem de destaque
    Todavia

    Leia o trecho aqui.

    Lançado inicialmente em 2007 na Coreia do Sul, com tradução para o inglês em 2016, o romance “A Vegetariana” (Todavia, 2018) caiu como uma bomba no mercado editorial global. Além de faturar o Man Booker Internacional Prize, um dos prêmios mais prestigiados da literatura mundial, a obra foi rapidamente apontada como um dos maiores destaques da escrita contemporânea e hoje já é visto por muitos como um clássico moderno.

    A história de uma mulher que presencia os laços familiares e a própria sanidade mental se deteriorarem a partir da decisão de não comer mais carne nasceu da mente da romancista sul-coreana Han Kang, então ainda praticamente desconhecida no Ocidente. E agora chega ao Brasil, pela editora Todavia, outra de sua principais obras.

    Em “Atos Humanos” (Todavia, 2021), o adolescente Dongho procura o melhor amigo em meio aos milhares de corpos de estudantes e professores mortos pela repressão militar da Coreia do Sul de 1980. Baseado no episódio real de um massacre na cidade de Gwangju, ocorrido durante um levante estudantil, o livro se desdobra em capítulos nos quais a população de luto se depara com uma realidade de trauma e negação oficializada das dimensões da tragédia. Numa prosa que faz antagonismo entre a violência dos acontecimentos e a poesia que marca a escrita da autora, o romance é uma obra de rara beleza e brutalidade.

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