Coluna do Observatório da Branquitude: A branquitude não para, a branquitude dá um tempo — Gama Revista
COLUNA

Observatório da Branquitude

A branquitude não para, a branquitude dá um tempo

Aqueles que se sentem injustiçados pela diversidade tentam nos colocar de volta no armário para garantir a manutenção de seus privilégios

25 de Outubro de 2024

Há poucos dias conversava com algumas amigas sobre a percepção de um retrocesso em relação a padrões estéticos que excluem corpos dissidentes do que é considerado belo — sobretudo em relação à exaltação à magreza que podemos ver a todo vapor nas redes sociais e semanas de moda pelo mundo, mas que também se amplia nas questões raciais. Na última semana, o retorno do Victoria ‘s Secret Fashion Show coroou esse sentimento. O comeback das Angels colocou no foco novamente um padrão de beleza feminino universal que se resume a mulheres jovens, magras, altas, loiras e brancas.

Por mais que a marca tenha vendido um discurso de diversidade ao incluir modelos plus size e trans, o protagonismo foi o mesmo de anos atrás e a participação desses corpos dissidentes secundária, quase como um cala boca. A branquitude toma a centralidade e nega “belezas” que não considera verdadeiras, visto que o belo está associado à pertença branca. Com um clima nostálgico de mulheres com asas de anjo e lingeries, o recado é de uma retomada de espaço.

Esse mesmo clima de flerte com o passado, trouxe de volta as Paquitas da Xuxa — na ocasião do lançamento de uma série sobre as assistentes da Rainha dos Baixinhos. Falou-se em um despertar de boas memórias afetivas para as meninas dos anos 1980 e 1990. Porém, boas para quem? Porque muitas garotas foram impossibilitadas de sonhar em ser paquita. Afinal, as selecionadas para acompanhar a apresentadora seguiam praticamente as mesmas normas de beleza das Angels da Victoria’s Secret: loiras, magras e brancas.

A branquitude toma a centralidade e nega ‘belezas’ que não considera verdadeiras

No livro “Empoderamento”, da coleção Feminismos Plurais, Joice Berth explica o processo de dominação por meio da estética que cria padrões pautados pela hierarquização de raça e/ou de gênero onde surgem dois grupos: um é aceito e o outro não. O intuito é garantir a prevalência do que é socialmente aceito. Então, seguimos em um processo de alienação sobre nós mesmos e nossa autoimagem, influenciados pelas normas sociais estabelecidas.

Desta forma, a regra era clara: não existe paquita preta. Logo no primeiro episódio da série, uma das ex-paquitas assume que elas representavam a branquitude brasileira. No alto de sua culpa branca, Xuxa, que no documentário dos seus 60 anos colocou a culpa no colo da Marlene, agora admite que poderia ter batido o pé para, ao menos, garantir que sua assistente de palco Adriana Bombom fosse promovida a paquita. Porém isso era exclusividade das meninas brancas.

Essa saudade dos velhos privilégios não se limita as Angels, Paquitas e a estética. Outro dia mesmo, o ator Thiago Fragoso reclamava da falta de oportunidades para galãs heteros brancos e cis na TV brasileira. O ator se sente prejudicado por ser quem é. Em um momento que novelas com protagonismo negro no elenco quebram recordes de audiências, como “Vai na Fé” e “Volta por Cima”, no ar atualmente.

A branquitude reivindica seu espaço de privilégios depois do boom da pauta de diversidade/ equidade e dos debates raciais que tivemos nos últimos anos, principalmente após a morte do norte-americano George Floyd, vítima de violência policial. Um reflexo imediato que observamos à época foi a ampliação de vagas afirmativas para pessoas negras em empresas. Hoje, o que a gente vê é justamente o contrário, além da retração desse tipo de processo seletivo, setores dedicados à diversidade e inclusão vêm sendo dissolvidos — a exemplo da Microsoft. As amplas reflexões sobre privilégios e supremacia branca teriam ficado datadas?

A branquitude que se sente injustiçada pela diversidade tenta nos colocar de volta no armário para garantir a manutenção de seus privilégios. No melhor estilo “a branquitude não para, a branquitude dá um tempo”, agora puxam a linha da pipa. Mas essa pipa voou. Não tem volta.

JULIANA GONÇALVES é jornalista e mestra em Políticas Públicas em Direitos Humanos. É especialista em comunicação no Observatório da Branquitude, cofundadora da plataforma de empoderamento profissional Firma Preta. Tem passagens pelas redações do Catraca Livre, Rede Globo e The Intercept Brasil.

Observatório da Branquitude é uma organização da sociedade civil fundada em 2022 e dedicada a produzir e disseminar conhecimento e incidência estratégica com foco na branquitude, em suas estruturas de poder materiais e simbólicas, alicerces em que as desigualdades raciais se apoiam.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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