Maria Ribeiro
Dezembro, ame-o ou deixe-o
Vem, dezembro. Vem que eu to com roupa de banho e de ler poesias na voz da Marina
Todo ano, com sorte, ele chega. Sim, dezembro, esse mês do tipo “ame-o, ou deixe-o” (como se fosse possível…). “Ah, mas fico angustiada, que pressão ser obrigada a cumprir recesso, ou a gostar de Réveillon e vestido branco…” (e encarar minha família quebrada). Essa sou eu, há anos, reclamando das “cartilhas de fim do ano”.
Quer dizer, a outra, sem aspas, também sou eu. Uma “outra eu”, de alguma forma. Mas, quer saber? As aspas não me dividem à toa. E amo quando a gramática me domina. Quando meu cérebro se curva à carne das palavras. Elas também estão em campo e jogam nas onze. Deveríamos fazer igual.
Não é só a Anitta — a propósito, um dos encontros mais revolucionários do meu 2024 — que se deu de presente duas “personalidades”, e teve a brilhante ideia de organizar seus modos de estar no mundo mudando de nome e a se permitir alguma multiplicação. Todos nós temos, ou deveríamos ter — como parte de um kit de sobrevivência mesmo —, meia dúzia de facetas.
Assim como me libertei da personagem que só crê no que vê, passei a tomar cerveja e a paquerar a personagem que se aproxima dos 50
E, mesmo elas, as facetas, deveriam ser do tipo flex, porque o acaso é rei, e não é dado a onipotências. Graças a Deus.
Aliás, sobre mudanças, posso começar por ele. Há tempos, proclamo, superlativa que sou, meu ceticismo religioso. Neste ano, no entanto, entrei em uma capela da qual ainda não saí. Porque a contradição me interessa cada dia mais, e, como dizia Gainsbourg “não quero ter a pretensão de ser eu mesmo”.
Portanto, assim como me libertei da personagem que só crê no que vê, passei a tomar cerveja — que odiava — , comecei a paquerar a personagem que se aproxima dos 50, e talvez vire a nova garota propaganda do Natal. Tudo isso sem perder o farol do ano, que atende pelo nome de Antonio Cícero — e que acaba de entrar no meu altar.
Vem, dezembro. Vem que eu to com roupa de banho e de ler poesias na voz da Marina:
“Do mar ou de amar, não sei.
Mas deve ser da idade”.
Maria Ribeiro é atriz, mas também escreve livros e dirige documentários, além de falar muito do Domingos Oliveira. Entre seus trabalhos, destacam-se os filmes "Como Nossos Pais" (2017) e "Tropa de Elite" (2007), a peça "Pós-F" (2020), e o programa "Saia Justa" (2013-2016)
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