Sempre gostei de ver jogo de vôlei. Também amo ver basquete e tênis. Sou péssima nos três, mas amo ver, amo. Como meu pai era bancário do Banco do Brasil, ganhávamos ingressos para ver vôlei, já que o banco patrocinava. Fui ao Maracanãzinho, cheguei a ver Bernard dar o famoso saque “jornada nas estrelas”, fui também nos jogos na praia, “ai, ai ai ai, ai ai ai ai ai, em cima, embaixo, puxa e vai”, lembra desse absurdo? Depois o feminismo que ainda não tinha esse nome (pra mim) me levou a torcer obcecadamente pelas jogadoras mulheres. Brasil & Cuba eu pirava, porque eu ficava balançada. Jamais fui torcedora fanática do Brasil. “Nacionalismo é uma doença que se cura viajando”, uma vez li e bateu legal, bateu forte. No futebol então, se era Brasil e Nigéria, meu irmão do meio torcedor fanático do Brasil quase me ameaçava porque me via torcendo pro gol da Nigéria. Sempre fui assim. Marte em libra na astrologia explica essa diplomacia em excesso. Dou dicas em jogos, não quero perder, mas se perder, tudo bem. E se ganhar não quero que seja de lavada. Quero ganhar raspando, pra outra pessoa pensar que ela quase ganhou. Neuras, glórias, neuras.
Mas sim, vôlei feminino. Acompanhei toda a saga da primeira medalha de ouro para esse país que nasci e vivo, torci muito. Os tie-breaks, ave maria, as bolas que batiam na linha e elas achavam que ia ser fora, os toques de mão na rede, sofria. Já quebrei um prato de comida tamanha emoção com pontos acirrados que duravam mais de um minuto de bola no ar. Conto tudo isso porque a levantadora da seleção que mais acompanhei foi Fernanda Venturini, ex-esposa do técnico Bernardinho. Recentemente, essa medalhista energúmena foi se vacinar e fez um vídeo em que ela diz: “Eu sou contra a vacina, mas como quero viajar o mundo, vou tomar”, com uma voz de timbre feio (desculpa, mundo, julgo vozes) e com arzinho debochado. Deu ruim. Deu ruim legal. Geral atacou. Bem feito. Até eu escrevi qualquer coisa na página dela. Tentei meter uma cortada bem cubana, mas sou muito bem educada, é um horror isso em mim, queria ser um pouco menos educada pra lidar bem com a selva da internet. Me limitei ao: “Que decepção já ter torcido por você na vida”. No dia seguinte, ela fez um vídeo muito esquisito, ultra contraditório, dizendo: “Se eu fosse contra a vacina, não teria me vacinado”. Peraí. Como é que é? Primeiro ela diz literalmente que é contra a vacina. Depois diz “se eu fosse contra, não teria me vacinado”. Não tem interpretação para “eu sou contra a vacina”. As pessoas não entenderam errado, como no vídeo do dia seguinte ela alegou. É o que é. Foi o que foi. Vacilona.
É impressionante o desserviço de atletas (ou ex-atletas) ao não terem vergonha de expor uma opinião negacionista
É impressionante o desserviço dela e de outros atletas (ou ex-atletas) ao não terem vergonha de expor uma opinião negacionista, na contramão de tudo que a OMS acredita. Mais de meio milhão de mortos, ela tem a oportunidade/benção de tomar a vacina e comete a desmoralização da vacina, vacina essa que tomei há quatro dias e fui ao céu (também um pouco ao inferno, dor de cabeça, dor no braço, calafrios, mas o que é isso tudo perto de EU ESTOU VACINADA?). Você consegue adivinhar em quem ela votou? Te dou um doce imaginário enquanto você pensa. Isso, no energúmeno-mor. Tome aqui seu quadradinho de chocolate belga cremoso e gostoso. Sentiu?
Eu não queria falar sobre isso, estava com outra ideia de texto na cabeça, das crianças meninas que se chamam Alexa e estão sofrendo bullying no colégio porque amigos ficam dando ordens para as crianças. Para quem ainda não sabe, Alexa é um assistente virtual da Amazon, tipo um robozinho que você pode falar: “Alexa, qual língua falam no Paquistão? Alexa, me mostra um vídeo de golfinhos pulando! Alexa, quero ouvir tal música” e ela vai te responder e agir. Enfim. Um dia volto pra isso. Mas fiquei tão embrulhada. Me senti muito otária, sabe? De ter torcido pra essa babaca bolsonarista. Que ódio. Burra. Retrógrada. Estúpida. Eu já gostei mais de esportes, mas minha vida política foi redefinindo círculos, quem está comigo, quem está do meu lado e quem está no lado oposto? Lamento não haver muitas figuras de esquerda no esporte, isso me afastou. Eu quero ver o circo pegando fogo, eu quero é ver o oco, como cantou Raimundos, risos. Eu quero ver gente milionária, sendo patrocinada por bilionários, gritando “FORA, BOLSONARO”. Não vou nem entrar no assunto artistas isentões, que tá frio e meus dedos doem de tanto digitar, e aí eu destilaria um ódio que eu sei que tenho, mas minha educação não deixa transbordar, mas nessa hora transbordaria, e caramba, melhor não. Hoje não.
Não vou nem entrar no assunto artistas isentões, que aí eu destilaria um ódio que eu sei que tenho, mas minha educação não deixa
Enalteço aqui Carol Solberg, jogadora do vôlei de praia, filha da musa-mor Isabel, sempre metendo o bedelho, sou vidrada nela. E pra falar de flores e belas lutas, também fui muito fã de outra levantadora. Mas essa, bem longe de ser negacionista. Com apenas 1,65m, lésbica assumida, Fabi sempre me hipnotizou tanto dentro da quadra, quanto fora. Um passeio nas suas redes e você lê em sua camisa: O SUS SALVA VIDAS, ESPORTE PELA DEMOCRACIA, VACINA SIM. E uma linda filha com sua esposa. Sim, existem muitas famílias, e eu celebro todos os formatos. No vôlei da Carol e da Fabi, eu acredito. Eu não consigo mais desvincular. Negacionistas, anti-vacinas, caguei baldes se já trouxeram medalhas para o país. Inclusive me arrependo de já ter perdido a voz torcendo por essas pessoas. A essa altura do campeonato, pra eu me mobilizar a ponto de ficar horas vendo um esporte, pra eu ficar rouca, pra eu ficar nervosa por causa de bola, só com muita, mas MUITA democracia.
P.S.: De acordo com o Comitê Olímpico Internacional, a cada dez atletas olímpicos, dois não estarão vacinados. Esses atletas se recusaram. Asco.
P.S.2: Ainda no assunto vôlei feminino, quero deixar de recomendação um documentário maravilhoso: “Pátria”, de Fábio Meira (está no YouTube), que conta sobre o histórico jogo da semifinal de 1996 entre Brasil e Cuba. Emoção.
Letrux é atriz, escritora, cantora, compositora e uma força da natureza cujo trabalho é marcado por drama, humor e ousadia. Entre seus trabalhos estão o álbum “Letrux em Noite de Climão” e o livro “Zaralha”
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