Gama faz parceria com Instituto Beja para discutir visão inovadora da filantropia
Abrir espaço para o debate sobre o tema e para a divulgação de iniciativas inovadoras é parte importante desse processo de transformação
Crise climática, ameaças à democracia, violência de gênero, recorde de migrações forçadas, desigualdade persistente… Não faltam problemas estruturais — e causas pelas quais lutar — no Brasil e no mundo. Diante da urgência dos desafios e da necessidade de alocar recursos de maneira mais eficaz para enfrentá-los, novas abordagens para a filantropia vêm sendo discutidas globalmente: uma visão que extrapola a ideia de “doação”, que busca apoiar soluções realmente transformadoras e promover um impacto duradouro na sociedade.
Mas essa mudança de paradigma não é simples. Por muito tempo, a filantropia foi associada a ações pontuais no âmbito individual. Dados mostram que o Brasil ainda tem uma cultura de doação tímida e pesquisas sobre o comportamento dos brasileiros em relação à solidariedade mostram que predominam as contribuições com esmolas ou doações de roupas e alimentos em contextos emergenciais, sem planejamento nem recorrência.
Diante de um contexto que muitos definem como “policrise”, qual o caminho para repensar a filantropia de forma mais estratégica e eficiente? Como promover de fato a atuação em rede, se apoiar em múltiplos conhecimentos, que resultem em impacto e mudanças estruturais?
Abrir espaço para o debate sobre o tema e para a divulgação de iniciativas inovadoras é parte importante desse processo de transformação. Como uma revista que se propõe a pensar e discutir os assuntos que importam hoje e também o futuro, Gama fez uma parceria com o Instituto Beja para trazer o que há de mais novo e interessante nessa agenda. Segundo Paula Miraglia, diretora-geral e publisher da Gama, “em um país tão desigual como o Brasil, onde o 1% mais rico da população detém 23,7% da renda nacional, qualquer reflexão sobre filantropia hoje passa por uma discussão sobre poder, responsabilidade e compromissos reais com a redução da desigualdade. Nesse sentido, debater o papel da filantropia é algo extremamente pertinente e contemporâneo, junto com tantos outros temas tratados pela revista”. Ainda segundo Miraglia, “fazer isso com um parceiro que tem se dedicado a compreender o tema de uma perspectiva ampla e inovadora, traz para os nossos leitores os aspectos mais interessantes deste debate.”
Uma filantropia oxigenada é aquela que busca uma visão sistêmica dos problemas, na qual os filantropos possam colaborar com a co-criação de projetos ou com a participação conjunta em projetos já existentes
A parceria editorial contempla a publicação de uma edição temática da revista e de 12 colunas escritas por convidados do Beja, que compartilharão seus pontos de vista sobre a filantropia hoje no Brasil e no mundo. A série de colunas será publicada ao longo de um ano, a partir de novembro de 2024. Também serão produzidas reportagens inspiradas nas reflexões compartilhadas no Filantropando, evento que promove a troca de ideias entre diferentes atores do ecossistema filantrópico e que será realizado pelo Instituto Beja no dia 5 de novembro. O encontro, que está em sua terceira edição, é realizado em parceria com o Instituto Toriba e reunirá empreendedores sociais e pensadores que são referências nesse campo, como a sul-africana Geci Karuri-Sebina, professora na Wits School of Governance em Joanesburg, Ondřej Liška, ex-ministro da Educação da República Tcheca e diretor regional da Europa na Porticus, e a brasileira Josimara Baré, coordenadora do Fundo Indígena Rutî.
Fundado em 2021, o Instituto Beja fomenta a inovação, a colaboração, a eficácia e o engajamento no campo da filantropia. Segundo Cris Sultani, fundadora e presidente do Conselho de Administração do instituto, o setor poderia investir mais em advocacy e em colaboração. “Uma filantropia oxigenada é aquela que busca uma visão sistêmica dos problemas, na qual os filantropos possam colaborar com a co-criação de projetos ou com a participação conjunta em projetos já existentes, buscando maior alinhamento, o investimento de tickets maiores, com uma visão a longo prazo, buscando, também, o desenvolvimento institucional das organizações e um setor mais robusto”, afirma.
Para Sultani, o setor também precisa fortalecer soluções para recuperação e restauração dos biomas brasileiros e investir em tecnologias como inteligência artificial, que possam ser usadas de forma ética para alavancar as soluções de impacto socioambiental. Ela também destaca o papel do advocacy para influenciar políticas públicas e dar escala a essas soluções, além da necessidade de diminuir as desigualdades regionais. “Hoje em dia tem muitos projetos na região Sudeste e poucos que favorecem as outras regiões”, afirma.
A parceria com a imprensa, nesse contexto, tem o potencial de apoiar e construir novas narrativas. ”A imprensa é super necessária porque tem a capacidade e a capilaridade de divulgar as informações e influenciar outros atores, de atingir outros públicos e de levar esse letramento sobre a questão socioambiental de forma a atrair outros investidores e conscientizar a população”, diz. “Essa parceria com a Gama vai trazer a oportunidade de a gente contar sobre o sucesso e a necessidade de participação em diferentes projetos espalhados pelo Brasil e, inclusive, de se apropriar de ideias e da inovação de outros países.”
Qualquer reflexão sobre filantropia hoje passa por uma discussão sobre poder, responsabilidade e compromissos reais com a redução da desigualdade
Uma pesquisa realizada pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal mostrou que 65% dos brasileiros costumam dar esmola e 48% doam alimentos ou roupas, mas só 28% contribuem em dinheiro com alguma ONG e 17% realizam trabalho voluntário. Apenas 3% disseram fazer doações por meio do Imposto de Renda. No grupo dos 28% que contribuíram financeiramente com alguma organização em 2023, ano da pesquisa, 37% fizeram doações recorrentes. Dos 72% que não doaram para ONGs, 64% disseram que também não haviam feito esse tipo de contribuição em anos anteriores.
Já o Monitor das Doações, levantamento que registra contribuições individuais acima de R$ 3 mil, registrou uma queda de 67% no montante doado para organizações sociais em 2023 em relação ao ano anterior. De acordo com a ferramenta, foram doados R$ 474,9 milhões ao longo do ano passado — apenas 33% do valor total de R$ 1,4 bilhão registrado em 2022. O número de doadores também diminuiu, passando de 397 para 158 (uma queda de quase 60%).
Quais os caminhos
Se o poder da filantropia vem de um lugar inegavelmente consolidado – a concentração de capital – o momento atual é de exploração de caminhos inovadores. Ao redor do mundo vemos tentativas de abordar o campo com novas referências das noções de confiança, autonomia e reconhecimento das relações de poder.
A norte-americana Mackenzie Scott tem provocado um grande debate no campo por conta da sua forma pouco usual de fazer doações. Ela não tem uma grande fundação, não tem uma sede nem mesmo um website. Scott segue os modelos tradicionais de filantropia e tem feito apoios substantivos garantindo não apenas um volume expressivo de recursos, mas liberdade para usá-los por parte das organizações que recebem os aportes.
Marlene Engelhorn, uma austríaca que herdou uma fortuna da indústria farmacêutica, também inovou ao criar o Good Council. Uma organização que recrutou cinquenta pessoas no país, com trajetórias completamente diferentes, para redistribuir vinte e cinco milhões de euros, 90% de seu patrimônio. Nas suas palavras “a forma como a riqueza é distribuída pelo país molda a forma como vivemos juntos e influencia o bom funcionamento de uma sociedade democrática.”
Mesmo a política ou temas tidos como “controversos”, que durante muito tempo foram um território do qual os filantropos preferiam manter distância, vêm deixando de ser um tabu. Melinda French Gates, que presidiu por muito tempo uma das maiores fundações do mundo junto com seu hoje ex-marido, doou mais de US$ 13 milhões para a campanha presidencial de Kamala Harris e fez uma defesa pública dos direitos sexuais e reprodutivos, inclindo o aborto.
No Brasil, essa aproximação com temas políticos, de justiça social, justiça climática e direitos humanos acontece lentamente e ainda fica restrita a um círculo pequeno de filantropos. Mas diante de um país cada vez mais dividido e com a própria democracia sendo colocada à prova, esses parecem temas incontornáveis.
Esses exemplos nos mostram que a filantropia passa por uma mudança de paradigma, em um esforço que tenta dar conta da urgência e da velocidade que caracterizam as transformações em curso no mundo.
Este conteúdo é parte de uma série especial sobre filantropia, produzida com apoio do Instituto Beja, que atua para promover o impacto positivo no campo da filantropia fomentando a inovação, colaboração, eficácia e engajamento da sociedade civil, do setor privado e do governo para resolução de problemas sistêmicos.