'COP26 não reflete urgência do clima, mas sociedade civil mostra força' — Gama Revista
Ian Forsyth/Getty Images

‘COP26 não reflete urgência do clima, mas sociedade civil mostra força’

Para fazer um balanço da conferência, Gama entrevista o sociólogo e economista Pedro Roberto Jacobi. ‘Os grandes players estão patinando’

Ana Pinho 17 de Novembro de 2021

Em Glasgow, na Escócia, onde delegações de 197 países se reuniram para participar da 26ª Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP26, o maior destaque não foi alcançado por um líder mundial ou mesmo pelas decisões tão esperadas, mas pela a sociedade civil. O progresso ficou aquém do esperado por muitos especialistas, ativistas e delegações das nações mais prejudicadas, como as ilhas do Pacífico. Mas para o sociólogo e economista Pedro Roberto Jacobi, coordenador do grupo de Estudos de Meio Ambiente e Sociedade do Instituto de Estudos Avançados da USP e editor da revista Ambiente e Sociedade, houve um claro ponto alto em meio à frustração generalizada: a forte presença de jovens, indígenas, negros, mulheres, cientistas e ambientalistas. “Eu aposto numa sociedade que se mobiliza e realmente quer adiar o fim do mundo”, afirma.

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O objetivo do encontro – que aconteceu entre 31 de outubro e 13 de novembro de 2021, um ano depois do previsto devido à pandemia – era regulamentar o Acordo de Paris, que foi assinado em 2015 e determina que a meta é manter o aumento da temperatura média global “bem abaixo” de 2ºC em relação ao período pré-industrial, preferencialmente em até 1,5ºC. Segundo dados do último relatório do painel de cientistas da ONU, o IPCC, o aumento hoje está em 1,09ºC.

Em Glasgow, a organização Climate Action Tracker analisou as promessas de redução de gases de efeito estufa apresentadas por 36 países, incluindo o Brasil. O estudo mostrou que os planos, que vão até 2030, ainda são insuficientes para cumprir o Acordo de Paris e que, neste momento, o mundo estaria rumando para 2,1ºC de aquecimento.

As expectativas eram altas, o texto final trouxe novidades, mas o tom foi mais ameno do que o esperado pelos ambientalistas

Com todo esse contexto, as expectativas para o encontro eram altas. E o texto final – que é aprovado por todos os países presentes – trouxe novidades, como as primeiras menções aos combustíveis fósseis e às perdas e danos sofridos pelos países mais vulneráveis à crise climática, assim como a demanda por planos mais ambiciosos de redução de emissões já no fim de 2022. Paralelamente, houve acordos internacionais para cortar 30% das emissões de metano e zerar o desmatamento até 2030 (ambos assinados pelo Brasil). Em um anúncio surpresa, China e EUA, os dois maiores emissores do mundo, também fizeram uma declaração conjunta de cooperação climática.

Apesar disso, para Jacobi a conferência não cumpriu seu papel de ser decisiva para a reversão da emergência climática. “As gerações futuras estão aí batendo na porta, saem às ruas e gritam, mas quem decide são as gerações atuais e lamentavelmente a humanidade está contra as cordas. A pressão dos agentes econômicos, dos combustíveis fósseis, é muito forte”, afirma Jacobi na entrevista a Gama que você lê a seguir.

A sociedade civil mostrou sua força e os atores do setor privado e dos governos subnacionais se sobrepuseram ao papel do governo

Pedro Roberto Jacobi, sociólogo e economista  Divulgação

  • G |A COP 26 acabou durando um dia a mais que o previsto e o texto final foi aprovado no sábado (13) à noite, depois de negociações intensas. Qual foi o saldo da conferência?

    Pedro Roberto Jacobi |

    Muitos países que pressionavam por um acordo ambicioso concordaram com o texto final, mas manifestaram “profunda decepção” por sua linguagem suave. A sociedade civil foi muito crítica com o resultado, inclusive com alguns dizendo que é “uma traição” para as pessoas e para o planeta. A Índia, no último minuto da plenária de encerramento, pediu para diluir o texto final, mudando as palavras “coal phase out” [eliminação do uso de carvão] para “coal phase down” [redução do uso de carvão]. Alok Sharma, o presidente da COP26, aceitou a mudança, acrescentando que estava “profundamente arrependido”. Como alguns analistas apontaram, a mudança também responde à falta de um acordo ambicioso de financiamento climático, já que países como a Índia precisariam de investimentos maciços em energias renováveis para atender às suas demandas de eletricidade não satisfeitas. Por outro lado, é a primeira vez que combustíveis fósseis são mencionados em um texto final da COP. Entretanto, isto só pode ser contado como uma vitória se o acordo se traduzir em políticas reais nas CNDs [Contribuições Nacionalmente Determinadas, nome dado aos planos nacionais de redução de emissões] que virão em 2022. As nações ricas reconheceram não ter atingido a meta de US$ 100 bilhões por ano [de financiamento climático] para os países em desenvolvimento. Eles prometeram cumprir “além” deste compromisso até 2025. Também prometeram duplicar a quantia de dinheiro destinada à adaptação até 2025, separando-se dos níveis de 2019. Os países em desenvolvimento pressionaram fortemente por esta questão durante a COP, propondo até mesmo uma nova meta de US$ 1,3 trilhão por ano até 2025. Mas esta proposta não foi adotada. Houve fracasso em assegurar financiamento consistente dos países ricos para os países em desenvolvimento. A COP26 não reflete a urgência vista no relatório do painel dos cientistas do clima da ONU. E importante: a sociedade civil mostrou sua força e os atores do setor privado e dos governos subnacionais se sobrepuseram ao papel do governo, com ênfase para a presença de jovens, indígenas, mulheres, cientistas e ambientalistas. Eles fizeram a diferença!

  • G |Antes de acontecer, a COP26 foi bastante alardeada como “uma última chance” para o mundo se organizar para manter o aquecimento a no máximo 1,5ºC. A conferência cumpriu esse papel?

    PRJ |

    Não cumpriu e isso é muito preocupante. Os grandes players estão patinando, usando todos os elementos para não promover realmente os acordos necessários. O que a gente observa é que, para além daquilo que se propôs, do metano e do gás carbônico como os grandes temas em aberto, a COP frustrou enormemente. E nem estou falando do papel do Brasil, mas sim em termos gerais, inclusive da necessidade urgente de se colocar a questão de que 1,5ºC parece impossível. As gerações futuras estão aí batendo na porta, saem às ruas e gritam, mas quem decide são as gerações atuais e lamentavelmente a humanidade está contra as cordas. A pressão dos agentes econômicos, dos combustíveis fósseis, é muito forte.

  • G |Quais foram os pontos altos e baixos da COP 26, na sua opinião?

    PRJ |

    Um é a questão do crédito de carbono: é uma negociação que vai ser importante, mas que ainda está muito vaga, não há precisão sobre isso. Um segundo ponto alto foi a pressão da sociedade civil, que esteve muito presente e ativa. Um terceiro ponto alto, mas de aspecto negativo, foi a ausência de grandes promotores de emissões, principalmente China e Rússia. Outra novidade é que os EUA voltaram a entrar no jogo.

Para muitos, ‘emergência climática’ é um termo assustador, catastrofista, mas os dados estão mostrando que o inferno está batendo à nossa porta

  • G |Um assunto recorrente nessas conferências é a questão da precificação do carbono, pelo mercados de carbono ou por meio de impostos, por exemplo. Como o senhor vê esse tema?

    PRJ |

    Os créditos de carbono são mecanismos de trade off, de cap and trade [se a empresa consegue reduzir suas emissões a ponto de não chegar até o teto, ela pode negociar as permissões que sobraram para empresas que não conseguiram cumprir suas metas], e temos visto que, desde o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo [do Protocolo de Kyoto, de 1997], não têm avançado. São soluções pragmáticas e que buscam reduzir o impacto, mas ninguém quer soltar o dinheiro quando não tem certeza. Essa é a grande questão. As taxações são um tema muito técnico, muito específico, mas talvez sejam o único caminho. E como cada país tem que decidir individualmente, obviamente você terá uma resposta dada pela conveniência política. Nos EUA, por exemplo, estamos vendo que dois senadores democratas estão criando uma balbúrdia. E, se decidissem expulsá-los [do partido], os democratas perderiam sua maioria. Então você vai observando que, muitas vezes, a resposta acaba não tendo condições de ser dita globalmente.

  • G |O senhor recentemente apoiou um Projeto de Lei que declara Emergência Climática no Estado de São Paulo. Também há outros PLs desse tipo a nível municipal e federal no Brasil, e muitos já foram aprovados pelo mundo. Qual a importância de passos como esses?

    PRJ |

    É fundamental botar a boca no trombone. E é importante destacar que a terminologia foi mudando: os climatologistas falavam em “variabilidade climática”, depois veio o termo “mudanças climáticas” e, mais recentemente, principalmente na imprensa europeia e no jornal The Guardian, a “emergência climática”. Para muitos, essa é uma palavra assustadora, catastrofista, mas os dados estão mostrando que o inferno está batendo à nossa porta. Estamos observando que esse tipo de manifestação é importante e, na medida do possível, temos que ampliar essa visibilidade. O que não é fácil, porque a mídia não ajuda tanto.

Aposto numa sociedade que se mobiliza e realmente quer adiar o fim do mundo

 Ian Forsyth/Getty Images

  • G |Para quem acompanha o desdobrar de um evento como a COP 26, pode surgir aquela sensação de que nada pode ser feito e que o futuro está nas mãos dos outros. O senhor tem sugestões para quem quer fazer algo e ajudar a alterar esse cenário?

    PRJ |

    É muito importante apoiar organizações da sociedade civil. Elas são multiplicadoras de processos inovadores e de resistência e é fundamental se engajar em formas de resistência. Também votar para vereadores, deputados, senadores, governadores e presidentes que tenham uma agenda de sustentabilidade. A minha recomendação é a seguinte: saia da sua bolha e participe de bolhas maiores. Todas elas têm importância.

  • G |O senhor disse que a COP 26 foi frustrante. Hoje está mais ou menos otimista em relação à crise climática?

    PRJ |

    Uma coisa é a COP! [Risos] Eu sou um otimista. Aposto numa sociedade que se mobiliza e realmente quer adiar o fim do mundo. Porque o planeta, fisicamente, vai sobreviver. Agora, uma sociedade humana com um mundo a 50ºC, chuvas que matam milhares e oceanos que começam a subir… Isso é o pior do pior.

Nescafé origens do Brasil

Conteúdo produzido como parte da Cobertura Especial sobre a COP26, realizada em parceria com Nescafé Origens do Brasil.

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