O que a participação na COP26 diz sobre o futuro ambiental do Brasil? — Gama Revista
Foto Reuters / Ilustração Sariana Fernández

O que a participação na COP26 diz sobre o futuro ambiental do Brasil?

Apesar de pequenos avanços na COP26, o Brasil segue sendo criticado por sua atuação ambiental; ainda é possível voltar a ser uma liderança global?

Leonardo Neiva 12 de Novembro de 2021

Depois do fim da COP26, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, da qual participaram integrantes de quase 200 países, o principal balanço feito por especialistas e estudiosos de temas do meio ambiente é de que houve sim alguns avanços e compromissos importantes. Só que estes ainda passam longe de ser suficientes para o momento delicado que vive o planeta.

MAIS SOBRE O ASSUNTO:
Vozes brasileiras no debate da emergência climática
O que é racismo ambiental?
Paulo Artaxo, do IPCC: ‘É estratégico para o agronegócio proteger a Amazônia da destruição’

Vale lembrar da luz vermelha que se acendeu em agosto, com a divulgação de um relatório preocupante pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Entre várias informações desastrosas, uma das que mais chamaram a atenção foi o fato de que a temperatura média global aumentou 1,09 ºC na comparação com o período pré-industrial. A meta da COP26 para tentar frear esse crescimento então é garantir ações que limitem o aquecimento a 1,5ºC até 2100 — já que não tem mais como evitar de todo o impacto negativo. Mas, para isso, algumas das maiores nações do globo precisam se comprometer com uma série de medidas, como zerar o desmatamento e controlar a emissão de gases.

O Brasil se comprometeu em cortar 50% das emissões de gases-estufa até 2030, alcançar a neutralidade de carbono até 2050 e zerar o desmatamento ilegal até 2028

Este ano, uma das principais diferenças em relação à edição anterior, em dezembro de 2019, foi o Brasil ter demonstrado estar mais aberto a assinar acordos e firmar compromissos. Sempre no foco por conter em seu território a maior parte da Amazônia, o país é tradicionalmente uma das principais lideranças no movimento internacional por causas ambientais. O governo Bolsonaro, no entanto, já se mostrou diversas vezes avesso ao tema, causando polêmica inclusive com declarações e decisões tomadas em edições anteriores do evento.

“A diplomacia profissional veio com uma tarefa muito clara de tentar suavizar a péssima imagem e a posição de pária que o Brasil ocupa na questão climática dentro da diplomacia internacional”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, voltado para políticas públicas internacionais. “Porque tinham essa missão, os diplomatas cederam bastante, precisando muito de um resultado que diga que o Brasil não bloqueou, e sim ajudou. Então teve muito mais flexibilidade que em outras edições, e esse sentimento de ser um país que está correndo atrás do prejuízo”, diz a especialista, que é mestre em administração pública em Harvard.

Apesar de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não ter participado presencialmente desta vez, o governo brasileiro foi representado pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. Entre acordos aos quais o país aderiu, prometemos cortar 50% das emissões de gases-estufa, como metano, até 2030, alcançar a neutralidade de carbono até 2050 e zerar o desmatamento ilegal até 2028.

Procurado por Gama, o governo brasileiro não se manifestou até a publicação da reportagem.

Otimismo de olhos bem abertos

Dá para ficar otimista com os resultados da COP26, ainda que com a cautela que é de praxe, afirma a coordenadora do Programa de Política e Direito do Instituto Socioambiental, Adriana Ramos. “Existe um avanço principalmente em relação à questão do fim dos combustíveis fósseis”, afirma, em referência à Declaração de Glasgow sobre Carros e Ônibus de Emissão Zero, que prevê encerrar a venda de motores de combustão interna até 2035. O documento foi assinado por mais de cem governos nacionais, estaduais e municipais, incluindo o da cidade de São Paulo.

Na opinião da especialista, o que ainda falta nesses compromissos — um problema crônico da conferência — é mais solidez. “Mas dá para dizer que o que foi colocado em pauta ao menos demonstra um entendimento do tamanho do problema, algo que não aconteceu nas edições anteriores.”

Um dos principais indícios positivos dos desdobramentos da conferência seria o acordo fechado entre EUA e China, as duas principais superpotências econômicas e poluidoras, para cortar emissões de gases do efeito estufa. “Qualquer movimentação que envolva os dois maiores emissores, que em muitos momentos ficaram de fora de alguns compromissos, é uma boa notícia. De certa forma, a COP26 dá um passo adiante ao envolver as duas principais nações do mundo nessa meta”, diz Adriana, que lembra, no entanto, que a efetividade do acordo vai depender de como os governos vão lidar com a questão no dia a dia.

 Foto Reuters / Ilustração Sariana Fernández

O que mudou para o Brasil

Já a participação do Brasil, apesar dos aparentes avanços em compromissos considerados importantes, Ramos classifica como uma mera “mudança cosmética” em comparação com edições passadas, quando o tom era mais belicoso. Apesar de ter soado mais comprometido, não faltaram declarações públicas para surpreender negativamente os presentes. Em determinado momento de seu discurso, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, afirmou que “onde há floresta há muita pobreza”. “Continuamos flagrantemente fora da caixinha”, diz a representante do Instituto Socioambiental. “A declaração do ministro mostra que o Brasil não mudou de verdade, mas tentou ponderar o discurso para não ficar muito mal na fita.”

A grande diferença foi que desta vez o governo ao menos se sentou à mesa e comeu de garfo e faca, segundo o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini. “Da última, o ministro chutou a mesa, derrubou a bebida no chão, xingou o anfitrião e foi embora”, ironiza, em referência à polêmica participação do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles na COP25, em 2019.

Tudo foi encarado como um gesto bom porque a expectativa é sempre a pior possível. Mas, na prática mesmo, não teve nenhuma mudança

Astrini também admite que compromissos assumidos, como reduzir a emissão de gases e zerar o desmatamento, são perfeitamente possíveis — desde que fiquem sob a responsabilidade de um governo diferente do atual. “Tudo foi encarado como um gesto bom porque a expectativa é sempre a pior possível. Quando o governo não atrapalha e assina alguns papéis, mesmo com todo mundo sabendo que nada vai ser implementado, pelo menos o país não prejudica o processo. Mas, na prática mesmo, não teve nenhuma mudança.” Recentemente, foi divulgado que os alertas de desmatamento na Amazônia bateram recorde no mês de outubro.

Para Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa, compromissos como o da redução da produção de metano e desmatamento zero são viáveis, mas exigem ações concretas, como uma atualização dos mecanismos de medição da emissão de gases, a modernização da pecuária brasileira e maior atenção não apenas para a Amazônia, mas para todos os biomas brasileiros.

E há sim pontos bastante positivos dessa mudança de rota, segundo Ronaldo Seroa da Motta, professor de economia do meio ambiente e dos recursos naturais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Uma delas seria a pressão exercida tanto pela sociedade civil, preocupada com as mudanças ambientais, quanto pelo setor empresarial, afetado no mercado internacional, que, de acordo com Seroa, estariam por trás da mudança de postura do governo.

“Internamente, pode ser que não mude nada, mas ao menos tira o Brasil da berlinda como um antagonista nas negociações, o que trazia prejuízos comerciais”, afirma o economista. “Claro que fazer promessas para 2030 ou 2050 não significa que algo vai mudar no ano que vem. Mas há mais expectativa e oportunidades, pois alguns canais de diálogo se abriram. Só resta saber se o tema vai de fato virar uma prioridade.”

Créditos de carbono e negociações

Se na COP25, o Brasil foi o principal responsável por bloquear as negociações relacionadas ao mercado de carbono, na atual conferência o país reviu sua posição e abriu caminho para um acordo de proporções globais. Basicamente, funciona assim: um país que reduz suas emissões de gases do efeito estufa recebe uma determinada quantidade de créditos, de acordo com as toneladas que foram cortadas. Desde o Protocolo de Kyoto, lá em 1997, os países tentam estabelecer um mercado, para que quem não reduziu possa comprar créditos de quem reduziu mais — assim, haveria uma compensação financeira e um incentivo pelo que foi alcançado, numa tentativa de equilíbrio das emissões mundiais. Durante as últimas edições do evento, os países vêm tentando criar regras para a venda de créditos entre as nações.

“A ideia é que o crédito seja uma espécie de direito de poluir”, explica a economista Luiza Karpavicius, especializada em meio ambiente e recursos ambientais. Um dos pontos que vinham travando as negociações, conta a economista, era o fato de o Brasil querer incluir na sua conta reduções de emissão que aconteceram no modelo estabelecido pelo Protocolo de Kyoto. O problema é que, como essas emissões já foram contadas há muito tempo, não teriam um impacto real para a redução necessária hoje, justamente o que se busca com as negociações.

Outro entrave tem a ver com o método de contagem desses créditos. O Brasil, assim como alguns outros países, queria que créditos vendidos para outros países continuem contando como uma redução de emissões realizada por ele. “Só que, para a contabilidade fazer sentido, quem deve colocar o crédito é só o país que vai comprar, não quem está vendendo. Senão, vai ter dupla contagem”, afirma Luiza. A dupla contagem foi inclusive um dos pontos em que o Brasil decidiu recuar, o que facilitou bastante as negociações, de acordo com Seroa. Já o destino dos créditos de redução de emissões contados pelo modelo do Protocolo de Kyoto ainda continua em aberto.

Em termos econômicos, existe uma queda de braço que vem se arrastando por várias edições do evento. Trata-se da luta, que tem no Brasil um dos principais líderes dos países em desenvolvimento, para pressionar nações desenvolvidas e mais ricas a arcar com os custos das iniciativas de preservação. A demanda, no entanto, tem sido divisiva. Enquanto alguns governos e organizações defendem que a responsabilidade deve sim recair sobre os países que têm mais condições de pagar — e também são os maiores poluidores —, alguns países, incluindo os desenvolvidos, enxergam uma tentativa de o Brasil instrumentalizar o debate a seu favor. “Há uma relutância muito grande de países ricos em estabelecer um financiamento climático. Acho que nesse ponto a discussão fracassou. Então, se alguém estragou a COP desta vez, não foi o Brasil, mas os países ricos”, afirma o professor de economia da Uerj.

Voltando a liderar o debate

Uma das boas surpresas da conferência foi a alta participação de membros do setor privado brasileiro, inclusive da agropecuária. “Por estarem em debate público com seus pares internacionais, eles acabam trazendo esse compromisso de ter que se movimentar”, diz Adriana. Houve também a participação na conferência de jovens ativistas defensores da proteção da Amazônia, com destaque para o discurso da indígena Txai Suruí — que pouco depois começou a receber ataques de bolsonaristas nas redes. “Do ponto de vista do setor privado e da sociedade, a COP deu empurrões importantes para coisas concretas”, afirma a representante do Instituto Socioambiental. “O principal desafio agora é monitorar e pressionar para que esses compromissos se tornem concretos.”

Do ponto de vista do setor privado e da sociedade, a COP deu empurrões importantes para coisas concretas

Os especialistas consultados concordam que muito provavelmente apenas uma mudança de rumos do governo, aliada a políticas coerentes e consistentes, poderia colocar o país de novo numa posição de liderança global no debate ambiental e climático. Para Adriana, o histórico de décadas de diplomacia do Brasil não vai simplesmente desaparecer em poucos anos de imagem negativa. De acordo com Astrini, porém, é impossível ser relevante enquanto Bolsonaro continuar no poder. “Ninguém acredita mais nele, e não estou falando só da COP.”

Fora isso, retomar o prestígio lá fora na área ambiental é uma meta totalmente alcançável, segundo o representante do Observatório do Clima, desde que seja uma gestão de choque. “Primeiro, para reverter todo o discurso e o desmonte provocado pelo Bolsonaro, além de algumas ações de curto prazo, como colocar o Fundo Amazônia para funcionar, reestruturar o Ibama e ICMBio e restabelecer a narrativa contra o desmatamento.”

O grande destaque brasileiro acabou ficando por conta da participação de membros da sociedade civil, de governos subnacionais e do empresariado, afirma Natalie, do Instituto Talanoa. “Nunca vi tanta diversidade, tanta participação negra, feminina e indígena na delegação brasileira, ainda que seja a delegação extraoficial. Ajudaram a mostrar ao mundo que a gente é muito mais do que está se vendo agora e esses resultados ruins da política ambiental brasileira, que a gente pode e deve entrar em ação.”

Nescafé origens do Brasil

Conteúdo produzido como parte da Cobertura Especial sobre a COP26, realizada em parceria com Nescafé Origens do Brasil.

Quer mais dicas como essas no seu email?

Inscreva-se nas nossas newsletters

  • Todas as newsletters
  • Semana
  • A mais lida
  • Nossas escolhas
  • Achamos que vale
  • Life hacks
  • Obrigada pelo interesse!

    Encaminhamos um e-mail de confirmação