CV: Daniela Cachich
A vice-presidente de marketing da PepsiCo Alimentos quer inspirar mulheres a almejar cargos de liderança
Antes de chegar à vice-presidência de marketing da PepsiCo Brasil Alimentos, a executiva Daniela Cachich, 46, teve passagens de destaque por grandes empresas como a IBM, a Unilever, onde permaneceu por dez anos, e a Heineken, na qual também ocupou o cargo de vice-presidente de marketing.
Ao trabalhar com tantas marcas de renome, a profissional, que tem formação em administração de empresas e marketing, conta que sempre procurou realizar um trabalho que fosse além de vender um produto na gôndola do supermercado. “Olho para minha carreira pensando em como gerar um impacto como profissional, como deixar um legado trabalhando com marcas”, explica.
Embora vender e fortalecer a marca naturalmente faça parte do pacote, a executiva também procura usar o privilégio que esses produtos alcançam, de chegar até a casa das pessoas, para falar sobre temas e causas importantes, com o potencial para transformar.
Não à toa, participou do lançamento de campanhas como a da Dove pela “Real Beleza” no Brasil, que trabalhou com questões como autoestima e beleza natural das mulheres, e a Doritos Rainbow, que lançou uma versão multicolorida do salgadinho em apoio ao público LGBTQI+, prestando auxílio a ONGs e programas de capacitação que atendem a comunidade. Por meio da linha de snacks eQlibri, também integrou a ação de doação de mais de mil cestas básicas para ONGs que dão suporte a mulheres em situação de vulnerabilidade.
“Essa é uma linha condutora da minha carreira. Em todos os lugares em que trabalhei, eu quis gerar um impacto positivo”, afirma Cachich, que integra os 44% de mulheres em cargos de liderança na PepsiCo brasileira, número bem acima do mercado em termos de representatividade. Este ano, a executiva ainda entrou para a lista da Forbes Brasil das 20 mulheres mais poderosas do país.
Apesar de dizer não ter tido um único mentor, Cachich valoriza a independência econômica incentivada pelo pai e a inspiração passada pela mãe, “uma mulher que trabalhava com moda quando ninguém trabalhava com isso”. Também credita ao marido, com quem tem dois filhos, um dos principais incentivos à sua carreira. “Ele é executivo e sabe exatamente o que eu passo. Nós nunca competimos, sempre unimos forças.”
Gama conversou com a executiva sobre a luta feminina no mercado de trabalho, como aprender a combinar vida pessoal e profissional, a importância de saber defender as próprias ambições e o impacto de ter mais mulheres em cargos de tomada de decisão.
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G |O que te trouxe até aqui?
Daniela Cachich |Desde que comecei a faculdade, sempre quis ser a principal executiva de marketing de uma empresa. Todas as decisões que tive na minha carreira foram pensando nisso. Quando falamos em ambição, para mulheres é algo colocado de modo pejorativo. Na verdade nós não somos ambiciosas, só ambicionamos alguma coisa maior. Na minha época, para uma mulher estar numa posição como a minha, precisava se masculinizar muito. Praticamente abrir mão de sua vida pessoal, não poder ter filhos nem despender parte de sua energia e tempo para a família. Por que ter que abrir mão de uma coisa ou de outra? Algumas mulheres foram referências na minha trajetória porque conseguiram fazer isso, ter sua família e estar em altos cargos de liderança. Mulheres precisam ter referências, porque por muito tempo olhamos para cima e só vimos homens, como se não fosse um lugar permitido para nós. Tive que aprender que não é sempre que vai dar tudo certo, mas se você estiver indo para o lugar que almeja, essa é a melhor resposta de que está no caminho. Hoje tenho a consciência de que, da mesma forma que aquelas mulheres foram uma referência para mim, eu me tornei referência para outras.
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G |Como é ser uma profissional mulher na sua área?
DC |Eu adoraria que a gente não precisasse responder essa pergunta. Ninguém fala sobre liderança masculina, é sempre liderança. Quando é para mulheres, vira liderança feminina. Acho que tem uma coisa de abrir caminhos, provar que não é sobre gênero, mas sobre competência. A sensação é de que se considera que os homens estão aqui por competência e as mulheres por cota. Só que as mulheres que chegaram, mesmo por cotas, tiveram que provar três vezes mais sua competência. Isso não é para desmerecer os homens, mas simplesmente porque a jornada é mais árida para as mulheres. Na minha trajetória, eu vi homens com resultados bem menos expressivos do que eu sendo considerados para as mesmas vagas. É só olhar os números de mulheres em cargos de alta liderança, existe uma diferença muito grande. Em determinados momentos, só a sua existência num corpo feminino já causa desconforto. É incrível quando você está num lugar como a PepsiCo, em que consegue entrar numa sala e ver que 50% dos presentes são mulheres. Quando estou no time de marketing, que tem 70% de mulheres, nossa presença deixa de incomodar e é normatizada, o que acho muito poderoso.
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G |Quais foram seus maiores aprendizados nesses anos?
DC |O primeiro é que, durante sua trajetória, terão aqueles que vão apoiar seu crescimento e os que vão te puxar para baixo. Escutei pessoas dizendo que eu nunca seria CMO (chief marketing officer) de uma empresa, que não tinha talento suficiente. Aprendi a nunca deixar que me colocassem num lugar abaixo do meu máximo potencial. Uma outra coisa é que existem mulheres e homens que te apoiam muito e também aqueles que são machistas. A questão do machismo não é necessariamente de gênero, é de valores. Procuro não generalizar. O terceiro ponto é que é preciso ter mulheres sentadas em cargos decisivos. Quando tenho 50% de mulheres no board da PepsiCo, as discussões são muito diferentes de quando é um board feito por homens. É como conseguimos colocar pautas que são realmente transformacionais nas questões de representatividade e equidade. É importante ter mulheres na empresa, mas quantas realmente podem tomar decisões que impactam o negócio?
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G |Quais têm sido os maiores desafios para o seu trabalho?
DC |O principal desafio é gerenciar esses vários papéis, a coisa da mãe, da profissional, da dona de casa. Sei que parece meio clichê, mas a realidade é que no dia a dia é um desafio enorme coordenar tudo isso. Não é o caso da PepsiCo, mas no mundo de negócios em geral, quando um homem se apresenta numa reunião como CMO ou CEO, ninguém fala nada. Quando eu me apresento como CMO, há uma surpresa. Existe um viés da sociedade e do ambiente corporativo de se surpreender com uma mulher num cargo de liderança. O desafio é saber lidar com esse viés que está impresso o tempo inteiro em todo mundo e não deixar que isso te coloque para baixo. A pandemia trouxe algumas coisas interessantes, como o quanto podemos trabalhar remotamente e equilibrar melhor o tempo com a família. Se é que a pandemia tem um lado bom, é mostrar que a gente consegue criar recursos em condições antes consideradas impossíveis. A minha família ganha muito, eu ganho muito, mas ainda é um desafio continuar provando que mulheres em cargos de liderança têm impacto positivo.
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G |A paixão e a motivação andam juntas?
DC |Sim. Quando a gente faz algo que ama, a probabilidade do impacto positivo é gigante. Tem uma frase que diz: faça algo que você ama e nem vai perceber que está trabalhando. Trabalhe numa empresa onde seus valores tenham uma sinergia com os da companhia. A PepsiCo acredita que temos que gerar um impacto positivo com nossas marcas. O fato de podermos fazer o Doritos Rainbow e um trabalho com mulheres em vulnerabilidade me preenche muito. Estou gerando crescimento, mas tenho um propósito por trás das marcas que impacta positivamente a sociedade. Algumas empresas não olham para isso. Estamos em uma que olha e tem muitas ações de representatividade e inclusão.
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G |Você vive para trabalhar?
DC |Eu trabalho para viver, eu vivo para viver. É muito legal quando conseguimos trazer nossos filhos para dentro da experiência de trabalho. Eles estão ali comigo, se divertindo e entendendo o impacto que eu gero. No Rock in Rio, quando levamos a Doritos Rainbow e patrocinamos a área de acessibilidade, minha filha viu o impacto daquilo, dos cadeirantes tendo acesso, de tudo que estávamos proporcionando. Não acredito em um modelo que divida o profissional do pessoal porque existe uma intersecção muito grande entre trabalho e vida. O trabalho não pode ser minha única razão de viver, mas ajuda a construir os valores que quero ter junto com meus filhos, com a minha família. Gosto muito dessa relação próxima, e meus filhos entendem que meu trabalho não me afasta deles, e sim que participam junto comigo. É uma mudança em relação a como era o trabalho dos nossos pais e avós. Hoje em dia, com o home office, isso é ainda mais simbiótico.
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G |Na sua trajetória você cometeu alguma falha que não cometeria hoje?
DC |A gente erra e acerta tanto. Muita coisa que passei na carreira hoje teria feito diferente. Existem estudos que mostram que, quando uma mulher tem 70% do que é requerido para uma função, normalmente não aplica porque acredita que não tem o suficiente. Já o homem aplica mesmo com 50%. Eu já tive momentos assim quando era mais jovem, em que achei que não estava preparada. O perfeccionismo da mulher muitas vezes a boicota. Outra questão é saber dizer que quero sentar nessa cadeira, ter um plano de desenvolvimento para chegar em tal lugar. Eu já perdi a oportunidade de sentar em algumas cadeiras porque não falei, achava que alguém ia adivinhar que queria chegar ali. Vejo pessoas que me pedem ajuda e estão super acomodadas. Pergunto a elas se já falaram para o chefe que querem aquele cargo. Se não, como ele vai descobrir? Você deve ser um agente de transformação da própria carreira.