Jovens e também evangélicos Uma série de quatro textos da jornalista Débora Aleluia. Ela, que é evangélica, ouviu depoimentos de outros jovens para criar os relatos a seguir. Nessa costura de diferentes histórias e experiências, ela mostra um pouco do que é seguir a religião hoje no Brasil
4
O conservadorismo relacionado à questão LGBTQ+ e ao feminismo
Eu já estive em muitas igrejas, essa é uma peregrinação comum para algumas pessoas LGBTQ+. Antes de tantas indicações na internet, a gente seguia buscando às cegas. Íamos primeiro nos espaços mais “diferentões”, esses com propostas novas, jovens e paredes pretas. Ao contrário do que dizem, a gente não vai para lá porque parece uma balada. Vamos esperando que em um lugar diferente da igreja tradicional nós possamos fazer o que nunca nos foi liberado: viver a nossa fé. Mas por onde eu andei, isso não é realidade.
Nas novas igrejas há uma roupagem diferente, em alguns lugares podemos assumir nossa sexualidade, podemos ver os cultos e fazer amigos, mas não podemos ter funções na igreja, não podemos servir, não podemos opinar, não construímos coisas coletivas, não podemos realizar todas as atividades como os homens da nossa igreja. Não saímos do tradicional, só temos a impressão que sim. Para alguns, essa impossibilidade leva a caminhos de fé mais solitários, “desigrejados”, como costumamos dizer; mas eu não sei o que eu vou fazer se eu não puder servir na minha comunidade. Por isso, antes de me assumir, comecei a tentar mudar algumas coisas.
Nas novas igrejas há uma roupagem diferente, em alguns lugares podemos assumir nossa sexualidade, mas não podemos realizar todas as atividades
Foi na internet que eu conheci o primeiro movimento LGBTQ+ cristão e assim, no digital, foi crescendo a minha rede de apoio. A cada texto que eu posto, respiro fundo e às vezes até tremo um pouco antes de abrir qualquer notificação. Nunca é apenas uma questão de falar, mas do direito de continuar a existir. Mas eu nem sempre estou preparada para as reações.
Há coisas que eu nunca disse em um texto nas redes sociais: que sou bissexual, que homossexualidade é pecado. E mesmo assim em todas as reações aos meus textos, é sempre o que querem saber. As pessoas não esperam apenas fé, mas um manual do que é certo e errado. Longe de certezas, para mim o que me guia é um questionamento: até quando? Até quando vão esperar de mim as respostas em vez de saírem da bolha e irem viver? Até quando vão nos olhar com repulsa, exclusão e nojo? Até quando não vão nos acolher? Até quando vão esperar que eu mude para então ser livre para exercer a minha fé?
Até quando os LGBTQs estarão fora desse projeto de nova representação cristã? Quero apenas ter o direito de seguir no mesmo caminho de Cristo, lado a lado com irmãos
No meu último texto, eu já estava consciente do retorno que receberia. É sempre o mesmo discurso: “eu aceito, mas…”. Depois do “mas” cabem muitas coisas e a gente acha que já leu todos os absurdos possíveis, mas eu não estava preparada para ver meu texto sendo enviado para a minha mãe, extrapolando a internet, tomando a minha casa, levando-me a ouvir meus pais falarem que preferem me ver num caixão a me ver assumindo a bissexualidade.
A mistura entre religião, moralismo e família, comum a tantos brasileiros, pode até gerar boas experiências a algumas pessoas, pois nada é tão “preto no branco” como queremos interpretar. Mas gera também esse terrível evangelho que não tem nenhuma mensagem além de tantas formas de morte.
Então é assim que a gente se acostuma, a gente acha mesmo que depois de anos na igreja já sabemos os tipos de comentários que virão depois de um post crítico. Mas nem sempre as coisas deixam de doer. Recentemente, uma mulher próxima respondeu a um post dizendo que o patriarcado é uma benção e é criação de Deus. E o que me dói não é o que ela disse, mas no que a fizeram acreditar. Quem diz isso não sabe o que é patriarcado ou não sabe quem é Deus. Nem tudo pode ser lido pela ótica moral da igreja porque é esse tipo de erro que a gente tende a cometer. A bolha de privilégios cristã realmente tende a acreditar e apoiar as mais bobas falácias, pois ela é impenetrável pelo mundo real das pessoas não-brancas, pobres e LGBTQ+.
Para a igreja brasileira conservadora, não é constrangedor de forma alguma dizer que gays não devem estar em um espaço cristão — há até alguns músicos famosos que compartilham essa fala em suas redes sociais. Mas para tantos que já estão cansados de dizer que não compactuam com tudo que essa imagem evangélica trouxe ao nosso país, eu continuo a trazer a dúvida: até quando os LGBTQ+ estarão fora desse projeto de nova representação cristã? Para todos aqueles que seguem em conflito com os questionamentos acerca de sexualidade, gênero e fé, eu não quero ter a prepotência de trazer a solução. Quero apenas ter o direito de seguir no mesmo caminho de Cristo, lado a lado com os irmãos.
As pessoas ouvidas para compor este relato não quiseram ter seus nomes revelados.
Débora Aleluia tem 22 anos, é jornalista pela Universidade Federal de Pernambuco e “evangélica de berço”. Atualmente ela faz parte da Igreja Mangue, no centro do Recife, e se articula com movimentos sociais ligados à igreja evangélica, como a Escola de Fé e Política Martin Luther King Jr.