Queernejo: conheça os artistas que cantam a sofrência LGBT — Gama Revista

Todo mundo vai sofrer

Artistas LGBTQI+ dão novos contornos a um dos gêneros musicais mais estimados do país, o sertanejo

Isabela Yu 30 de Junho de 2020

Nenhum outro estilo é páreo para o sertanejo, a música mais tocada no país. Há 20 anos, o gênero vem conquistando público com seus diversos subgêneros – universitário, feminejo, breganejo, funkejo, pagonejo. Em levantamento do Ecad, órgão responsável pela distribuição de direitos autorais, feito entre 2016 e 2018, o ritmo tem 37% das mais tocadas no streaming – esse número aumenta para 53% nas rádios.

A playlist Esquenta Sertanejo, criada em 2014, conta hoje com bilhões de streams no Spotify e mais de 5 milhões de curtidas. Recheada de hits de nomes como Jorge & Mateus, Matheus & Kauan e Wesley Safadão, também está muito bem representada com Marília Mendonça, Maiara & Maraisa e Yasmin Santos. A presença feminina era tímida nos anos 90 (Roberta Miranda, Cascatinha & Inhana), cresceu nos anos 2000 com Paula Fernandes e a dupla Maria Cecília e Rodolfo e se tornou expressiva na segunda metade dos anos 2010.

As letras românticas cheias de “sofrência”, noites de bebedeira e traição passaram a ser cantadas pela ótica delas. Não demorou muito para o queernejo aparecer com artistas LGBTQI+ cheios de histórias para contar (ouça a playlist Gama de queernejo). O pontapé inicial foi “Amor Rural”, uma composição do cantor Gabeu, lançada em 2019: “Vamo assumir o nosso amor rural/Sai desse armário e vem pro meu curral”.

Além de queernejo, o estilo também é chamado de pocnejo — a expressão “poc” é usada para denominar homens gays afeminados –, dragnejo, sapanejo (ou lesbinejo) e travanejo. O primeiro festival de queernejo do país, o Fivela Fest, aconteceria em junho na Audio Club, mas precisou ser reformulado e deve acontecer ainda este ano em formato online. Descubra cinco artistas que estão mudando as narrativas da música caipira:

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    ©Divulgação

    Gabeu

    O cantor propõe o encontro entre o sertanejo raíz e Lady Gaga em canções românticas sobre amar outro homem

    Filho do cantor Solimões, da dupla Rionegro e Solimões, Gabeu cresceu rodeado dos discos de sertanejo raíz da família. Havia um detalhe: jamais se identificou com os versos dessas músicas, geralmente direcionados às mulheres. “Nunca rolou de pensar que a letra era sobre mim ou que eu poderia viver isso”, conta o cantor, que escreve músicas desde a adolescência. Na época, as cantoras pop americanas eram a sua inspiração – Lady Gaga, Britney Spears e Beyoncé. Entretanto, os versos em inglês e o som eletrônico nunca pareciam fechar a conta.

    Natural da cidade de Franca, Gabeu decidiu estudar produção musical em São Paulo para entender como a música funciona, da produção criativa até as questões burocráticas. Entre as descobertas na capital, passou a ter mais contato com música brasileira, revolucionando a sua paleta musical. O retorno às origens gerou o insight: “Não tem LGBT no sertanejo, e se eu fizesse?”

    O palpite foi certeiro, visto que a população LGBTQI+ também consome o gênero porém não se via representada nas narrativas. Não demorou muito para “Amor Rural”, début de Gabeu, cair nas graças do público ávido por identificação, foram eles que criaram o pocnejo, termo abraçado com todas as forças pelo artista. Logo veio o segundo single, “Sugar Daddy”, uma mistura de brega com sertanejo, que fala sobre não precisar ser bancado por ninguém. “Eu não quero salário em troca do meu beijo/ Pode ser Milionário ou até José Rico/ Eu não vou cair na lábia de um herdeiro”.

    Ambas as faixas falam sobre amar outro homem com altas doses cômicas, mas o jeito leve e irreverente de Gabeu cantar sobre suas vivências não tira o peso dessa decisão. “Tem uma coisa na lírica delas de escutar e dar risada ao mesmo tempo, é uma coisa séria, importante e forte para muita gente”, diz sobre as músicas. No momento, está compondo o primeiro disco, que será uma mistura de sertanejo raíz com elementos pop. “Quero que LGBTs se interessem porque precisamos ocupar e mostrar que a gente faz parte disso”.

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    Gali Galó

    Todos os caminhos levaram a cantora e compositora Camila Garófalo a se encontrar no sapanejo

    Antes de assumir a identidade de Gali Galó e se dedicar à viola caipira, Camila Garófalo era vista com cabelos longos, figurino apertado e performando um show de rock. Aos poucos, passou a questionar a aparência, assim como a necessidade de performar feminilidade. Logo, também não se reconhecia no estilo musical, na presença de palco e no jeito de cantar.

    Demorou alguns anos para entender que desejava soar o mais natural possível. “Passei a aceitar o humor que existia no meu personagem, mesmo que, ainda assim, era impossível me desvincular do meu lado dramático”, lembra sobre a transição. O movimento foi tão profundo que depois de passar 13 anos em São Paulo, decidiu deixar a cidade para morar “no meio do mato”, na cidade de Nova Lima, em Minas Gerais.

    O primeiro lançamento da nova fase foi “Fluxo (Mulher do Futuro)”, uma composição ao lado da cantora paraense Aíla (na foto de cabelos vermelhos). Em 30 de junho sai a segunda música, “Caminhoneira”, para consolidar de vez o sapanejo, o sertanejo voltado ao público lésbico. Nos planos também existe um álbum visual, que vem sendo captado há dois anos com as montanhas e cachoeiras de Minas Gerais como cenário. O trabalho surge a partir de uma pesquisa feita por Gali e a produtora Às de Ouro, onde detectaram a falta de narrativas de mulheres e pessoas LGBTQI+ na estrada. “Queremos exaltar o protagonismo dessa jornada do herói a personagens que fogem do estereótipo de gênero heteronormativo”, conta sobre o projeto.

    A sua própria trajetória conta com momentos de apagamento de identidade. Hoje, se entende como ser não binário, mas a descoberta pela atração por mulheres veio aos 12 anos, quando ainda morava em Ribeirão Preto. Na adolescência, passou a frequentar lugares “GLS”, onde a música pop era a regra. Mesmo sendo acolhida pelo universo homossexual, sentia que algo não estava certo porque em sua grande maioria, estava rodeada de homens gays. Para a artista, o começo dos anos 2000 era uma época extremamente repressora com a mulheres lésbicas “caminhoneiras”.

    Nesse contexto, também se desligou completamente da música caipira porque na época, tal gênero era visto como “brega”(no mau sentido). “Hoje entendemos que o brega é bom e que o sertanejo pode ser divertido”, diz sobre a mudança de percepção sobre o estilo. Ao escutar “Amor Rural”, de Gabeu, sentiu algo forte: “visualizei um novo movimento musical acontecendo”. Foi assim que nasceu a ideia do Fivela Fest, o primeiro evento dedicado aos artistas queer que exploram esse tipo de sonoridade. “Depois que conheci o Gabeu e me aproximei do pocnejo, entendi que o queernejo ainda não existe, ele está acontecendo agora”, explica sobre o momento atual.

    A falta de corpos queer nesse cenário musical tem a ver com seu ambiente machista e misógino, além de extremamente branco. “Costumo dizer que as pessoas LGBTQI+ foram expulsas do sertanejo”, diz sobre o distanciamento da música que escutava na infância. O movimento agora é de retomada desse espaço, que foi excludente por tanto tempo, por meio da desconstrução de preconceitos e acolhimento de outras narrativas.

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    Reddy Allor

    Como a bagagem do interior, a arte drag e a música caipira tornaram possível o desabrochar de um artista

    Antes de se assumir como um homem gay e assimilar a persona drag Reddy Allor, o artista fazia parte de uma dupla ao lado do irmão Gabriel, a Guilherme e Gabriel. Nascido em Olímpia, interior de São Paulo, a musicalidade vem de berço, já que aos cinco anos já cantava em eventos da família. Rodeado de influências e incentivos, os parentes vislumbravam uma carreira musical para ele.

    Aos 12 anos, o hobby passou a fazer parte da rotina pois começou a trabalhar: apresentações como dupla sertaneja em eventos no interior. Ao mesmo tempo em que gostava de performar, sentia uma pressão terrível. “Cresci com traumas enormes com o medo de parecer gay, de falar fino, entre vários outros”, explica Reddy.

    Além da música, seus interesses nunca eram os mesmos dos meninos da cidade, também gostava de artesanato, pintura e artes visuais. Logo que se percebeu como um homem que amava outros homens, veio também o medo de perder a carreira, pois já era conhecido na cidade. O silêncio começou a fazer o artista perder o gosto pela coisa e a aflição de ser a imagem construída também o consumia todos os dias.

    “O que eu mais ouvia era que os artistas tratam suas carreiras como trabalho, e em todo trabalho tem regras”, lembra sem saudade sobre a época. Os traços machistas e homofóbicos do sertanejo também pioravam esse descontentamento. Em paralelo, acompanhava a carreira de artistas queer como Pabllo Vittar no mainstream, e almejava um futuro mais honesto com a sua verdade.

    Depois de se assumir gay, veio uma nova investigação: a arte drag chegou para unir os mundos do artista, a parte criativa e a herança musical. A primeira montação da drag Reddy Allor foi em uma festa. Em 2018, ela já nasce pronta para o palco. “Quebrar barreiras que até então não eram tocadas, como a presença de uma drag no sertanejo”, explica sobre o nascimento de sua nova identidade.

    O sucesso de artistas como a própria Vittar também não seria possível sem o movimento de apoio que vem sendo construído desde RuPaul até o constante ativismo online. Se o clima de liberdade parece próspero, ele sofre para ser aceito dentro da comunidade LGBTQI+, que ainda não está disposta a esquecer as mágoas trazidas pela infância no armário, vividas em sua maioria nas cidades do interior.

    “A música tem o poder de despertar sentimentos fortes e marcar a nossa vida, de jeitos positivos ou negativos. Essa resistência vem sendo quebrada com o feminejo e agora, principalmente, com o queernejo”, explica sobre o público, que em parte ainda não está pronto para abrir mão de bater cabelo ao som das batidas da música pop. O primeiro single como Reddy Allor – e début do dragnejo –, “Tira o Olho”, lançado em 2019, atraiu a atenção do maior nome do feminejo: Marília Mendonça, que compartilhou o clipe em suas redes sociais. O mergulho na estética e na sonoridade caipira será ainda mais profundo nos próximos lançamentos, está escrevendo faixas para um álbum completo.

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    Zerzil

    A rotina do artista é dividida entre atender pacientes no hospital, onde trabalha como médico clínico, compor músicas e estudar cinema

    Encantado pelo sucesso da música “Old Town Road”, do rapper gay americano Lil Nas X, e também pela sonoridade country com rap da faixa, o cantor e compositor Zerzil resolveu fazer uma nova leitura como homenagem. A versão original ficou 19 semanas no topo das lista da Billboard, abocanhou diversos prêmios Grammy, desde Melhor Clipe a Melhor Música Pop, na categoria grupo. Já a versão nacional, “Garanhão do Vale”, foi lançada em 2020 e conta com hoje com mais de 60 mil visualizações no Youtube. A canção de “bregafunkneja”criada por Zerzil, ao lado do produtor Rodrigo Zalc, fala sobre assumir um romance e consumir desejos. “Você vai de Ferrari/ Eu vou no meu cavalo/ Eu já tô no vale/ Você nem saiu do armário”. A vontade dele é misturar ainda mais os ritmos, sertanejo com pagode, forró e muito funk.

    “Fiquei comovido como um rapper negro e gay dos Estados Unidos conseguiu lançar o hit número um no mundo”, diz sobre a decisão de regravar a faixa, que já tinha ganhado leitura funk, com “Sentou e Gostou”, do MC Jotapê. Assim como o country, a cena do rap é conhecida por ser bem masculina, muitas vezes homofóbicas. Em geral, a comunidade se vê reconhecida no pop e na música eletrônica. “Não é fácil ocupar um espaço onde você não se sente bem vindo. Desde que o sertanejo feminino ganhou força, já existe um crescimento no público LGBTQI+. Quando uma ‘minoria’ ganha visibilidade, outras ganham força para avançar”, reflete Zerzil.

    As cantoras e compositoras brasileiras criam narrativas que passam longe dos velhos conhecidos da cena: o machismo, homofobia e heteronormatividade. Canções de Marília e Naiara Azevedo começaram a ser assimiladas pelo público queer, afinal, sofrer por amor é uma língua universal. Foi exatamente uma dor de cotovelo que fez Zerzil se reencontrar com o gênero musical, depois de apostar na sonoridade pop eletrônica. Antes de lançar “Garanhão do Vale”, tem alguns singles lançados desde 2016, incluindo um disco cheio, o “Zz”, de 2017.

    No início de 2019, se mudou do Rio de Janeiro para São Paulo por causa de um amor. A história teve um final digno de uma “sofrência”: o rapaz terminou tudo via WhatsApp e Zerzil ficou com o coração despedaçado. Foi beber com os amigos para chorar as dores do amor perdido, quando reparou que apenas um estilo musical entendia o seu mal estar: o sertanejo. O pé na bunda gerou a faísca inicial para se dedicar de vez ao estilo. Assimilou a atitude e a lírica de duplas como Maiara e Maraisa e Simone e Simaria para começar a trabalhar a sua nova persona artística.

    Nascido em Montes Claros, no sertão do norte de Minas Gerais, passou a infância escutando a coleção de discos de vinil da avó. Entre os discos, clássicos dos anos 90, como Xitãozinho e Xororó, João Paulo e Daniel, Zezé di Carmago e Luciano, Leadro e Leonardo. Os ícones da música regional e do forró também eram frequentes na vitrola e nas rodas de viola da família – Renato Teixeira, Pena Branca e Xavantinho, Almir Sater e Luiz Gonzaga. Na vida adulta, gostava do trabalho de Luan Santana, Lucas Lucco e Gusttavo Lima, mas já havia se distanciado do ritmo.

    As baladas sertanejas não eram um ambiente convidativo e seguro para um jovem queer do interior. “A gente não frequentava os locais que tocavam essas músicas por medo, tinha que ficar dentro do armário ou poderia sofrer algum tipo de agressão”, conta sobre a época. A violência poderia chegar a ser física, mas o olhar homofóbico era constante. O jeito era tocar as músicas no violão em casa. Se o receio pairava no mundo físico, a internet se tornava um lugar de acolhimento, onde Zerzil conseguiu finalmente encontrar a sua turma.

    No momento, o cantor está se dedicando ao cinema, está estudando as técnicas dos filmes para criar os próprios videoclipes. Durante três dias da semana, é possível encontrá-lo atendendo os paciente da covid, pois trabalha como médico clínico em um hospital na zona oeste da capital paulista. Os outros quatro dias são focados na área musical – composição, gravação e as lives. Todas as sextas ele comanda o quadro Sextaneja, só com música sertaneja autoral, outra forma de explorar o estilo musical que nunca o abandonou.

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    Alice Marcone

    Seja no audiovisual ou na música, a vocação da artista trans é contar histórias

    A roteirista, atriz e cantora Alice Marcone lançou o primeiro single, “Noite Quente”, em março desse ano e recebeu diversos feedbacks interessantes. Um dos mais icônicos, como explica, veio de um comentário da família. Tias distantes elogiaram o clipe mas ficaram com uma dúvida: “o que é LGBT?”. Esse também é o público que a artista deseja chegar, afinal, qualquer pessoa que consome sertanejo pode se relacionar com a mensagem romântica.

    A cantora nasceu em Valinhos, onde viveu até os 8 anos, depois foi com a família para um sítio em Serra Negra, onde permaneceu até os 18 anos. Mudou para a capital paulista para estudar psicologia na Usp, em 2013, mas acabou se apaixonando pelas optativas do curso de cinema. Hoje acumula créditos como roteiristas em séries para HBO, Amazon Prime e Canal Brasil. Dois anos depois de chegar na cidade, se entendeu como mulher trans. “A gente tem que inventar, sou uma travesti do sertanejo”, diz Alice.

    A vida no interior impossibilitava a sua existência, carente de referências, não sabia nem que poderia existir. As referências das travestis eram sempre em situação de vulnerabilidade, então o jeito era ficar no armário. A música e o cinema a acompanharam nesse processo de descoberta pessoal. Aos 12 anos, começou a compor músicas no violão, ao mesmo tempo em que se dedicava à escrita de fanfics no Orkut. As melodias das canções da adolescência estarão presentes e reformuladas no primeiro EP, que será lançado em breve.

    “A musicalidade sempre fez parte da minha vida, LGBTzinha aprendendo a tocar sertanejo na aula de violão”, lembra sobre a época. A música caipira era presente em sua casa muito antes do feminejo, escutava Paula Fernandes, Roberta Miranda, Tião Carreiro e Pardinho, Pena Branca e Xavantinho, entre outros. Diferente da versão universitária, extremamente branca, o raíz possui uma racionalidade mais plural: “hoje a negritude está excluída do sertanejo, um ritmo que começa com a mistura de ritmos indígenas com europeus, uma música não branca e latina por excelência”.

    O resgate com o estilo proporcionou a estreia do travanejo, a vez das travestis cantarem sobre seus afetos, romances e vivências. Alice é a primeira e ela demorou para achar o tom certo para “Noite Quente”, faixa lapidada ao lado do produtor musical Fabrício Almeida. A canção já tentou ser synth-pop e até mesmo balada romântica, mas ainda parecia estranha nos ouvidos da cantora. A raiz do problema tinha a ver com as referências externas à sua história: influências gringas da internet e não por causa do regionalismo.

    “Essa sensação de desterritorialização foi impedindo a minha apropriação completa como cantora pop”, diz Alice sobre o processo de criação de sua identidade artística. Antes de aceitar o retorno do ritmo da infância, passou pelo pop, rock e indie. Se o sertanejo não é uma opção do interior, a vida na capital é capaz de proporcionar esse distanciamento. “Tinha uma repugnância por conta dessa coisa meio invasora”, lembra.

    As pazes com o estilo aconteceu recentemente e precisou passar pelas lentes do cinema antes. A artista tem uma relação muito forte com a cultura oral e cultiva fascínio pelos personagens que habitam o imaginário do folclore. No vídeo da música recém lançada, o ator recifense Thomas Aquino, conhecido pelo papel do galã Pacote em Bacurau, interpreta um lobisomem. “A masculinidade consumida por uma energia e um vigor sexual super violento, animalesco, selvagem, que nos consome a noite e some de dia”, explica a cantora, que também assina o roteiro do clipe.

    As histórias que ouvia quando criança se mantém vivas em sua imaginação, seja para compor música ou para escrever roteiro de série. O resgate das raízes do interior fazem de seu trabalho, a maneira que encontrou de contar a sua experiência como um corpo queer no interior. Os projetos de Alice possuem uma forte carga narrativa, onde universos imagéticos são misturados. “Minha entrada no cinema foi muito importante para meu processo musical. Meu grande talento, minha função na vida é contar histórias”, conta sobre o inegável talento.

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    ©Lana Pinho

    Romero Ferro

    O artista criou a própria sonoridade costurando batidas dos anos 80 com o brega funk pernambucano

    Antes de mais nada, o cantor Romero Ferro não é dissidente do queernejo. O artista tem dois discos lançados, Arsênico (2016) e FERRO (2019), onde se aprofunda na estética “Tropical Wave”. No entanto, o último trabalho conta com uma regravação da música “Você vai ver”, hit dos anos 90 da dupla Zezé di Camargo e Luciano.

    Hoje lamenta a posição política de Zezé, mas o apelo afetivo pelo bolero continua forte. “Escutava essa música com meus pais, lembro que a gente tinha o LP em casa: eu ficava olhando para a foto dele sem camisa e cantando a canção”, conta Romero, que além de cantor e compositor, é ativista LGBTQI+.

    Na versão ao vivo da canção, disponível nas plataformas de streaming, divide os vocais com Gabeu. Acompanha o trabalho do amigo e se vê representado no pocnejo, algo que antes não era possível, graças ao tradicional machismo do sertanejo. “Acredito que nós LGBTQI+ nos sentimos muito ofendidos com atitudes como essas e isso faz com que exista uma não identificação com o gênero”, explica, ao mesmo tempo que ressalta que não possui uma relação extensa com o estilo.

    Como muitos jovens dos anos 90, cresceu escutando as duplas caipiras por tabela, graças aos pais. “Lembro de um dia que meu pai estava escutando Chitãozinho e Xororó, virou para mim e disse: você precisa ouvir a versão criança deles!”, conta com carinho da primeira vez que foi presenteado com o LP do Sandy e Junior. Na casa de Romero também tocava os tradicionais Alceu Valença, Elba Ramalho, Alcione, Elymar Santos, entre muitos outros.

    A sua relação com a música era tão intensa e pulsante que passou de hobby para se tornar carreira. Conforme os anos foram passando, sua paleta musical também se expandiu. Diz que escuta de tudo, mas varia dependendo do humor. Entende que o cenário é mais acolhedor aos artistas queer do que era há dez anos, mas ainda tem muito a ser feito.

    “Acredito na quebra de padrões, no fortalecimento da ideia de que o normal é ser diferente. A graça existe em explorar as nossas individualidades, as nossas potências, para que a gente represente cada vez mais”, diz Romero, conhecido pelo estilo irreverente. Antes do carnaval, lançou o single “Love Por Você” ao lado do pai do axé, Luiz Caldas. O cantor também tinha uma turnê marcada na Europa, que precisou ser remarcada para o futuro. Um clipe novo também está para sair do forno, assim como novos singles, todos com a sonoridade bem misturada, do jeito que o artista gosta.

Escute a playlist Gama do queernejo

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