Colo, por favor!
Lançado em meio à pandemia, novo livro de Fabrício Carpinejar reúne reflexões sobre o isolamento e serve de alento à solidão coletiva
POR QUE LER?
Bastaria dizer que Fabrício Carpinejar é um dos escritores brasileiros contemporâneos mais reconhecidos no país para despertar o interesse no novo “Colo, por favor!”, uma das primeiras obras publicadas sobre a pandemia do coronavírus. Seus cerca de 40 livros lhe renderam uma coleção de mais de 20 prêmios literários, entre eles o Jabuti. Para muita gente, no entanto, as condecorações importam menos do que seu tom: foi com a capacidade de traduzir sentimentos universais em palavras singelas que o autor ganhou vários dos fãs de seus poemas, crônicas e versos em guardanapos que publica no Instagram.
Lançado na sexta-feira (29) em sua versão física (e pouco antes em e-book), o livro não decepciona seus leitores nesse sentido. É uma coletânea de 40 textos-reflexões sobre o dia a dia pandêmico e os sentimentos paradoxais que essa nova realidade aflora: companhias, solidões, medos, gentilezas, esperanças, desesperanças, está tudo ali. Se o título da publicação pede um colo, o miolo das páginas oferece um a quem lê. “Andei de um lado para o outro das palavras, à procura de um sentido para a sobrevivência do lirismo e da gentileza em meio ao caos e ao medo”, escreve Carpinejar na apresentação. Bem, parece que ele conseguiu, e o resultado é um alento para quem segue a mesma busca.
3. Se ainda chora, não chegou ao fundo do poço. O fundo mesmo é começar a rir do próprio desespero
“É no fundo do poço que encontramos a nossa humildade, as pedras mais bonitas, as palavras mais corajosas.
Estar no fundo do poço tem uma vantagem: a de não poder perder mais nada. Não temos mais nada capaz de escorrer pelas nossas mãos. É a nossa nudez essencial, tudo o que nos rodeia nos pertence, não será mais arrancado de nós, roubado, desfalcado.
As ruínas são os alicerces de nossa personalidade. Delas, construiremos a nossa saída mais perene e indestrutível.
Veremos quem realmente foi o nosso amigo, quem permaneceu ao nosso lado no desconsolo, descobriremos quem é leal e merece os nossos cuidados.
As pessoas falsas não descem junto conosco, as futilidades e as extravagâncias ficam na beira da roldana, você reavê aquilo que é de verdade, sem os contextos favoráveis.
A queda pode ter acontecido por um amor fracassado, um negócio de risco, uma demissão injusta, a morte de um ente querido.
Representa o luto de uma época da vida, o fim de uma fase, uma solitária batalha perdida, é e sempre será um estado provisório.
O escuro durará brevemente. Servirá para buscar o brilho das estrelas e do sol pelas frestas. Entenderá o valor da simplicidade, daquilo que recebia naturalmente, porém não tinha condições de perceber e desfrutar.
Quem está muito alto, só pode cair. Quem está no raso, só pode subir.
No fundo do poço, tem uma mola que o eleva de volta para as alegrias mais sinceras. Ele lhe devolve a autenticidade desperdiçada pela vaidade.
Quando atingir o interior, não vai mais chorar, soltará a gargalhada mais estrondosa. O desespero passará a ser até engraçado, não machucará mais, transformando-se numa piada cada vez mais distante e impessoal. Terá um mapa do lugar e usará a experiência para ensinar os outros a saírem.
A partir desse instante de riso estranho e súbito, será o próximo balde de esperança.”
4. As ruas estão vazias, que o coração permaneça cheio
“Temos que defender os ouvidos, não somente escutar os urubus e os corvos. Há outros pássaros cantando lá fora e dentro de nossa memória.
Precisamos revezar a audição com o curió, o canário, o sabiá, o pardal, o rouxinol pelas janelas de nossa alma. Todo amigo é uma ave cantando diferente.
Que usemos o tempo sozinhos para melhorarmos as nossas relações, corrigirmos as omissões e os lapsos pelo excesso de trabalho, dedicarmo-nos com mais afinco à educação de nossas crianças.
Não estamos isolados, mas protegidos.
A proteção é ninho aquecido de afeto, uma chance de reabastecimento emocional de nossas aspirações.
Cuidar dos ouvidos é evitar o bombardeio pessimista da atualidade. Não ser alienado, mas alternar os fatos tristes com ações edificantes no nosso cotidiano.
Não permanecer exclusivamente no celular assistindo e partilhando vídeos apocalípticos, soma de infectados e mortos.
Que retiremos o pânico da pandemia. Não há como ser feliz sob susto constante.
O jeito de apequenar o medo é procurar interagir com as melodias caras de nossa vida: a voz dos pais, dos filhos, da esposa, dos amigos. Fazer perguntas de como eles nos enxergam, se estamos sendo presentes ou não. É importante o ponto de vista externo para construir a nossa imagem.
Gargalhe com bobagens, faça mais piadas e memes com aqueles que estão próximos.
Regue as plantas e reorganize as roupas no armário, para voltar a vestir as peças que andam esquecidas pela pressa.
Cozinhe receitas da vó, para recuperar sabores perdidos.
Como não há como ir para o salão, por que não brincar de manicure e cabeleireiro com o pessoal de casa?
Não se sentir culpado por se divertir. Especialmente isso. Não sofrer de modo desnecessário é respeitar quem está realmente sofrendo.
Não se prender ao “se”, abolir o “se” do vocabulário, não penar por antecipação.
Palavras amáveis são fáceis e nos abrigam para sempre. O canto dos pássaros é o nosso despertador interior.”
- Colo, por favor! Reflexões em tempos de isolamento
- Fabrício Carpinejar
- Planeta
- 176 páginas
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