CV: Carina Mendonça Pimenta
No comando da Secretaria Nacional de Bioeconomia, subdivisão do Ministério do Meio Ambiente, a administradora fala sobre suas principais agendas e seus aprendizados do trabalho no governo em tempos de emergência climática
À frente da Secretaria Nacional de Bioeconomia, subdivisão do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Carina Mendonça Pimenta, 44, lidera a missão de estimular atividades e a criação de produtos, processos e serviços que gerem retornos econômicos, além de renda, a partir da sustentabilidade e do equilíbrio climático, com base em valores de justiça, ética e inclusão.
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Formada em administração de empresas pela FGV (Fundação Getulio Vargas) em 2001, ela sempre quis trabalhar com bioeconomia, embora na época a área ainda não tivesse o nome que tem hoje. Realizou consultorias empresariais por alguns anos até que um mestrado em desenvolvimento social na Universidade de Sussex, na Inglaterra, mudou completamente o caminho pelo qual seguia.
De volta ao Brasil, passou por uma organização de inovação e empreendedorismo, gerenciou o Fundo Vale e, em 2018, em parceria com colegas, lançou a Conexsus, instituição criada com o objetivo de ativar o ecossistema de negócios de impacto socioambiental. Em 2023, a convite da ministra Marina Silva, assumiu a secretaria.
Versatilidade, inventividade, capacidade de dialogar, saber construir um trabalho em rede, não ter medo das inovações e escutar com atenção são algumas das habilidades que, de acordo com a secretária, são fundamentais para atuar no dia a dia com os temas que permeiam o órgão — que trabalha com diversos setores, da agricultura às indústrias químicas.
A bioeconomia convida e engaja, o que requer muita flexibilidade nas estratégias, criatividade, além de diálogo aberto e franco
Em entrevista a Gama, Carina Mendonça Pimenta relembra o seu passo a passo profissional, conta o que a move, quais desafios enfrenta e comenta sobre os aprendizados do trabalho no governo em tempos de emergência climática.
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G |O que a trouxe até aqui?
Carina Mendonça Pimenta |Fiz administração de empresas e, concomitantemente, cursei economia, mas não concluí o curso. Sempre quis trabalhar com desenvolvimento sustentável, que é como a gente chamava a área no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000. A questão ambiental ainda estava entrando na economia. Comecei a trabalhar com consultoria de empresas e, cinco anos mais tarde, fiz um mestrado que mudou a trajetória da minha carreira e minha perspectiva de como trabalhar. Estudei desenvolvimento social na Universidade de Sussex [Inglaterra], que tem um centro de estudos para países em desenvolvimento, com uma forte abordagem em participação e governança. De volta ao Brasil, atuei na Ashoka, organização de inovação e empreendedorismo e, lá, mergulhei em temas diversos relacionados ao desenvolvimento e fui me interessando pela área ambiental. Depois, trabalhei alguns anos gerenciando o Fundo Vale, que, na época, era dissociado da atuação da Vale e focava a contribuição para a implementação dos planos de controle do desmatamento na Amazônia. Isso foi em 2012, quando tivemos a baixa histórica de desmatamento. Foi uma sequência de ações e eu, como financiadora, me debrucei muito nas atividades econômicas que mantinham a floresta em pé. Os aprendizados desse processo me levaram a criar, junto com outras pessoas, a Conexsus, uma organização que nasceu da reflexão de como promover os negócios da floresta e da necessidade de pensar o desenvolvimento econômico associado às práticas socioambientais. O instituto foi lançado em 2018 e estive lá até receber o convite da ministra Marina Silva [no início de 2023] para montar a Secretaria Nacional de Bioeconomia dentro do novo governo Lula, onde estou desde então.
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G |E especificamente a bioeconomia, o que a moveu a trilhar esse caminho?
CMP |Sempre me movi pela agenda de afirmação de direitos sociais e ambientais pelo lado econômico. Ou seja, como fazer isso a partir de empreendimentos com propósito e inclusivos? O mestrado me ajudou muito a enxergar isso, mas foi na Conexsus que trabalhei e desenvolvi mais as ideias. Quando você cria uma organização, cria novas estratégias. E nós apostamos em coisas que são inovadoras ainda hoje. Na época, cunhamos o termo negócios comunitários. Quase ninguém usava esse termo para chamar as associações, as cooperativas e as organizações econômicas. A nomenclatura usada era empreendimento, e a gente mudou para tratar mais de negócios, para deixar a economia em evidência. No começo, gerou um certo desconforto, mas aos poucos foi se construindo uma agenda em cima disso. Essas coisas são positivas para o campo da inovação e para as áreas ambiental e social.
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G |Quais são os principais desafios em trabalhar com bioeconomia? Como lidar com eles?
CMP |A bioeconomia é uma área em construção e, por isso, é importante não ter medo de inovar, de testar coisas. Isso pode ser feito pelo campo da criação ou a partir de aprendizados com outros setores e outras agendas. Às vezes, não é exatamente o mesmo caminho usado, mas é interessante ir reunindo experiências. Eu digo isso porque a bioeconomia é uma agenda de adesão dos setores. Ela não integra nenhum setor específico, mas permeia vários, como o de alimentos, o da agricultura, o florestal, as indústrias químicas, as de materiais. Então, a bioeconomia convida e engaja, o que requer muita flexibilidade nas estratégias, criatividade, além de diálogo aberto e franco.
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G |Você tem uma missão com a bioeconomia?
CMP |A minha grande missão é organizar um conjunto de políticas públicas para fomentar a bioeconomia de forma equilibrada para que uma parte dessa agenda — que, para mim, é muito cara —, a economia da sociodiversidade, que lida com os nossos ativos ambientais, seja uma parte estruturante dessa estratégia. Ela sempre vai ser uma economia de menor porte, perto das outras grandes, mas será de grande valor para a redução das desigualdades e para a inclusão econômica. Essas são coisas que me movem para construir essa política de forma equilibrada e que permita os diferentes segmentos serem protagonistas da sua própria agenda.
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G |Ao longo da sua trajetória, você lembra de algum erro ou acha que falhou em algum momento? O que faria de diferente hoje?
CMP |Temos aprendizados no meio do caminho. Vou citar algo que não sei se é um erro, mas às vezes temos uma visão, uma vontade de fazer, porém, nem sempre conseguimos materializar dentro das ações. Tem um movimento dentro desses processos, às vezes mais para dentro, às vezes mais para fora, e eles vêm com ônus e bônus. Acho que o aprendizado com alguns erros está nessa linha de conseguir manter processos de criação e cocriação sempre em conjunto, é saber construir um trabalho em rede. A gente erra menos quando faz isso. Às vezes andamos um pouco mais lentamente, mas erramos menos.
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G |Quais foram os maiores aprendizados com a sua carreira, além dos que você já citou?
CMP |Um aprendizado muito pessoal é não ter medo de pegar uma coisa nova para fazer. É preciso se permitir inovar, se permitir errar, ser humilde com os demais, escutar muito. Na inovação, o aprendizado é a escuta coletiva. É trabalhar a escuta, mas também saber construir bem as estratégias. Olhando toda a minha trajetória, o que aprendi é que a gente precisa trabalhar as agendas de convergência. E estamos em um momento de emergência climática, de agenda de clima, de agenda de biodiversidade, de agenda de economia, em que a economia e o meio ambiente têm de se reinventar com as suas convergências. A possibilidade de construir agendas convergentes entre vários agentes, tanto de governo quanto da área, é o que me motivou a vir para o ministério. Nunca vi um espaço tão aberto para isso como temos agora, então temos que aproveitar muito bem.
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G |Você teve um mentor ou uma mentora?
CMP |São tantas as pessoas que a gente escuta, que fazem pontos de inflexão. Muitas delas estiveram comigo na fundação da Conexsus. Hoje a ministra Marina, para mim, é uma grande referência de inspiração, de determinação e de resiliência. Não consigo nomear todo mundo, mas a gente trabalha com quem a gente gosta.
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G |Você enfrenta o machismo no seu trabalho?
CMP |A questão de gênero é uma questão das desigualdades, então ela é uma questão que está em qualquer espaço de trabalho. Às vezes você enxerga mais, às vezes menos. Há setores ainda muito masculinizados em que há mais dificuldade de dialogar. Tem a questão da voz também: uma coisa dita por um homem ou por uma mulher tem pesos diferentes. Isso eu enxergo, mas acho que a gente também tem que se afirmar e confrontar essas realidades. Me chama muito a atenção, por exemplo, participar de eventos em que só tem uma mulher falando. Eu sou, muitas vezes, a única voz feminina nos espaços. Então, isso acontece. Mas tem coisas interessantes sendo feitas. No Ministério do Meio Ambiente, nós temos seis secretarias, quatro secretárias são mulheres, a ministra é mulher. Então, é equilibrado. Acho que é possível construir um equilíbrio, você vai construindo para dentro também, você busca o equilíbrio dentro da sua equipe. Tem áreas que fazem mais, tem áreas que fazem menos.