Coluna da Isabelle Moreira Lima: Já sentiu o gostinho da ressaca moral? — Gama Revista
COLUNA

Isabelle Moreira Lima

Já sentiu o gostinho da ressaca moral?

Sempre há um momento em que a sensação de liberdade e a alegria por reencontrar amigos me deixa comemorativa demais, agradecida demais, melosa demais

29 de Abril de 2022

Já escrevi aqui que não é bom harmonizar vinho com tristeza. Exageramos na bebida na pandemia e a combinação poderia ser perigosa. Tivemos alta no consumo de álcool e nos quadros graves de ansiedade que levam a beber. Quase dois anos depois desse isolamento crítico, o cenário é bem diferente, de reencontros e muita, mas muita celebração. E é no meio dessa festividade toda que venho, de novo e sem querer ser estraga-prazeres, com um novo alerta: quando há felicidade demais, melhor reduzir a velocidade e também a quantidade da beberagem.

Um integrante do Porta dos Fundos publicou na última semana um texto em que brinca que este abril é o novo dezembro, dada a quantidade de eventos. Eu acho que é ainda pior, um dezembro com feriadões e um fevereiro no meio. Traduzindo, significa festas, viagens, e até um Carnaval. Eu mesma estou sofrendo os efeitos dessa animação toda e sentido um retrogosto muito específico que vai marcar pra sempre esta temporada na minha memória: já sentiu o gostinho da ressaca moral?

Meu colega Leandro Sarmatz, também colunista da Gama, fez uma excelente reflexão sobre a flacidez do músculo da sociabilidade. Em resumo, depois de dois anos, estamos cumprindo uma agenda social animada e reaprendendo a nos portar com uma comunidade maior que a familiar. Tirando pela minha experiência pessoal, algumas vezes são três ou quatro convites por semana. Nessas ocasiões, sempre brinda-se no momento do encontro e segue o baile dos copos.

No dia seguinte, mais que dor de cabeça, sinto aquele pânico: falei abobrinha? Fui inconveniente? Exagerada? Sem noção?

Bebedora experiente e um tanto consciente, sigo me hidratando e voando baixo na maior parte das vezes, sendo parcimoniosa nas taças e sem variar muito as bebidas de cada evento. Mas sempre há um momento em que a combinação da sensação de liberdade – que temo ser ilusória a cada nova edição de jornal – e de alegria por reencontrar amigos queridos próximos (ou nem tanto), me deixa comemorativa demais, agradecida demais, melosa demais. No dia seguinte, mais que dor de cabeça, sinto aquele pânico: falei abobrinha? Fui inconveniente? Exagerada? Sem noção?

Acho que padeço do mesmo mal citado por Sarmatz, certa flacidez social. E como exercitar tal músculo sem ter terríveis cãibras? Às vezes, as consequências do medo e do isolamento prolongados me atingem ainda no evento: “Tanta gente conhecida aqui, se eu engatar em uma conversa com um amigo antes de dar oi pra geral, é feio? E esses ois, vão ser beijinhos em todos? A pandemia não acabou afinal…” Para aliviar essa sensação de inadequação, de tensão misturada com emoção, óbvio, uma tacinha pode ajudar a relaxar. Mas aí a gente se perde em tanto relaxamento e vem a maldita no dia seguinte.

Uma ressaca, se cura com muita hidratação (em casos graves, uso suplemento infantil pós desidratação por diarreia; é batata!), algum analgésico, repouso. Mas e uma ressaca moral? Que que se faz? Choro? Reclusão (quem ainda aguenta?)? Mergulho na psicanálise?

Há que se aproveitar o que o mundo está oferecendo, mas a jaca não precisa ser o menu fixo da casa

Depois de viver dias padecendo desse tipo de angústia existencial e de prever a possibilidade de outras – quantos convites você já recebeu para o mês de maio? – resolvi pegar leve sem deixar a balada jamais. Afinal, há que se aproveitar, mas a jaca não precisa ser o menu fixo da casa. Qual a receita então? Experimentar uma tendência que o mundo das bebidas vem vendendo há alguns meses: o do baixo teor alcoólico.

Marcas de cervejas, das gigantes às artesanais, lançaram rótulos sem álcool nos últimos anos. Mocktails, que são os drinques divertidíssimos sem álcool já não são novidade, mas as combinações infinitas podem sempre trazer algo novo. E até o mundo do vinho se rendeu à desalcoolização.

Este último caso me parece o mais curioso, uma vez que o teor alcoólico é um item decisivo para o equilíbrio e a qualidade da bebida. Mas se você, como eu, pensou que o vinho sem álcool é doce como um suco de uva, pode se surpreender. Nesta nova categoria, as uvas são fermentadas como em um vinho normal, e o açúcar da fruta, em contato com as leveduras, se transforma em álcool. Só quando a fermentação está completa é que o álcool é retirado da bebida.

Gigantes como a espanhola Freixenet já tem até seu cava zero (leia abaixo), vendido no Brasil, e cada vez mais vinícolas se aventuram nessa nova onda. Por trás dela, mais que a minha ressaca moral (e de tantos outros neste momento – será que existe a expressão “gosto do tempo?”), está a preferência dos consumidores mais jovens pela abstenção. Graças a eles, acredita-se que essa fatia do mercado de bebidas ainda minúscula deve crescer muito (um estudo da consultoria global de bebidas IWSR afirma que itens sem álcool ou com baixo teor alcoólico aumentarão 31% em volume até 2024).

Eu, em momento dúbio em que gosto (e, como especialista, preciso) de acumular litragem mas lido com seus efeitos do dia seguinte, tento não julgar nada nem ninguém; apenas observar e aprender (meu novo mantra). Hoje, aliás, ouvi o excelente podcast Panela de Impressão, em que a apresentadora Elaine Azevedo fala dos preconceitos de carnívoros e veganos com a dieta alheia, o que me pareceu pouco inteligente da parte dos grupos. Desisti de ser essa pessoa tão fechada em minhas próprias crenças, ao mesmo tempo que não consigo deixar de pensar: não seria melhor procurar vinhos de regiões frias, onde as uvas não têm tanto açúcar, logo pouco álcool, logo menos vexame? E, claro, impossível não pensar também: que bebida mesmo eu vou levar na festinha de sábado?

Saca essa rolha

BAIXO TEOR NA SIDRA
O maravilhoso mundo dos fermentados naturebas oferece bem menos teor alcoólico. Provei e curti a Sidra da Companhia dos Fermentados, que só tem 8% e pode fazer bonito na mesa do almoço do fim de semana. A da Vivente tem 10% e é coisa finíssima, dá pra impressionar geral.

ARRASE NOS MOCKTAILS
Coquetel sem álcool pode ser uma das melhores saídas para equilibrar a ressaca, seja física ou moral. E nada impede que você faça uso de ingredientes utilizados na coquetelaria convencional, como frutas, chás, xaropes e outros preparados. Veja essa lista de receitas publicadas pela Gama.

PARA ZERAR O BAFÔMETRO
Uma das categorias que melhor contemplaram o zero álcool no vinho foi a de espumantes. Provei dois, ambos pertencentes ao mesmo grupo. O Cava Freixenet é o melhor, embora traga um aroma de borracha queimada pouco agradável, bem geladinho ele pode ser uma opção para o brinde. O Henkell lembra guaraná no aroma, mas tem preço bem mais amigo.

Isabelle Moreira Lima é jornalista e editora executiva da Gama. Acompanha o mundo do vinho desde 2015, quando passou a treinar o olfato na tentativa de tornar-se um cão farejador

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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