Como começar a ouvir música francesa
Saiba como ir além do clichê e descobrir as sonoridades ecléticas que fazem da França um dos cenários de produção musical contemporânea mais importantes do mundo hoje
Música brasileira não é “tudo a mesma coisa”. Tem o samba e a bossa nova, famosos mundialmente. Mas dá para ser apaixonado por pagode, pancadão, sertanejo, axé ou pop raiz sem nunca ter ouvido um disco do João Gilberto. O mesmo vale para a música francesa. Tem a chanson, um gênero abrangente com estilo de cantar quase declamado e foco na construção das letras, com representantes como Edith Piaf, Serge Gainsbourg e mesmo Carla Bruni, sem esquecer Henri Salvador (uma das influências da bossa nova).
Mas a música francesa vai muito além de um estilo único e reúne uma produção de rap e música eletrônica, sonoridades experimentais e multiculturais, que a coloca entre as cenas mais importantes da música contemporânea mundial atualmente. “Hoje há uma mistura afro-francesa, árabe-francesa, vinda dos países que já foram colônia da França, mas não só deles. Esse novo gênero é tão rico quanto o antigo. São artistas como a franco-maliana Aya Nakamura, ou a Yseult, cujos pais nasceram em Camarões”, diz Loïc Koutana, cantor, bailarino francês e fenômeno do Tik Tok (com mais de um milhão de seguidores), conhecido pelo nome artístico L’Homme Statue. Radicado no Brasil há sete anos, onde veio morar para terminar o mestrado em Letras que começou na Sorbonne, Loïc nasceu e cresceu em Paris, mas a família é do Congo e da Costa do Marfim.
Capas dos álbuns “Aya”, de Aya Nakamura; e “L’Ère du Verseau”, de Yelle
Apreciadores e conhecedores da cena musical francesa – cada um com seu estilo –, L’Homme Statue, a cantora e colunista da Gama Letrux e a apresentadora e comunicadora especializada em música Lorena Calabria dão dicas de como começar ou conhecer mais sobre o universo sonoro francófono.
Hoje há uma mistura afro-francesa, árabe-francesa, vinda dos países que já foram colônia da França. Esse novo gênero é tão rico quanto o antigo
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Comece pelo fim: ouça primeiro a música feita hoje –
Não é porque você se interessou pela música de um país que vai precisar escutar a produção em ordem cronológica, ou mesmo se obrigar a ouvir primeiro os artistas mais icônicos. “Acho que começar pela música atual pode retirar alguma imagem pré-concebida do que é música francesa. Pode haver uma surpresa e uma conquista sonora gostosa. Amo os clássicos, mas acaba que a gente já tem uma ideia do que vai ouvir”, acredita Letrux, cuja mãe é professora de francês e cantava para ela canções de ninar no idioma. A cantora recomenda nomes como Yelle, Claire Laffut, L’Homme Statue, Aya Nakamura e Juniore. -
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Escolha por gênero –
Selecionar por gênero musical facilita a escolha ao fazer um recorte dentro de um universo tão grande de possibilidades. “Se gosta de hip hop, pode começar com MC Solaar e ir acompanhando a produção dele. Se gosta mais das cantoras, invista na chanson”, sugere Lorena Calabria, lembrando que o estilo é um mundo – tem música que puxa mais para o estilo cabaré, outra que é mais melódica ou mais ritmada. Brigitte Bardot, Françoise Hardy, Juliette Gréco e France Gall estão entre as cantoras que a apresentadora tem em disco de vinil – ela começou a ouvir os franceses nos anos 1980, a partir da dupla de new wave Les Rita Mitsouko. -
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Pesquise em aplicativos de música –
Melhor do que jogar “música pop francesa atual” ou “clássicos da música francesa” no Google é usar os aplicativos de música como ponto de partida para conhecer diferentes artistas. “Descubro muita coisa nova no Spotify. Você coloca o nome de uma banda que gosta, por exemplo, ‘La Femme’ (grupo de rock francês): embaixo o aplicativo vai te dar novas sugestões do que os ouvintes de La Femme também gostam”, diz Loïc. “Também gosto de playlists: uma música pode puxar e trazer outra”, diz Letrux, que segue ainda vários perfis de música nas redes para se atualizar, como Tenho Mais Discos Que Amigos, Música Pavê e Revista Balaclava. -
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Aprenda a reconhecer a sonoridade francesa –
Mesmo sendo francês, Loïc lembra que só se deu conta de uma sonoridade específica comum tanto na música como na fala francesa quando chegou ao Brasil e estranhou a diferença de tom por aqui. “Na França, tudo começa agudo e termina mais grave, quase sussurrando. Todas as bandas, mesmo rap, música eletrônica, têm essa sonoridade”, afirma. “É o contraplano da música brasileira, que é cantada no peito, para fora. A francesa é mais introspectiva, você fala quase como se estivesse repetindo um verso de poesia”, completa. Para se acostumar com esse jeito de cantar, Letrux sugere usar inicialmente a música como coadjuvante. “Tente cozinhar ou arrumar a casa e coloque uma playlist de música francesa. Se você não entender a letra, pode funcionar ter o som como pano de fundo.” -
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Invista no mix cultural –
Não é de hoje que a música francesa influencia e é influenciada por outras culturas. Mano Chao, francês de origem espanhola, é um exemplo de sucesso do gênero nos anos 80 e 90. Henri Salvador, francês nascido na Guiana Francesa, também trouxe uma sonoridade latina para sua música. Agora, segundo Loïc, o movimento é maior, vindo principalmente de artistas de nacionalidade francesa cujos pais ou avós vêm de países africanos e árabes que já foram colônia da França, como Marrocos, Tunísia, Senegal, Nigéria e Camarões, entre outros. Dois bons exemplos são as já citadas Aya Nakamura e Yseult. Há ainda os artistas que cantam em língua francesa mas são de outra nacionalidade, como o belga Stromae. E cantores que mesclam francês com outro idioma, como o próprio L’Homme Statue e Bianca Costa, que cantam misturando francês e português, e Indila, que mistura o francês com o inglês.
Este conteúdo é parte da série “Para conhecer a música francesa”, uma parceria institucional com a iniciativa “What the France”, marca de referência da organização CNM (Centre National de la Musique) criada para promover a diversidade da música produzida na França.