Como é a vida sob a renda básica universal — Gama Revista

Sociedade

A vida sob a renda básica universal

©Gettyimages
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Como funciona a renda básica universal, que foi testada na Finlândia e agora é vista mundo afora como resposta econômica emergencial ao Coronavírus

Daniel Vila Nova e Willian Vieira 29 de Março de 2020

Imagine que todas as pessoas de um país recebessem um valor mínimo em dinheiro, todo mês, independente de condição social ou ocupação – apenas por existir. É o que sugerem tanto o vencedor no Nobel de Economia Angus Deaton quanto os bilionários Pierre Omidyar, fundador do eBay e Elon Musk, CEO da Tesla. Além, claro, uma parte dos políticos.

Mesmo Emanuel Macron, candidato à presidência da França em 2018 taxado como o “preferido dos banqueiros” sugeriu algo similar. Nunca o fez, mesmo eleito, mas o tema ressurgiu com a pandemia: 18 chefes de departamentos franceses exigiram dele uma renda mínima com urgência.

No Reino Unido, 170 parlamentares (de esquerda e direita) encaminharam ao primeiro-ministro, Boris Johnson, uma carta sugerindo a aplicação de uma “renda mínima de urgência” de 180 libras por semana.

E até os Estados Unidos decidiram apostar na ideia, que era o carro-chefe de um candidato de esquerda às eleições desse ano e agora é tida como solução (emergencial) entre democratas e republicanos. O governo propôs a entrega de um cheque a quem precisa. Não é exatamente uma renda universal, mas o paliativo vai a seu encontro.

Com um terço da população mundial em isolamento, o debate ganha força. Juan Pablo Bohoslavsky, especialista da ONU, recomendou que os governos adotassem a renda básica universal como estratégia para combater uma catástrofe econômica e social. Além de ajudar quem não pode trabalhar, ela amenizaria os impactos do lockdown sobre a economia.

Mas o que é, afinal? A Finlândia explica

A renda básica universal faz parte de um debate antigo, que ganha mais força em momentos de crise econômica. Foi assim em 2009, com o crash das bolsas. E está sendo assim agora por causa do coronavírus. O que acaba confundido uma política pública universal de longo prazo e uma ajuda emergencial para uma parcela da população e com prazo de validade.

Enquanto americanos, britânicos e franceses negociam a medida de maneira emergencial, a Finlândia aplicou o conceito na prática, ainda que de forma parcial, a partir de 2017. De janeiro daquele ano à dezembro de 2018, dois mil desempregados receberam o equivalente a R$ 2.360 por mês.

O teste, um dos primeiros na Europa, visava entender se a proposta ajudaria os beneficiados, desempregados, a conseguir uma vaga. Para muitos, foi um fracasso. Após dois anos, não houve melhora significativa na taxa de emprego do grupo.

Já o impacto na felicidade foi imenso. O experimento melhorou a saúde, a autoestima e o otimismo. Alguns conseguiram, com a segurança de uma rede de apoio, abrir um negócio. Outros afirmaram que a renda os tornou mais criativos. O jornalista Tuomas Muraja, por exemplo, disse ter sido entrevistado por cerca de 70 veículos graças ao programa de renda e que sua qualidade de vida e estado psicológico melhoraram.

O programa, porém, foi descontinuado após o segundo ano pelo governo, que optou por outras alternativas de distribuição de renda. O mesmo se deu em diferentes lugares do mundo. Na província Canadense de Ontário um programa semelhante foi iniciado em 2018, mas finalizado em 2019 após a oposição assumir o governo. Nos Países Baixos, Utrecht também foi palco para mais um experimento.

Os programas seguem a mesma linha experimental: uma quantidade limitada de pessoas recebe o benefício por um tempo pré-determinado. Em tempos de coronavírus, o debate volta com tudo, em caráter de urgência.

E no Brasil?

Por aqui, o defensor mais vocal da política é o vereador de São Paulo Eduardo Suplicy (PT). Em 2004, quando senador, conseguiu a aprovação da lei que instituía a renda básica da cidadania. Sancionada, a lei não vingou. Outros projetos vão na mesma linha, mas esbarram em questões políticas.

Com a pandemia do coronavírus, o PSOL protocolou um projeto de lei que cria um programa de renda básica para famílias vulneráveis. A medida emergencial foi aprovada pela Câmara e pelo Senado e seguiu para a sanção do presidente Jair Bolsonaro. O “coronavoucher”, como foi apelidado, deverá ser distribuído por meio de bancos públicos.

Com isso, aos trabalhadores informais, pessoas sem assistência social e desempregados em geral receberão um valor de R$ 600 por mês durante a crise. “Espero que essa renda seja mantida após a pandemia, pois o mundo do trabalho está mudando e exige um novo sistema de proteção social”, diz a economista Laura Carvalho, professora da USP.

O timing é oportuno?

“Extremamente oportuno”, diz a economista.“Com a informalidade recorde que já tínhamos e a perda de renda e empregos que a pandemia vai gerar, o esforço tem que ser destinar vultosos recursos para preservar a renda das pessoas. No caso dos informais e autônomos, a renda básica é a solução.”

Para a professora, a renda básica emergencial aprovada pela Câmara é um excelente passo, que abre o debate sobre sua manutenção e expansão no futuro. Ela só não pode ser usada, afirma, para minar a importância dos sistemas universais de acesso a educação e saúde (como o SUS).

“Não se deve pensar a renda básica como substituta do Estado de bem-estar social”, diz. “Não podemos fazer dela um sistema de vouchers em que o trabalhador recebe o cheque para pagar por sua saúde e educação privadas.”

Para Carvalho, a renda mínima universal deve ser “uma rede de proteção em um mundo em que as relações de trabalho estão cada vez mais instáveis”.

Em um mundo onde o trabalho temporário e de meio-período são cada vez mais comuns, fora o prognóstico obscuro da automação do trabalho, que fará com que muitos trabalhadores percam sua fonte de renda para máquinas, a renda básica universal surge como o próximo passo do estado de bem estar social.

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